Foto de capa: reprodução/Agência Brasil
Inúmeros foram os motivos para a Alemanha perder a II Guerra Mundial, a começar por ela ser mundial, é claro. O segundo motivo foi o fato de que ela não tinha petróleo e operava a partir do combustível sintético, cujo processo envolvia, como primeiro passo, a transformação do carvão em metano via adição de água. O segundo passo era submeter o metano a alta temperatura e pressão para obter o exano, que é o principal hidrocarboneto da gasolina. Isso limitava os blindados a serem movidos por motores do ciclo Otto, assim como os americanos, enquanto os russos usavam o diesel, muito menos inflamável e mais termicamente eficiente que a gasolina.

Na verdade, plásticos, borrachas e lubrificantes também faziam parte de um conjunto de indústria química invejável pelo resto do mundo. Ocorre que o petróleo oferecia tudo advindo de uma só fonte, bastando refinar com custo muito menor. Por mais que a química alemã estivesse décadas à frente da do resto do mundo, não dava conta do consumo oriundo da manutenção de uma guerra que já durava anos. Foi essa sede por petróleo que levou a Alemanha a se aliar com a Romênia e a atacar a União Soviética.

Os aliados demoraram para entender isso e descobriram por acidente. É que os aeronautas que faziam pousos de emergência na Suíça e na Suécia, ambos países neutros, eram extremamente maltratados no primeiro e muito bem tratados no segundo. É que a Suíça dependia do carvão alemão para o aquecimento, o que se pagava com munição enviada por baixo dos panos. Ademais, era para lá que os nazistas destinavam ouro e obras de arte roubadas, valores que nunca foram devolvidos a seus donos depois da guerra. A Suécia também comerciava com a Alemanha, especialmente aço e minério de ferro, mas não dependia desse comércio para se aquecer.

Foi quando a inteligência aliada entendeu que deveria cortar o fornecimento de carvão às fabricas de combustíveis, geralmente subterrâneas e imunes aos bombardeios. Sem carvão, sem tanques andando pela terra e aviões voando pelo céu, aniquila-se o esforço de guerra. A partir daquele momento, os entroncamentos ferroviários se tornaram os principais alvos de ataque. Essa estratégia destruiu também as cidades em que eles se encontravam, matando milhões de civis.

Hoje, isso seria crime de guerra, mas a estratégia mostrou que trens somente são adequados para tempos de paz, quando se tem uma perspectiva de que amanhã as linhas estarão no mesmo lugar em que as deixamos hoje. Os caminhões, ao contrário, com menor ou maior dificuldade, circulam por qualquer lugar. Em resumo, em termos logísticos, segundo Donald L. Miller em seu livro Mestres do Ar de 1989, a guerra foi ganha pelos aliados porque os Estados Unidos eram movidos a petróleo e a Alemanha, a carvão. Mais que isso, a produção americana fornecia todo o petróleo de que todos os aliados pudessem precisar, mesmo que os ingleses dominassem os campos do sudoeste asiático, cujo transporte só se retomou com a vitória na África.

A II Guerra demonstrou que manter capacidade de refino maior do que consumo interno de petróleo é essencial para a manutenção da soberania nacional. É assunto que não se pode tratar ideologicamente, mas estrategicamente. Embora tradicionalmente o Brasil não carregue contencioso com país algum do mundo, nada garante que não haja no futuro. Antes de 2016, entendia-se isso, tanto que, em 2013, chegou-se a refinar 101,5% do petróleo consumido, ou seja, o Brasil prestou serviço de refino ao estrangeiro.

De lá até 2022, o refino só fez cair, tornando o Brasil num importador de combustíveis e exportador de óleo cru. Resumindo, não temos estoque de combustíveis para sustentar o esforço de guerra por mais de quinze dias e o resto do mundo sabe dessa vulnerabilidade. A paz interna é função direta da capacidade de dissuasão que pode se apresentar por cifrões: “Quanto custa chamar para a briga?”. Nossa maior arma deve ser a autossuficiência, não a bomba atômica.

Vale o ditado dizendo que “quem quer a paz precisa estar pronto para a guerra”, que não necessariamente se faz com armas e destruição direta, mas com bloqueios comerciais e restrições ao acesso de matérias-primas. Hoje, o corte de fornecimento de combustíveis ao Brasil seria catastrófico e continuará sendo até que retomemos a capacidade de refino, que foi perdida por quem não consegue entender o papel de seu próprio país no cenário mundial.
Só resta parafrasear Albert Speer, ministro do armamento de Hitler conversando com o Führer, “Sem combustíveis, não se fazem guerras”, mesmo que somente comerciais.
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