(Avaliação) Renault Megane E-Tech merece sua atenção

A Renault andava precisando de um carro de presença, como aqueles que elevaram seu patamar lá nos anos 90 (21 GTX, Nevada ou Laguna). Convenhamos, de alguns anos pra cá, quase todo o portfólio da marca se resumiu a projetos romenos para países emergentes, alguns até bonitinhos, mas completamente diferentes do que era vendido no Velho Continente. Ainda bem que as coisas mudam, e aparentemente voltamos aos tempos de projetos franceses legítimos rodando em ruas brasileiras. Não há melhor exemplo prático pra isso que o Megane E-Tech, um cara que cativa qualquer um que olhe para ele com certo interesse.  

Made in France de cabo a rabo, ele deixa a pulga atrás da orelha quanto ao segmento em que atua: parece um hatch grandão, com um quê de crossover, coupé, ao mesmo tempo que até evoca um espírito de perua, mesmo que bastante discreto. Linhas finas e estilosas, classe de sobra, esportividade na medida certa e uma pinta de carro-conceito, daqueles que parecem ter saído ontem de um Salão do Automóvel, são algumas de suas características, mas ele vai além com a propulsão elétrica. Só não dá pra elogiar tanto assim o preço, salgado, de R$280 mil, já que a Renault quer ser agressiva só com o Kwid E-Tech, elétrico mais barato do Brasil.  

Diferente dos demais

Grande vantagem do Megane está na condução elétrica totalmente diferente de qualquer Renault vendido no nosso mercado na última década, até porque, tirando o Kardian e o utilitário Kangoo E-Tech, nenhum outro tem a base modular CMF, de última geração. Antes de mais nada, qualquer um se “encaixa” nele com perfeição, dados os ajustes finos de bancos (forrados num tecido interessante que lembra o jeans, muito anatômicos) e coluna de direção, e o típico estilo de guiar baixo, envolto pelo painel e console altos, sempre voltados ao motorista. Essa esportividade é o que diferencia ele de outros SUVs elétricos, como o Chevrolet Bolt EUV, por exemplo.  

A desenvoltura do motor elétrico contribui diretamente para isso, aliás: ele tem 220 cv de potência com cerca de 30,5 mkgf de torque, entregues de imediato principalmente no de condução esportivo, aquele que diminui o curso do acelerador e entrega a força total mais rapidamente. Não há como falar o contrário: o Megane E-Tech é bastante rápido e divertido de guiar em qualquer um desses dois modos de condução, e é possível cumprir com louvor o número do 0 a 100 km/h oficial (7,4s) nas melhores condições, contando com a segurança dos ajustes finos de direção, suspensão e freios, que não deixam na mão numa tocada esportiva. Inclusive, de todos os Renault já vendidos na história do Brasil, o Megane E-Tech é o mais rápido nas acelerações. 

Concorrência “mais mansa”

Em uma rápida comparação com a concorrência, interessante notar que ele parece conseguir a melhor relação de força do motor vs. peso da carroceria quando falamos em desempenho: o Chevrolet Bolt EUV tem 6 “quilos” de torque extras e é apenas 30 kg mais “gordo”, porém demora quase meio segundo a mais para ir de 0 a 100 por hora. Outro é o Peugeot e-2008, proporcionalmente mais leve e com menor força elétrica, porém demorando quase 10s na mesma prova. Desde as linhas da carroceria ao arrojo da cabine, a marca francesa parece associar esse Megane elétrico a performance e dirigibilidade.  

Refinado, e afiado

É para esquecer outros Renault nacionais também pela direção afiadíssima, que soma respostas muito rápidas nos menores comandos às vantagens da baixíssima relação sem comprometer a manobrabilidade, pelo contrário. Explico: seu volante gira pouco, porém as rodas esterçam bastante, unindo o melhor de dois mundos. Independentes, confortáveis e seguras, as suspensões só pecam pelo curso curto das molas e amortecedores: vez ou outra, dependendo da buraqueira, elas podem dar “fim de curso”. E, de tão bons, os ajustes dos pedais, incluindo o de freio, parecem coisa de carro alemão: trabalham sem margem pra críticas. Até aqui, nada em comum com outros Renault nacionais, nem aquela valentia para encarar nosso asfalto lunar. 

Baixa e larga, sua carroceria só mostrou um excesso de rolagem lateral quando colocada ao limite em uma curva rápida, tarefa normalmente cumprida com mais facilidade num elétrico, que tem o centro de gravidade reduzido pelo peso das baterias no assoalho (cerca de 400 kg, nesse caso) e, por via de regra, pouca altura com relação ao solo. No caso do Megane, cerca de 15 cm, mais do que suficientes para sua proposta urbana com algum trajeto fora da estrada vez ou outra. Conosco, não “enroscou” a parte de baixo em lugar algum, porém precisou de cuidado na passagem por valetas ou rampas de garagem pelo ângulo de ataque limitado. O parachoque traseiro é significativamente mais alto, ou seja, sem problemas lá atrás. 

Pra chamar de seu

No geral, pontos chamaram a atenção nos 480 km de testes com esse belo Renault elétrico. Um é que, apesar de classudo e todo cheio de presença, não é um carro que atrai tantos olhares por aí, o que se traduz em mais discrição. Outro, bom: alguns de seus “problemas” são resolvidos com tecnologias, como a visibilidade limitada pelas janelas pequenas e colunas largas, que é facilmente contornada pelos sensores de estacionamento ao redor de toda a carroceria, e câmera traseira, que replica as imagens na multimídia ou no retrovisor interno, sem contar a possibilidade de melhorar seu coeficiente de arrasto e estilo clean com as maçanetas embutidas. As dianteiras são retráteis no estilo de alça, e as traseiras fazem parte das colunas C.  

Muita coisa dele é personalizável, uma excentricidade dos franceses há décadas no meio automotivo, que gostam de abrir um leque de opções para cada motorista se adaptar melhor ao carro. Desde modo de condução, nível de regeneração, cores dos LEDs da cabine, até o tom do “tic-tac” da seta ligada, tudo pelos infinitos menus de configuração da multimídia (o aparelho é até confuso de mexer, até decorar onde fica cada coisa), ou nas várias teclas individuais, dá para deixar o Megane do seu jeito. Em um mundo de monotonias automotivas, modularidade cai bem! 

Espaço, porta-malas e estética acima de tudo

Apesar disso, há mais “emoção” do que “razão” no projeto desse E-Tech, e como prova disso estão suas portas, pesadas e requintadas no acabamento, mas pequenas para o tamanho do carro. O acesso ao habitáculo é até mais tranquilo para os bancos traseiros do que dianteiros, por culpa da colossal coluna B, que fica ainda mais larga da altura das janelas para baixo. Vez ou outra, é comum o motorista ou passageiro dianteiro, se forem grandes, precisarem desviar dela para entrar ou sair do carro, já que os encostos dos bancos dianteiros ficam quase sempre “escondidos” atrás da tal coluna B. Talvez seja o maior pecado do carro.  

A cabine de altura plana, sem teto-solar, garante o mesmo nível do teto para a primeira ou segunda fileira, eliminando ressaltos ou desníveis. Como o carro é largo, é possível acomodar três pessoas atrás com menos aperto, ainda que o Megane seja mais indicado para dois na frente e dois atrás, que podem ir de um lado para o outro da cabine, já que o assoalho é totalmente plano e está na mesma altura das caixas de ar. Esse formato de carroceria, um tanto quadrada, acaba favorecendo até a folga para as bagagens: seu porta-malas é generoso, com 440 litros (um Duster tem 475, por exemplo), levando vantagem pela profundidade e largura entre as paredes do espaço. Não parece, mas cabe bastante coisa ali. 

Vai longe 

Na fórmula do Megane também está o baixo coeficiente aerodinâmico (0,30), e o atrito reduzido com o ar (desde as maçanetas embutidas às rodas mais fechadas, muita coisa contribui), mas aonde isso chega? No menor consumo de energia e, consequentemente, mais alcance com uma carga cheia. Bingo! Com a carga máxima nas baterias de 60 kWh, a Renault fala em quase 500 km de autonomia com o ciclo WLTP europeu, ou cerca de 340 km seguindo as medições do PBEV (INMETRO).

O mais fiel parece ser o europeu: viajando na estrada com velocidade entre 90 e 100 km/h, ele registrou excelentes 13,7 kWh a cada 100 km, convertidos para algo ao redor dos 7,3 km/kWh, chegando aos 438 km de alcance máximo rodoviário nessas condições. A regeneração de energia no máximo, que o desacelera quase quanto um One Pedal, trabalhou sempre na ativa (toda vez que ligava o carro era preciso reconfigurá-la, infelizmente), porém quem ajudava muito nas viagens de Megane E-Tech era o modo Eco de condução, aquele que deixa o motor elétrico mais manso e progressivo, sem despender de tanta energia para acelerar.  

Com o carro avaliado, na estrada foi possível passar dos 430 km de alcance com uma carga completa. Ótimo! (Foto: Lucca Mendonça)

No caso dele ligado, o carro não vai muito além dos 115 km/h de máxima, porém poupa muito mais energia que o modo seguinte, o normal. Desligando o Eco, aí sim dá para viajar com ele a mais de 160 km/h, drenando toda a carga das baterias em 180 km percorridos ou menos. É preciso ponderar muito, porém, no uso misto comum, o modo Eco tende a ser o mais interessante, até porque, o alto tempo para recarga na tomada ainda é um problema nos elétricos. No caso do Megane, ter o plugue padrão já ajuda. 

A recarga é demorada, como em todo carro elétrico, mas os plugues e entradas do padrão mundial facilitam o processo (Foto: Lucca Mendonça)

Regenerando na cidade, onde qualquer carro elétrico torna-se mais econômico justamente pelo menor esforço do motor e maior recuperação de energia, o Renault francês deu outro show: atingiu apenas 10,1 kWh/100 km, beirando a marca dos 10 km/kWh e, consequentemente, os 600 km de alcance. Claro, sem o ar-condicionado, vilão dos EVs, e com muito anda e para ele recuperar a carga das baterias. No uso urbano mais comum, digamos assim, a média foi de 12 kWh/100 km, ou 8,3 km/kWh, combinando com a autonomia WLTP: quase 500 km.  

Buscando mercado, e precisando de atenção 

O Megane E-Tech merece mais atenção: é bonito, eficiente, moderníssimo, e supera as expectativas desde o nível de acabamento até a dirigibilidade, combinando um pacote de qualidades que poucos carros similares entregam. O lado ruim de toda essa história parece ser mesmo o preço que a Renault pede por ele, especialmente nos tempos de carros elétricos chineses com suas baitas relações custo X benefício. Os números de vendas divulgados pela ABVE (Associação Brasileira de Veículos Elétricos) mostram que algo pode estar errado, e provavelmente não é com o carro: só 9 unidades foram vendidas entre janeiro e março de 2024. Potencial, ele tem de sobra! 

« de 2 »

Ficha técnica:

Concepção de motor: elétrico, dianteiro, refrigeração líquida de baterias e propulsor, conjunto de baterias de íon-lítio instaladas no assoalho, capacidade de energia de 60 kWh
Carregamento 0 a 100%: entrada Tipo 2, recarga via eletropostos (de 1h10min a 8h00min, dependendo da força), wallbox (cerca de 8h00 min) e tomadas 220V (cerca de 32 horas). Regeneração de energia configurável durante condução
Potência: 220 cv
Torque: 30,6 mkgf
Suspensão dianteira: independente, McPherson, com barra estabilizadora
Suspensão traseira: independente, Multilink, com barra estabilizadora
Direção: com assistência elétrica progressiva
Freios: discos ventilados na dianteira e discos sólidos na traseira
Pneus e rodas: Continental EcoContact 6, medidas 195/65 e rodas de liga-leve aro 18
Dimensões (comprimento/largura/altura/entre-eixos): 4,20 m/1,77 m/1,52 m/2,68 m
Porta-malas: 440 litros
Alcance: 495 km (ciclo WLTP) ou 337 km (ciclo PBEV)
Peso em ordem de marcha: 1.680 kg
Aceleração 0 a 100 km/h: 7,4 segundos
Velocidade máxima: 160 km/h (limitada eletronicamente)
Preço básico: R$279.900

Itens de série:

Faróis dianteiros 100% em LED, Luzes traseiras em LED com efeito “moiré” 3D, Luzes indicadoras de direção dinâmicas/sequenciais, Ambient lighting – Iluminação ambiente em LED, Bancos revestidos de tecido e materiais plásticos reciclados, Acabamento em camurça nos painéis de porta, Maçanetas externas ocultas e rebatíveis automaticamente, Painel revestido em tecido 100% reciclado, Teto biton e retrovisores na cor preto Etoilé, Antena tipo barbatana de tubarão, Rodas de liga leve Oston de 18″, Ar-condicionado automático e digital Dual-zone, Chave presencial tipo cartão, Painel de instrumentos 100% digital de 12,3″, Tela multimídia openR de 9″, Espelhamento de smartphone sem fio Android Auto® e Apple CarPlay®, Banco do condutor com ajustes manuais, Sistema de som Arkamys® com seis alto-falantes, Frenagem regenerativa – com quatro níveis, Volante revestido com tecido premium e com aquecimento, Sensor de chuva e crepuscular, Quatro tomadas USB-C (2 traseiras e 2 dianteiras), Multi-sense com modos de condução Eco, Sport, Comfort e Perso (personalizável), Retrovisores externos elétricos rebatíveis com luzes de cortesia em LED que projetam o logotipo da Renault, Carregador de smartphone por indução, 7 airbags (2 frontais, 2 laterais, 2 de cortina e 1 entre os bancos dianteiros), Alerta e frenagem de tráfego cruzado traseiro, Alerta e intervenção de ponto cego, Assentos com Isofix, Assistente de partida em rampa, Alerta de colisão frontal, Alerta de distância segura, Alerta de saída segura dos ocupantes, Alerta e assistente de permanência em faixa com aviso para ultrapassagens, Retrovisor interno com câmera, Controle de velocidade adaptativo com Stop & Go, Controles eletrônicos de estabilidade e tração, Detector de fadiga do motorista, Direção elétrica, Farol alto inteligente com função neblina, Freios ABS, Frenagem automática de emergência para pedestres e ciclistas, Kit de reparo dos pneus com compressor portátil, Monitoramento da pressão dos pneus, Reconhecimentos de placas de velocidade com alerta de excesso de velocidade, Regulagem automática de altura dos faróis, Retrovisores com indicador de direção dinâmicos, Retrovisores externos elétricos com rebatimento automático e aquecimento, Sensores de estacionamento dianteiros, traseiros e laterais com câmera de ré traseira, Sistema CAR – travamento automático das portas a 6 km/h, Aviso sonoro de aproximação para pedestres (VSP) 

Compartilhar:
Com 22 anos, está envolvido com o meio automotivo desde que se conhece por gente através do pai, Douglas Mendonça. Trabalha oficialmente com carros desde os 17 anos, tendo começado em 2019, mas bem antes disso já ajudava o pai com matérias e outros trabalhos envolvendo carros, veículos, motores, mecânica e por aí vai. No Carros&Garagem produz as avaliações, notícias, coberturas de lançamentos, novidades, segredos e outros, além de produzir fotos, manter a estética, cuidar da diagramação e ilustração de todo o conteúdo do site.