O Skoda sem motor na subida e sem freio na descida

Esse causo é um dos mais doidos que ouvi ao longo de minha vida. O fato ocorreu na segunda metade dos anos 60 e os principais protagonistas foram o mecânico João, carinhosamente chamado de Joãozinho pelos parentes e amigos devido a sua baixa estatura, apesar do corpo musculoso, e seu carro e companheiro do dia a dia, um Skoda 445 1957. Já é o segundo causo que conto nesta mina coluna com carros Skoda, mas por simples coincidência, pois um não tem nada a ver com o outro. Mas é que os Skoda, queira ou não, estão sempre envolvido em casos engraçados no decorrer de minha vida. Interessante!

Antes, vamos falar do bom mecânico, que acabou partindo dessa para melhor em um acidente testando o carro de um cliente. Joãozinho era um bom profissional e fazia a manutenção do Fusca 61 que meu pai possuía na época. Ele era casado com uma prima minha, a Julieta, com quem tinha um casal de filhos. Quase todo fim de semana, sua folga na Mercedes-Benz, onde trabalhava como mecânico na manutenção da frota, eu estava lá em sua casa com o meu pai e seu Fusquinha, sempre para dar uma regulada no carburador, limpar o platinado e acertar o ponto de ignição.

Joãozinho cuidava do Fusca do meu pai, e sempre estávamos na casa dele para regular o carburador, limpar o platinado… (Foto: VW/divulgação)

Joãozinho era um mecânico destemido e fazia algo que me deixa intrigado até hoje: com o motor funcionando em marcha lenta, ele soltava um dos cabos de vela recebendo aquela alta voltagem da bobina, algo em torno de 2.000 ou 3.000 volts que faziam seus músculos pulsarem junto com o funcionamento do motor. Com o dedo indicador perto do parachoque, a faísca do sistema de ignição saia dos seus dedos para o parachoque cromado do Fusca. Assustador! E essa pratica era feito como uma espécie de brincadeira, na qual ele se dizia poderoso, capaz de lançar faíscas pelos dedos. Enfim, um camarada divertido e brincalhão, além de entender muito do ofício de mecânico.

Pois, um dia, Joãozinho trafegava com o seu Skoda em uma avenida de pista única e mão dupla que desembocava no início da Via Anchieta, na capital paulista. Na época, essa avenida era conhecida como “três tombos”, porque seu perfil lembrava as corcovas de um camelo, cheio de enormes subidas e descidas, uma seguida da outra. Hoje lá é a Rua Nossa Senhora da Saúde, pros lados do Cursino. E o pequeno Skoda, velhinho para a época e com um motor fraquinho, precisava embalar na descida para subir o próximo morro. Quem já dirigiu carro fraquinho nessas situações entende.

Três Tombos. onde o Skoda e Joãozinho passaram apuros, é cheia de morros. Na foto, situação onde um caminhão ficou “entalado” lá (Foto: reprodução/TV Globo)

Estalo fatal

Mas, aí, surgiu a mancada do carrinho tcheco: por uma falha de projeto, o que prendia o semieixo ao diferencial era um anel de pressão de aço, que, em um carro velho, já não tinha tanta pressão assim. Como o carrinho foi acelerado fundo na descida para embalar na subida, quando a pressão e a força do motor se fizeram presentes quase no topo da subida, nosso “eletrificado” mecânico ouviu o que não queria: um estalo na parte traseira que permitiu que o semieixo juntamente com a roda e a panela de freio saíssem, mas de maneira que a roda não pudesse cair, pois estava apoiada na parte interna do para-lama. A confusão estava formada e o furdúncio só começava.

Quando nosso intrépido mecânico ouviu o barulho e percebeu que algo de errado estava acontecendo, pois o carro perdeu completamente a tração e não conseguia chegar ao topo da ladeira, instintivamente pisou no freio. Como a roda e a panela de freio haviam se desencaixado de suas posições juntamente com o semieixo, o ato de pisar no freio não tinha efeito: sem a panela, os patins de freio simplesmente abriram, o pedal deu na tábua e o sistema não funcionou. O mecânico João estava sem motor, porque a transmissão tinha se desligado das rodas, e sem freios, porque os patins traseiros não tinham panela para apoiar. Um mato sem cachorro!

O carro ficou sem transmissão e, consequentemente, motor para acelerar pra frente, e sem freios para segurar a marcha a ré na ladeira (Foto: Skoda/divulgação)

O Skoda andou o que o embalo permitiu sem a tração do motor e aí, sem freios, começou a descer de marcha ré. Por sorte, nenhum carro vinha atrás e nosso mecânico passou a conduzir o Skoda andando para trás em alta velocidade. Desceu, desceu e começou a subir, sempre de marcha ré e no embalo. Subiu até um trecho, parou e voltou a descer, agora de frente. Desceu, voltou a mesma ladeira e começou a subir, ainda no embalo sem motor e sem freios. Isso foi acontecendo sem que o mecânico, praticamente um piloto depois dessa situação, pudesse fazer nada. Estava por conta da sorte.

Depois de repetir essa operação algumas vezes, sem causar ou se envolver em nenhum acidente, finalmente nosso mecânico e seu carro maluco pararam entre um morro e outro. Ufa! Que susto! Os diagnósticos de tudo o que aconteceu foram feitos posteriormente depois que nosso amigo mecânico desmontou o que havia quebrado no carrinho e concluiu o que tinha acontecido. Culpados? Não dá para acusar ninguém. O projeto do carro, sua idade e a situação crítica de uso no caso da ladeira podem ser apontados como motivos.

O carro já era velho, o projeto tinha falhas e o uso era exigente naquele momento: deu no que deu (Foto: Petr Jezek/Devian Art)

A avenida onde ocorreu o fato, depois de muitos acidentes, foi devidamente sinalizada e limites de velocidade acabaram com aquele jeitinho de embalar na descida para ganhar tranquilidade na subida. Hoje, nem mesmo caminhões podem andar nela, tudo para evitar transtornos ou mesmo acidentes. Por isso o melhor é respeitar as sinalizações, pois, dessa forma, o risco de nos envolvermos em um acidente diminui bastante. Ah, e lembrar de fazer as manutenções no carro para não acontecer situações como a do Joãozinho e seu Skoda. 

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.