Motor diesel: “sujo como um porco, forte como um touro e delicado como uma moça”


Depois de um longo e tenebroso uso de uma tala na mão esquerda, que me impediu de digitar, retomo minha rotina de publicações.
Já há algum tempo que venho notando que a distância em torque em baixa rotação, que sempre separou os motores diesel dos de ciclo Otto, vem diminuindo. É fruto da disseminação dos turbo-carregadores e dos sistemas de injeção. Enquanto os primeiros eliminam a perda por bombeamento e aumentam a massa de ar admitida pelo cilindro, o segundo, aliado à ignição mapeada, permite que a taxa de compressão suba, aumentando a eficiência térmica do conjunto.

Ao mesmo tempo, os sistemas eletrônicos de injeção, do tipo common rail, adotados pelos motores de ciclo Diesel, que já contam com turbo-carregadores como dispositivo quase obrigatório há anos, são mapeados como a ignição dos motores de ciclo Otto, permitindo taxa de compressão mais baixa, aumentando sua suavidade e elasticidade.
Esses sistemas ainda permitem múltiplas injeções, o que faz com que o pistão continue empurrando até o fim do curso. Motores de ambos ciclos passaram a contar com comando de válvulas variável, seja em ângulo de permanência, seja em ângulo de abertura, ou mesmo de amplitude de deslocamento. O fato é que, tecnologicamente, ambos estão atingindo o máximo refinamento que sua natureza permite.

Não é de se espantar que o resultado, seja em desempenho, seja em consumo, se aproxime, porém, com limitações. Prova disso é que o motor flex GSE de 1,33 litro turbo-carregado da Stellantis que equipa os carros da linha Jeep e Fiat no Brasil, com seus 27 mkgf de torque, equipara-se ao Engine Turbodiesel de 2 litros usado pelos carros da Land Rover com seus 43 mkgf, ou seja, algo como 21 mkgf/l.

Mais interessante é verificar que o primeiro chega ao valor anunciado pelo fabricante a 1.750 rpm, enquanto o segundo chega lá a 1.500 rpm. A grande diferença continua sendo a rotação de potência máxima, geralmente, em torno de 6.000 rpm nos motores de ciclo Otto, contra 3.500 rpm nos de ciclo diesel, o que confere mais elasticidade aos primeiros, sendo a maior limitação dos segundos.
Nem mesmo essa diferença de elasticidade chega a incomodar porque as transmissões automáticas têm cada vez mais marchas, não sendo incomum encontrarem-se caixas com dez delas, o que permite compartilhá-las entre motores dos dois ciclos, como tem feito a Ford (Transit turbodiesel automática e Ford Mustang V8 usam o mesmo câmbio, por exemplo).

Ainda falando nos Ford: frutos de dois projetos modernos, há o 2.0 16 válvulas turbodiesel da linha Transit e o 2.0 16 válvulas turbo a gasolina de Bronco e Maverick. O primeiro, com common rail e turbina de geometria variável, tem hoje 170 cv a 3.500 rotações e 39,7 mkgf de torque a 1.750 rotações. Já o segundo, turbo de injeção direta de gasolina e duplo comando de válvulas com variadores de fase, consegue potência bem superior, de 253 cv as 6.500 rpm, com torque próximo ao do turbodiesel: 38,7 mkgf a 3.000 rpm.
Também a robustez não é significativamente maior nos motores Diesel graças à necessidade de resistir ao torque que os motores de ciclo Otto passaram a ter. Isso redunda em aproximação em durabilidade e peso, visto que ambos usam bloco e cabeçote de alumínio, algo incomum para os Diesel no passado.
A grande vantagem do consumo já não é importante, ao passo que produzir óleo diesel limpo está cada vez mais custoso. Retirar o enxofre do combustível requer processo caro às refinarias que, ao serem privatizadas, passaram a cobrar seu valor sem subsídios, tornando o preço do produto até mais alto que o da gasolina. Esta última, ao ser misturada ao álcool, pode deixar de usar derivados de chumbo como antidetonante, aumentando a octanagem, enquanto o custo cai.

As limitações redundam em diferença significativa de custo de manutenção. Os motores de ciclo diesel tendem a emitir muito mais óxido de nitrogênio, obrigado o uso do ARLA 32. Além disso, o processo de queima do material particulado obriga o tráfego de, pelo menos, 50 km em velocidade constante para atingir os 450°C que tornam o filtro eficiente. Não se adotando essa prática, corre-se o risco de entupir o conjunto, o que sai bem caro. Há também a diferença de preço dos filtros.
Interessante é que, na Europa e Argentina ainda se consomem muito mais automóveis de passeio de ciclo Diesel, apesar da significativa diferença de preço, que pode chegar facilmente aos R$30 mil (ou ir bem além disso). A redução da diferença de consumo, bem como a elevação do custo do óleo diesel fazem com que sejam precisos muito mais quilômetros rodados para que se recupere a diferença de desembolso inicial. A questão é que comprar carros de passeio, ou mesmo utilitários que jamais são usados como tal, com motores a diesel, não se parece justificar em lugar algum do mundo.

Tudo indica que sejam os motores desse ciclo e baixo deslocamento os primeiros a serem substituídos por veículos elétricos ou eletrificados. Para uso pesado, no entanto, seu uso vai perdurar, visto que esses motores são inigualáveis para grandes cilindradas e uso constante. Nesses casos, continua a valer a máxima que, ainda criança, ouvia na oficina da empresa em que meu pai trabalhava: motores diesel são sujos como um porco, fortes como um touro e delicados como uma moça.