Os meandros da logística e a “uberização” do frete (Parte V, final)

Em 2017, em outro espaço, foi publicada uma matéria em que se discutia a gênese da Uber e o que se passou a conhecer como uberização. Já havia empresas que usavam a internet para contratação de transporte pessoal, porém, dentro do sistema de permissão de serviço público, como é o caso dos táxis. Já havia também empresas que faziam pequenas entregas, como de comida e medicamentos, usando motocicletas.

Já haviam as empresas que, através de motocicletas, faziam entrega de alimentos ou medicamentos (Foto: iFood/divulgação)

Não demorou muito para que, dado à semelhança tecnológica, bem como ao domínio generalizado das ferramentas de acesso à internet, as empresas invadissem o espaço umas das outras. Tornaram-se gigantes e os conflitos com os permissionários mais que pacificou-se, criou-se uma simbiose. Hoje é possível chamar um carro por aplicativo e ver chegar um táxi. O modelo de permissão e de concessão para o transporte individual simplesmente ruiu.

Hoje já é possível pedir um carro via aplicativo e chegar um táxi, literalmente (Foto: divulgação/Prefeitura do Rio)

Ao mesmo tempo, o transporte de carga, como visto na primeira matéria desta série, transformou-se em agenciamento de carga, reduzindo significativamente o número de empresas transportadoras com frota própria. Ao mesmo tempo, como mencionado pelos capítulos posteriores (leia aqui, aqui e aqui), há uma tendência da padronização da frota nacional a partir das plataformas, seja em carretas, seja em caminhões.

Jamais deixará de existir o transporte especializado, mas vai operar como mercado de nicho, enquanto o número de itens passíveis de padronização continuará crescente a taxas decrescentes, até estabilizar a frota rodoviária. Isso cria uma oportunidade ímpar para as atuais gigantes do transporte por aplicativo abocanhem também o transporte de cargas, num modelo muito semelhante ao destinado às pessoas e às pequenas coisas.

Surge a oportunidade das grandes de transportes por aplicativo passarem a oferecer também serviços com caminhões, por exemplo (Foto: Mercedes-Benz/divulgação)

Algo, porém, não muda como ameaça: o atendimento aos profissionais, seja na previdência social, seja no amparo a si e às suas famílias em caso de cessação da prestação dos serviços.

É então que se abre o espaço para que o Estado assuma papel importante como concorrente da iniciativa privada compartilhando o mercado com os empresários dos aplicativos. Estes últimos terão de mudar a forma de ver seus filiados, passando da exploração à colaboração. Algumas cidades no interior de São Paulo, Araraquara e Araras, já partiram para isso. As prefeituras já oferecem o mesmo serviço que as principais empresas do ramo. Um problema não se resolveu pelo uso das prefeituras, a municipalização, num ambiente de metropolização, limita demais o mercado dos operadores.

Bibi Mob: o “Uber” da prefeitura de Araraquara (Foto: divulgação/Prefeitura de Araraquara)

No interior de estados como os do Sul e do Sudeste, onde as cidades distam, em média, 20 km umas das outras, é comum uma pessoa ir almoçar em outra cidade, ou buscar atendimento médico noutra maior, que se tornou a metrópole da região. Essa metropolização atinge também os transportes por aplicativo, pois uma pessoa em Itirapina poderá ser atendida por um motorista de Sta. Gertrudes, de S. Carlos ou de Corumbataí, por exemplo.

A melhor solução parece ser a prestação desse serviço por um órgão federal que agregue, a um só tempo, os transportes de pessoas, de pequenas coisas e de cargas em caminhões ou carretas-plataforma. Assim, qualquer profissional pode atender em qualquer ponto do país sem restrição. A taxa pode ser – digamos – de 15% a serem distribuídos: 5% para a previdência social, garantindo a aposentadoria do profissional; 5% para um seguro contra lucros cessantes, tal que o profissional não perca renda em caso de acidente ou doença, e 5% para a manutenção do sistema.

Dessa forma, o prestador mantém as garantias sociais mínimas sem ter que se tornar um empregado e, mais do que isso, reduzindo significativamente o dispêndio com o intermediário. Não se trata de estatização, pois a empresa ou empresas que mantém o sistema podem ser privadas e, indubitavelmente, 5% sobre uma parcela tão grande da logística nacional há de ser um valor bastante significativo.

O profissional, nesses casos, também sairia ganhando com uma parcela das taxas destinada à previdência social e outra para um seguro contra lucros cessantes (Foto: Uber/divulgação)

Esse órgão, assim como as empresas que mantêm o sistema, prestam serviços a quem contrata o frete e a quem transporta, numa relação de parceria, não de subordinação. Não se trata do estado abarcando para si um setor lucrativo, porém, o Estado cumprindo o seu papel de prestação de serviços ao contribuinte.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.