Renault Duster “matou” o Captur: concorrência interna, preferência do mercado ou custo X benefício?
Não foi surpresa pra ninguém inteirado na área o fim de linha do Renault Captur agora nos últimos meses de 2023. O pomposo SUV, que nem chegou ao seu sétimo ano de mercado (lançado em fevereiro de 2017), vinha tendo sucessivas quedas nas vendas, enquanto a Renault priorizava melhorias no seu outro utilitário, o Duster. Os dois, na realidade e essência, são frutos da mesma árvore…ou melhor, modelos que usam a mesma base: a longeva plataforma B0, mesma de Sandero/Logan e também Oroch, tem uma concepção simples de construção, porém é robusta e permite modelos espaçosos.
Para se ter uma ideia, essa base mecânica surgiu para suprir inicialmente a demanda dos mercados do leste europeu, onde qualquer carro precisa ser bastante resistente e duradouro. De lá, mais precisamente da Dacia romena, também veio o projeto do Duster, criado como um SUV compacto, mas com bom espaço interno e ótimo porta-malas, que podia passar por trechos fora-de-estrada sem reclamar. Não é a toa que caiu como uma luva também no mercado brasileiro, onde é vendido desde 2011, e ainda usa a mesma plataforma. Já são mais de 360 mil deles rodando pelo Brasil, um sucesso.
O Captur veio para ser um carro mais premium, tecnológico e bonito, coisas que nunca foram prioridades para o Duster. Enquanto já era sucesso na Europa, ele chegou ao mercado nacional com algumas peculiaridades, afinal nosso modelo seguia o esquema do Kaptur vendido na Rússia. A maior diferença, além da carroceria aumentada em comprimento, largura e altura, estava na base mecânica, que não era a mesma do Clio europeu de quarta geração. Fabricando o Captur sobre a plataforma do Duster, além de baratear o projeto, a Renault teria menos trabalho em adequar a planta de São José dos Pinhais, e já teria atestada a confiabilidade dos sistemas de suspensão, freios, direção, e por aí vai.
Criava-se ali uma concorrência interna entre Duster e Captur: os dois se equivaliam no espaço interno, porta-malas, confiabilidade mecânica, consumo, desempenho (mesmos motores e transmissões para os dois carros), e, de certa forma, dirigibilidade. Só que o Captur era, e sempre foi, infinitamente mais charmoso e classudo, sem contar que trazia mais equipamentos, enquanto o Duster fazia as vezes de um carro mais bruto e “rústico”. Apesar das diferenças, os dois sempre tiveram seus conflitos de preços, público e custo X benefício.
De certa forma, isso se complicou com a chegada do Novo Duster no começo de 2020. O SUV de projeto romeno, agora mais simpático no design, recheado de equipamentos e melhorado em pontos críticos (acabamento interno, por exemplo), passava a ser um páreo ainda mais duro para o Captur. Era ainda uma época que os dois contavam com o mesmíssimo motor 1.6 16v SCe acoplado ao câmbio CVT, com a vantagem de o Duster oferecer ainda versões com transmissão manual, coisa que o Captur já havia abandonado.
Em um comparativo feito aqui no Carros&Garagem em 2020 mostrou exatamente essas semelhanças, diferenças, e vantagens de cada um dos SUVs da Renault, com uma vitória quase que totalmente justa para o Duster, que, em nova geração, tinha até mais a oferecer do que o Captur: monitores de ponto-cego e sistema com quatro câmeras ao redor do carro são exemplos, que, ao menos, eram compensados com os quatro airbags e pintura bitom do Captur. Aliás, o Duster só deve receber mais airbags além do duplo frontal exigido pela lei em breve, junto da chegada de um retoque no visual.
A chegada do 1.3 turboflex, importado da Espanha e desenvolvido em parceria com a Mercedes-Benz, com seus poderosos 170 cv e 27,5 mkgf (etanol), parecia ser uma salvação para o Captur a partir de 2021: ter um motor exclusivo e de ponta como esse TCe era o que ele mais precisava para fugir da concorrência interna com o Duster. Junto da nova mecânica (contemplou ainda um CVT aprimorado com simulação de 8 marchas), vieram equipamentos inéditos, mas nada revolucionários.
Ainda faltavam itens importantes para o segmento, como mais airbags (seguiam os quatro), freios a disco nas rodas traseiras, saídas de ar-condicionado para o banco traseiro ou ainda um acabamento mais caprichado. Sem contar que a escolha do motor 1.3 turboflex para toda a linha fazia seu preço salgar, e muito: na prática, um Captur Iconic, versão topo de linha, era mais caro que um Jeep Compass Sport. Ao menos ficou longe da faixa de preço do Duster, que, em 2021, não passava dos R$115 mil na sua versão mais recheada. Um Captur básico era mais de R$125 mil. Os dois “irmãos” finalmente não brigavam pelo mesmo mercado e público, ainda que a maioria dos compradores dos Captur 1.6 tenham migrado para o Duster.
A coisa parecia estar resolvida, mas foi justamente a partir daí que o Captur passou a vender cada vez menos (fechou o ano de 2021 com cerca de 8.300 carros vendidos), coisa que definitivamente não acontecia com o Duster (passou das 22.500 unidades comercializadas no mesmo período). Seu preço alto, recheio que não era suficiente e concorrência feroz acabavam por “esconder” as vantagens do novo motor importado, a exemplo das tecnologias e ótimo desempenho.
Em 2022, o Captur sofreu dois enormes baques. O primeiro não tem a ver diretamente com a Renault, mas sim com o cenário político mundial: Rússia e Ucrânia entraram em guerra no começo do ano. O que tem a ver com o Captur? Ele, por ser parente do Kaptur russo, compartilhava alguns componentes com o irmão da terra da Vodka, e com a bagunça da guerra, o fornecimento dos tais componentes foi suspenso. A Renault brasileira passou a se virar com o que tinha por aqui, e só isso já fez sua produção despencar. A pá de cal veio mesmo com o lançamento do Duster também com motor 1.3 turbo, ainda que só na versão mais cara Iconic, também no início daquele ano.
Com motor 1.3 turbo, o Duster passava a ficar tão moderno de mecânica e bom de performance quanto o Captur, e, em sua versão mais cara (Iconic TCe), ainda era mais barato que um Captur de entrada (Zen TCe). Novamente os dois passavam a brigar pelo mesmo mercado, enquanto os Duster 1.6, manuais ou CVT, tomavam outra fatia de mercado que o Captur já havia abandonado. Na primeira avaliação nossa com o Duster 1.3 turbo, o tema foi exatamente esse. Cenário complicado…
Dali em diante, a vida do Captur só se complicou, tal qual a guerra envolvendo o país que lhe fornecia peças. Sem contar que, para a Renault, a margem de lucro com o Duster sempre foi superior a de um Captur equivalente, com a mesma motorização. Somando isso as vendas em declínio, falta de peças para produção, e o consumidor caindo nas graças do Duster 1.3 turboflex, era nítido que o fim do bonito SUV, desenhado na França, estava próximo. Não deu outra. O Duster? Segue firme e forte, e deve receber melhorias importantes para 2024, se firmando como o primeiro, e a partir de agora único, SUV compacto vendido pela Renault no Brasil. O curioso caso do veterano que poderia ser substituído, mas acabou vendo seu sucessor “morrer” antes dele.