VW up! elétrico e chinês: JAC E-JS1

Depois de rodar com o novo JAC -— o elétrico mais acessível do Brasil, por R$ 149,9 mil — a primeira grande impressão é de que o fabricante chinês deu um grande salto de qualidade. A VW alemã comprou 50% das ações dessa indústria chinesa, ao que tudo indica com direito decisório.

E o primeiro projeto conjunto, com liderança da engenharia da VW, resultou em carrinho urbano com suspensão, dirigibilidade e rigidez de carroceria bastante semelhante ao do up! Em muitos momentos, esquecendo que se trata de um carro elétrico, as boas impressões ao volante lembram os melhores modelos da VW em precisão e prazer ao dirigir.

Sei, sei… Um entusiasta não pode se entusiasmar por um carro elétrico. Seria algo como gostar de um carro rebaixado estilo mata-formiga, com rodas de aro 24 polegadas e movido por gás de cozinha. Mas, o projeto do JAC E-JS1, além de bem executado, é bastante inteligente. Uma proposta bem diferente dos paquidermes elétricos de R$ 400 mil (ou mais) e que pesam mais de duas toneladas, direcionados a pessoas com dinheiro para posar de “ecologicamente corretos”. Ou que simplesmente gostam de novidades e podem pagar por isso.

Linhas simpáticas (Foto: Josias Silveira)

Quase compacto

Segundo a JAC, o JS1 se trata de um compacto. Mas, com 3.650 mm de comprimento (e 2.390mm de entre-eixos), está mais para subcompacto. De novo, não por acaso, são medidas muito semelhantes as do VW up!. Mesmo assim, é bastante confortável para quatro pessoas, com o quinto passageiro apertado no centro do banco traseiro, como sempre acontece.

Desenho da traseira passa ideia de robustez e corres são alegres; tem vermelho também (Foto: Josias Silveira)

Toda essa semelhança com o up! vem do E-JS1 ter sido rapidamente projetado pela VW, há pouco mais de ano, e assim várias boas soluções do compacto alemão foram reaproveitadas, inclusive alguns componentes mecânicos. Sua plataforma, porém, veio de outro JAC, o J2 que chegou a ser vendido no Brasil, logicamente com uma boa reformulada dos alemães, resultando em um carro com ótima rigidez torcional, sentida por aquela “pisada germânica” no asfalto e também pela precisão em curvas mais rápidas. Tudo isso dentro do que já é a oitava geração dos elétricos. Bom lembrar para os interessados em carros elétricos que seu desenvolvimento está sendo muito rápido, algo similar aos celulares, e isso acelera sua obsolescência. Um ótimo celular, novidade há dois anos, hoje já está ultrapassado.

Leveza

A leveza do JAC E-JS1 não está apenas no seu desenho até bem humorado e harmônico, com um interior com detalhes contrastantes que até lembram o Twingo. Um dos seus grandes trunfos está exatamente no seu peso, de 1.180 kg, apenas cerca de 200 kg a mais que um carro convencional de sua categoria. Para esse emagrecimento para um elétrico, foram usadas baterias de fosfato de ferro-lítio capazes de armazenar apenas 30,2 kW·h de energia elétrica.

Interior tem um quê de futurista (Foto: Josias Silveira)

Com um motor de 62 cv)e 15,3 m·kgf no eixo dianteiro, tudo estava pronto para se ter um bom desempenho e deixar o Jaquinho bem esperto. Mas, aí entra o grande drama dos elétricos: alcance. Era só deixar o acelerador bem disponível e alcance seria bem pequeno.

De novo os alemães acharam uma formula bem pensada. Ao que tudo indica, os 15,3 m·kgf não estão assim tão disponíveis e não se sente aquela aceleração instantânea que traz prazer ao dirigir nos elétricos, mas que também é uma comedora de alcance. Quando se acelera o E-JS1 a sensação e a mesma de um carro convencional aspirado, com um motor 1,4 ou 1,6. A JAC divulga 10,7 s para o 0 a 100 km/h, mas certamente este é um número do marketing e não da engenharia. Meu velho bundômetro acusa algo como 12/12,5 s para o 0 a 100 km/h, o que continua um bom número.

Não é o motor que fica mais baixo, mas elemento de controle eletrônico do motor, o inversor (Foto: Josias Silveira)

Só que houve uma outra limitação mais complicada para os usuários para manter o alcance em 302 km (método NEDC): a velocidade máxima é de apenas110 km/h e o carrinho recebeu a classificação de “urbano”. Sua indicação para as cidades é completada por um “porta-malas” (ou porta-luvas grande), onde caber apenas três mochilas. Baterias ocupam bastante espaço. Mesmo com essa limitação de 110 km/h dificilmente o alcance de 302 km vai se manter nas estradas. No trânsito urbano, o anda-e-para ajuda a recarga das baterias, uma vez que são recarregadas sempre que se freia ou desacelera, o que ocorre pouco em estradas.

O porta-malas é de carro urbano (Foto: Josias Silveira)

Carga rápida

Com baterias menores (e mais leves) se tem muitas vantagens, inclusive de recarga. Em uma estação de recarga doméstica (WallBox de corrente alternada de 220 V, vendida em separado pela JAC), a carga total é feita em 5 h. Já em um WallBox rápido (corrente contínua de 50 KW) este tempo cai para 40 min.

Por outro lado, a limitação de velocidade é bastante frustrante, uma vez que o carrinho tem todas condições dinâmicas e de conforto para enfrentar uma estrada. E o alcance de 300 km permitiria viagens curtas. Mas, viajar em rodovias com limite de 120 km/h (como existem várias principalmente no Estado de São Paulo) é uma experiência de tensão constante. Rodar na pista da direita com o logotipo de um caminhão enchendo o seu espelho retrovisor é muito, muito tenso. Também em ultrapassagens, os 110 km/h fazem esta manobra se tornar bastante insegura. Aliás, essa era exatamente a velocidade máxima do Fusca 1200 de 30 cv.

O controle de “câmbio” é apenas uma pequena alavanca na coluna de direção, com três posições: Neutro, Drive e Ré. Colocar um Drive Plus, ou algo assim, que liberasse mais 20 km/h de velocidade (claro que com prejuízo do alcance) parece uma solução fácil de executar.

Conversa de doido

O E-JS1 é bastante atual em eletrônica e completo de equipamentos. Traz todo o abecedário de siglas de segurança e algumas miçangas decorativas, como luz de rodagem diurna de LED e câmera de ré. Tem ainda uma tela central comandada por toques de 10,25 pol. com diversas informações e gráficos, o que deve auxiliar controlar alcance e outros parâmetros. Tudo com pareamento para celular Android Auto ou Apple CarPlay. Não foi possível testar. Como o Jaquinho era uma das primeiras unidades a chegar, tudo estava em chinês. Inclusive um simpático bonequinho falante que aparecia na tela fazendo várias mesuras e perguntas. Por pura dificuldade intelectual, não conseguimos nos entender. Claro que já nas primeiras unidades comercializadas o JAC E-JS1 já estará devidamente falando português;

Gambiarras

Na bem remota hipótese de um E-JS1 cair nas minhas mãos para uso, com certeza não escapará de uma bela gambiarra para aumentar sua velocidade máxima. A mais sofisticada seria convocar algum hacker amigo para destravar a velocidade  limitada eletronicamente, já que 62 cv é potência para o o E-JS1 chegar a pelo menos 140 km/h. Se isso não funcionar, o jeito mais raiz seria substituir as rodas (de aro 14, com pneus normais 165/65, ao contrário de outros elétricos com pneus especiais e muito caros) por algo como aros 17 montadas  com pneus de perfil alto. Isso certamente aumentara em uns 10% a circunferência de roda/pneu, o que garantirá uns 120 km/h de velocidade final. Vai “enganar” o velocímetro (e facilitar tomar multa, obrigando a ficar de olho na velocidade “GPS” do Waze), mas claro que com tanta eletrônica podem surgir alguns problemas digitais. Chama o hacker de novo…

O custo deste JAC, apesar de ser o mais acessível do Brasil, é cerca do dobro de um carro convencional da mesma categoria, apesar do km rodado ser muito mais barato que com combustíveis convencionais. Mas, enquanto vários países isentam os elétricos de taxação (e até pagam uma parte de seu custo), por aqui temos o Custo Brasil, o que significa tacar impostos. E você acha que nosso governo vai pagar parte do valor do seu carro elétrico novo?

Nota do autor: a sigla JS do novo Jaquinho não se trata de uma homenagem pessoal, usando minhas iniciais, e nem foi por isso que gostei de muitos aspectos do carrinho, principalmente dinâmicos. Quanto ao “empurrador” continuo preferindo algo que ronque e queime alguma coisa: gasolina, álcool, diesel…

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Um dos mais respeitados jornalistas automobilísticos brasileiros, Engenheiro mecânico e jornalista, foi editor da revista Duas Rodas e publisher da revista Oficina Mecânica. Atualmente é um dos editores da revista TOP Carros além de colaborador da Folha de S. Paulo e de diversos outros meios. Também é autor do livro "Sorvete da Graxa".