Os meandros da logística e a “uberização” do frete (Parte II)

Foi no agronegócio que a logística de grande porte mais se desenvolveu no Brasil. Não que se deixem de transportar turbinas e outros componentes gigantescos por nossas estradas, muitas vezes, atravessando cidades, cuja infraestrutura precisa ser temporariamente modificada para suportar a travessia.

Ocorre que empreitadas assim são esporádicas. O agronegócio movimenta volumes inimagináveis todos os anos e isso faz parte de sua rotina. Só de cana de açúcar, transportamos mais de 600 milhões de toneladas ao ano, chegando a 700 milhões de toneladas em alguns anos, o que fica entre 20% e 40% mais que toda a produção de grãos dos Estados Unidos. Considerando tudo o que se leva de um ponto a outro no agronegócio, sem contar os combustíveis, superam-se facilmente os três bilhões de toneladas ao ano. Resumindo, é coisa de gente grande, por menos que o brasileiro tenha consciência.

Só de cana de açucar, transportamos até 700 milhões de toneladas por ano (Foto: DAF/divulgação)

O frete se divide entre antes, dentro e depois da porteira. Antes da porteira, encontram-se os insumos, que incluem os adubos e fertilizantes, os corretores de solo, as sementes e os defensivos, todos com suas especificidades, obrigando o uso de veículos apropriados.

O calcário, por exemplo, requer carretas basculantes, que permitem a entrega na área a ser plantada, durante o preparo de solo. Já o transporte de defensivos usa carretas baú, contendo produtos de alta periculosidade acondicionadas em bombonas de múltiplas camadas de diferentes polímeros, obrigando à logística reversa. Dentro da porteira fica o frete dos insumos desde os estoques até a lavoura, a movimentação de máquinas e implementos em carretas-plataforma, assim como o transporte da colheita da lavoura ao benefício. Depois da porteira é o frete da fazenda até os armazéns e deles aos portos ou às indústrias. Aí entram as carretas graneleiras em todas as conformações (romeu e julieta, treminhão e bitrem), cuja estrutura não impede as perdas, especialmente, no caso do açúcar, cujo inimigo maior é a umidade.

Aí entram os caminhões graneleiros, com estrutura que não impede perdas de algumas cargas (Foto: Random/divulgação)

Exceto o transporte dentro da porteira, no que tange ao fornecimento de insumos à lavoura, bem como a movimentação de máquinas e implementos, além de combustíveis, todo o resto é contratado a caminhoneiros autônomos. Como a agropecuária é extremamente sazonal, a frota mais específica precisa rodar o Brasil todo para maximizar o seu uso, na maior parte do tempo, rodando em condições muito adversas. Essa é uma tarefa árdua e de resultado extremamente discutível.

Dentro da porteira, contando com frota própria, a sazonalidade obriga o uso de múltiplas carrocerias a serem aparafusadas ao chassis do caminhão. Exemplos disso são as carrocerias do tipo casinha, que levam pessoas e ferramentas para o campo, e as borracharias e oficinas volantes. Até mesmo carrocerias-restaurante pra levar refeições até onde o trabalho está acontecendo. Nesses casos, as carrocerias ficam sobre suportes quando não usadas, tal que basta pôr chassis por baixo, aparafusar e sair rodando.

As carrocerias tipo casinha levam trabalhadores e ferramentas (Foto: reprodução/Real Furgões)

Com frota de terceiros faz-se o transporte de grãos das colhedeiras até o secador, ou seja, esses caminhões acompanham as colhedeiras e, na medida em que suas caixas se enchem, o conteúdo é derrubado nas carrocerias graneleiras para serem levadas ao secador.

Em geral, o frete antes da porteira é contratado pelo fornecedor e segue as mesmas regras seguem o que se viu na matéria anterior. A grande exceção é o calcário, cujo frete custa mais do que a mercadoria, podendo-se contratar o caminhoneiro separadamente, posto que, ao contrário dos outros insumos, este é entregue diretamente na área de plantio. Por causa disso, o caminhoneiro tem acesso a locais negados a quem é de fora.

Uma das opções mais viáveis e modernas para o transporte desse tipo de carga são os containers com bulkliners (Foto: reprodução/Superbag LDA)

A grande revolução logística mundialmente em curso á a substituição do transporte a granel pelo embalado, seja em big bags, seja em container forrado com bulkliner. Os primeiros servem mormente para insumos, enquanto os segundos dedicam-se mais à movimentação de produtos agrícolas. Os big bags costumam ter duas alças para que possam ser levados por empilhadeiras ou tratores com garfos. Pesam ao redor de uma tonelada e possuem uma válvula no fundo para que se possa controlar a descarga. Bulkliner é uma cobertura de tecido impregnado por polímero, preso aos olhais do container, impedindo o vazamento dos grãos.

Ambas embalagens ampliam o uso de carretas-plataforma, racionalizando o uso da frota, inclusive, permitindo que se usem aplicativos como visto na matéria anterior. Essa revolução é mundial porque aproveita com grãos os espaços vazios de navios porta-container racionalizando a logística até seu destino, seja ele em que parte do mundo for.

A cana de açúcar merece um capítulo à parte.

Compartilhar:
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.