Ford Del Rey: o substituto do Landau em tempos de crise
O Ford Corcel surgiu em 1968 com 4 portas e um estilo tipicamente francês. Projetado pela Willys Overland do Brasil, em parceria com a Renault, foi o primeiro projeto da Ford Nacional, que comprou a Willys em 1967. Desenvolvido sob o codinome “M”, ele se assemelhava ao Renault 12, mas com pouquíssimas alterações, dando apenas um pouco mais de identidade Ford ao Renault. O curioso é que as primeiras unidades do Corcel usavam o enorme volante do Aero Willys e tinha logos da Willys nos vidros.
Em 1970 foi apresentado a versão station do Corcel, chamada de Ford Belina. Considerado moderno para seu tempo, teve grande sucesso, e concorria diretamente com o VW Variant. Nas versões Standart e Luxo Especial, os modelos traziam motor 1.3 de 68 cv de potência SAE a 5200 rpm (aproximadamente 57 cv ABNT) com 9,8 kgfm de torque a 3200 rpm, capaz de levar o cupê de 0 a 100 km/h em 21 segundos e a station em 24 segundos. A velocidade máxima era de 141 e 129 km/h na ordem, números respeitáveis àquela época.
Acompanhando o mercado, em 1973 os modelos Ford Corcel Cupê, Sedan e Belina receberam nova frente e um motor mais possante. Agora 1.4, tinham 75 cv SAE a 5400 rpm (aproximadamente 63cv ABNT) com 11,6 kgfm a 3600 rpm. Mais bonitos e com as mesmas boas médias de consumo, Corcel e Belina aumentaram ainda mais suas participações no mercado nacional.
Em 1977, como modelo 1978, a Ford apresentou a sua segunda geração da linha Corcel, intitulados Corcel II e Belina II, ambos com muito mais espaço interno e design bastante moderno à época, mesmo utilizando a velha plataforma de 1968. Viraram os queridinhos das famílias e eram vistos com frequência nas garagens dos bairros de classe média e alta. Ao mesmo tempo, o modelo 4 portas era descontinuado, pois a Ford começava o projeto “Ômega”, que viria a ser o Del Rey, apresentado anos depois.
Em 1981 era lançado o representante mais sofisticado da linha, o sedan Ford Del Rey, que usava a mesma plataforma e mecânica do Corcel, porém com melhor acabamento e mais equipamentos. O modelo era voltado para o segmento de carros de luxo, então comandado por GM Opala Comodoro e Diplomata. Além de concorrer com os Chevrolet, o Del Rey viria a substituir também o Ford Galaxie LTD, e dois anos depois, o Ford Landau, ainda que não fosse tão grande quanto eles.
Vendido das versões Standart e Ouro com duas ou quatro portas, tinha acabamento primoroso desde a mais simples, além de equipamentos então inéditos na categoria, como o teto solar. O novo Ford era de fato luxuoso. A mecânica, vinda do Corcel assim como a plataforma, não escondia segredos: motor 1.6 (evolução do 1.4), de 76,8 cv ABNT a 4800 rpm (90 cv SAE) com 12,2 kgfm de torque a 2800 rpm a etanol, ou 70,6 cv ABNT a 5000 rpm e 11 kgfm de torque a 3000 rpm a gasolina. Nas duas variantes, o foco era o baixo consumo de combustível, algo bem-quisto à ocasião.
O público do Ford de luxo era exigente, por isso nele não faltavam requintes: console no teto com relógio digital e cronômetro, rodas de liga-leve, vidros verdes, vidros elétricos com comandos individuais nas portas e comando central, travas elétricas, travas de segurança para crianças nas portas traseiras, retrovisores com comando interno manual, faróis de neblina, desembaçador traseiro, cintos de segurança dianteiros retráteis, luzes de leitura, ar-condicionado, teto-solar, além de uma forração em veludo digna das melhores poltronas de teatro. Isso sem falar em um ótimo sistema de som com rádio AM/FM e toca-fitas com 4 alto-falantes. É claro que estes detalhes eram da versão Ouro, mais cara e completa.
Seu painel tinha um charme a parte, com iluminação indireta e todas as informações que um bom motorista precisava ter, como velocímetro com hodômetro parcial e marcação até 999.999 km, conta-giros, marcador de combustível, termômetro do motor, voltímetro e manômetro do óleo. E para ajudar, mais 8 luzes-espia em fileira, e entre elas, uma que indicava se havia portas abertas. Ainda que o volante tivesse dois raios, a peça era de boa empunhadura, e a alavanca de câmbio (que podia ter 4 ou 5 marchas) estava bem posicionada.
Para a linha 1983, seguindo a oferta da Chevrolet para com os Opala, o Del Rey recebia o ótimo câmbio automático de 3 velocidades fornecido pela Renault, bastante eficiente e com trocas de marcha suaves. As perdas de desempenho e consumo eram mínimas, o que agradou em cheio o público a quem se destinava. Nesta época, a mídia especializada o caracterizava como um “Mini Landau”. Em meados de 83, para completar, chegava a Scala, uma perua baseada na Belina e com todos os requintes do Del Rey. Um luxo!
Com a chegada do Escort, também no mesmo ano, foi lançado o motor CHT, uma evolução dos Cléon-Fonte do Corcel e Del Rey. O novo propulsor tinha melhor rendimento e maior torque em baixa rotação, graças a modificações no comando de válvulas, pistões, bloco e cabeçote (novos). Assim, a engenharia da Ford conseguiu extrair uma curva de torque bem mais plana, privilegiando seu funcionamento em baixas rotações, e tornando-se assim referência em economia de combustível por quase uma década.
Contendo 1,6 litro, a versão a etanol tinha 73 cv de potência a 5.200 rpm e 11,9 kgfm de torque a 3.600 rpm. Com ele, o Del Rey, em testes da imprensa especializada da época, pôde acelerar de 0 a 100 km/h em 17s2, atingindo de máxima os 153,714 km/h. O que impressionou foi seu consumo: 7,9 km/l no circuito urbano e 14,1 km/l no rodoviário, com velocidade média de 80 km/h. A 100km/h, ainda registrava excelentes 12,3 km/l. Para modelos de luxo, eram números pra lá de bons, ainda mais se comparados aos dos antigos LTD e Landau.
Em 1985, a Ford fez algumas mudanças no modelo, com nova frente, seguindo o visual do Corcel, com grade que privilegiava a aerodinâmica e um spoiler que servia de moldura para os faróis de neblina. O modelo passou a contar com outras nomenclaturas nas versões existentes, além de uma nova versão. O Standart virava o GL, o Ouro agora se chamava Ghia, e nascia a intermediária GLX, muito bem aceita pelo mercado. A topo de linha perdia o requinte das rodas de liga leve, mas o aro aumentava para 14 polegadas. Como curiosidade, Del Rey e Scala foram os primeiros carros nacionais não esportivos a utilizar pneus de perfil 60.
Para 1987, além de novas cores e retrovisores elétricos para a topo de linha Ghia, chegava a versão L, substituta do Corcel, descontinuado um ano antes. A Belina agora fazia parte da família Del Rey, já que a Scala também fora descontinuada. Ponto fora da curva, a Belina Del Rey 4×4, curiosa herança da Belina-Corcel, sobreviveu por mais algum meses, mas logo também foi descontinuada.
Em 1989, como frutos da Autolatina, chegavam os Del Rey e Belina 1.8, com o motor AP-1800 de origem VW. Tendo a maior potência de fábrica em sua carreira, com etanol a dupla rendia 93 cv a 5200 rpm (87 cv a gasolina), com 15,5 kgfm de torque a 2800 rpm (14,8 kgfm a gasolina), capazes de levar os confortáveis Ford de 0 a 100 km/h em 13,9 segundos (14,8 segundos com gasolina), chegando nos 156 km/h de velocidade máxima (154 km/h com gasolina). Neste ano, as rodas de liga-leve voltavam a ser disponibilizadas na versão Ghia, deixando-a ainda mais requintada visualmente.
Antigos, usando a mesma plataforma do Corcel 1968 e já sentindo as limitações técnicas dos projetos ultrapassados, os Ford eram vistos como carros de senhores, e sofriam quedas nas vendas. A Autolatina sabia disso, e, sem perder tempo, já preparou o Versailles, um VW Santana 2 portas da Ford, bem como a Royale, irmã rebatizada da VW Quantum, como sucessores de Del Rey e Belina, respectivamente, em 1991. Mesmo sendo produtos de luxo, a dupla da Ford acumulou bons números de vendas: o Del Rey, por exemplo, teve cerca de 350 mil unidades produzidas em seus 10 anos de vida.