Frio de rachar, parabrisas congelou e fiquei sem rumo!

Esse fato, incomum para nós brasileiros, ocorreu em meados dos anos 90 e deu o que falar. Eu estava em uma viagem de trabalho, lá pelas bandas do Grand Canyon, nos Estados Unidos. Naquela época, a Renault estava apresentando, de maneira inusitada, a nova versão de sua mundialmente famosa Renault Espace, que foi uma das primeiras vans mundiais e que difundia esse conceito de carro familiar por todo o mundo. Apesar de nunca ter sido vendida nos EUA, lá foi o local para mostrar a novidade à imprensa mundial.

Nos EUA…

A Nova Espace era mostrada nos EUA, na região do Grand Canyon (Foto: Renault/divulgação)

Viajamos à terra do “Tio Sam” em um grupo pequeno de jornalistas: éramos quatro profissionais das principais revistas especializadas e a assessora de imprensa da Renault. E o evento de lançamento para os profissionais da América latina, assim como do restante do mundo, seria feito na região do Grand Canyon, onde, inclusive, sabíamos que teríamos um excelente pano de fundo para realizarmos as tão sonhadas e perfeitas fotos do carro.

Depois do primeiro contato com a nova van da Renault e as explicações de como era fabricado o novo produto, com detalhes construtivos e da mecânica apurada do novo familiar, tivemos um teste drive para sentir ao vivo e a cores a dinâmica do novo carro. Show!

Cenário espetacular

Naquela noite, ficamos hospedados em um bom e confortável hotel da região e a Renault disponibilizou para os profissionais brasileiros dois carros, que ficaram sob a nossa guarda. Combinamos todos que no dia seguinte, antes mesmo do dia nascer, nos dirigiríamos a um ponto conhecido que era uma espécie de um mirante onde, ao fundo, descortinava-se a imagem linda de um ponto do Grand Canyon – quando o dia amanhecia, nos explicaram no hotel, a luz solar iluminava aquele desfiladeiro lindo ao fundo.

Estava fechado, nossas fotos maravilhosas seriam feitas lá! Nos preocupamos em dar uma boa limpada superficial nos carros para deixá-los prontinhos para a nossa partida às 5 horas da manhã, pois havíamos sido informados que o sol nasceria por volta das 6 horas. Como estávamos a cerca de meia hora do tal mirante, pensamos em meia hora de folga para posicionar os astros para a foto de nossas edições.

Região era linda, e perfeita para as fotos do carro (Foto: reprodução/Travel in USA)

Como combinado, no dia seguinte, às 4 da manhã todos estavam de pé para que pudéssemos sair pontualmente às 5h, como estava combinado. Só não sabíamos de um detalhe: um pouco antes do dia amanhecer, a temperatura ambiente girava ao redor de 0°C e, depois das 10 ou 11 da manhã, quando o sol estaria alto, tudo voltaria ao normal, na casa dos 18°C ou 20°C.

Aparentemente, isso era apenas um pequeno detalhe. Mas, descobri depois, que o detalhe não era tão pequeno assim quanto eu fazia crer. Depois do café da manhã, partimos às 5, a assessora de imprensa da Renault e os dois profissionais de jornalismo iam no carro da frente e eu os acompanhava atrás com a minha amiga jornalista Priscila Cortezze, na época fazendo seu trabalho para os leitores da Revista Carro, enquanto eu, Douglas Mendonça, realizava o trabalho para os meus leitores da revista Motor Show. Hoje Priscila é diretora global de comunicação corporativa do Grupo Volkswagen.

A estrada era de pista única e mão dupla, repleta de aclives, declives e curvas, mas bem ao estilo norte-americano, bem-sinalizada e pintada, o que auxiliava o ato de dirigir, em que pese a leve névoa decorrente do frio. Outro ponto que incomodava nessa estrada era o excesso de árvores ao lado da pista ao longo de todo o trajeto. Um caminho que não permitia erros e requeria muita atenção de quem dirigia. Continuei trafegando nessa estrada e andávamos sempre em velocidades que giravam ao redor dos 60 ou 70 km/h. Exatamente o que indicavam as placas de sinalização.

Péssima ideia…

Péssima ideia: a água do lavador se espalhou e congelou! (Foto: reprodução/Freepik)

Nesse instante, tive o meu momento infeliz: achei que acionando o lavador do vidro dianteiro, poderia ter melhorada a minha visibilidade no enorme para-brisa da Renault Espace. Só esqueci de um pequeno, mas enorme detalhe: a temperatura exterior estava um pouco abaixo de 0°C e todos sabemos que nessa situação a água congela imediatamente.

Foi algo instantâneo: com o lavador esguichando a água, ela imediatamente congelava. Pra completar, o limpador de para-brisa ainda espalhava a água antes de congelar. Em poucos segundos, o para brisa dianteiro do carro transformou-se em uma placa de gelo, que não permitia visão de sequer um dedo adiante. Uma catástrofe!

Instantaneamente entrei em pânico, pois perdi a visão do caminho que deveria trilhar. E a estrada, onde estava? E as árvores que eu tanto respeitava, pra que lado ficavam? Instintivamente tirei o pé do acelerador e em um movimento contínuo acionei a abertura elétrica do meu vidro e como um velho e bom maquinista de trem, coloquei a cabeça para fora para saber onde estava e para onde deveria ir.

Encostei o carro, raspei o gelo e avisei meus colegas: pra nunca mais repetir (Foto: Renault/divulgação)

Nem é preciso dizer que o vento frio parecia cortar a pele do meu rosto e que minha amiga Priscila entrou em um verdadeiro clima de horror, mas tudo sob controle. Pisquei insistentemente os faróis do meu carro para chamar a atenção dos colegas que iam a frente, liguei a seta para a direita e encostei. Os demais fizeram o mesmo. Consegui parar o carro com segurança, raspar um pouco o vidro para eu poder enxergar o suficiente pra continuar, e, claro, avisei meus companheiros de test-drive pra não cometerem o mesmo erro. Dentre mortos e feridos, escaparam todos.

Todos realizamos nossas matérias e fizemos aquelas fotos ótimas, que os nossos leitores desfrutaram e curtiram. Erro que, depois da lição, jamais cometerei novamente. Que sirva para os desatentos.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.