É Hora de Falar de Petróleo (Parte 1/3)

Quando estava no mestrado, tive um colega que era diretor de jornalismo na Fundação Anchieta, que controla a TV Cultura de São Paulo. Ele comentou que, antes de estudar Economia, escrevia sobre o assunto com a maior desenvoltura e a menor responsabilidade.

Quando começou a estudar o assunto, sentiu-se constrangido, pois não queria correr o risco de falar bobagens e ser execrado pelos seus pares. O mesmo acontece comigo ao falar de petróleo. Antes de me enfronhar no assunto, era muito fácil escrever sobre ele. Já há alguns anos que vejo a coisa com mais profundidade e, quanto mais eu pesquiso, mais difícil fica fazer qualquer comentário. Por outro lado, não dá para me furtar a escrever sobre o preço dos combustíveis, que está no olho do furacão.

Não dá para comentar apenas sobre os preços dos combustíveis: existe muita coisa por trás dele (Foto: Diego Vara/Reuters)

Em outro espaço, escrevi sobre a decadência do refino nacional de petróleo que veio com a chegada de Temer e Bolsonaro ao poder. Sugiro que retomemos alguns pontos. Absolutamente todos os produtores mundiais de petróleo são exportadores e importadores, pois as refinarias são projetadas consoante o tipo de petróleo das jazidas locais e quanto de cada derivado o país precisa.

Quando se fala sobre de quais derivados o país precisa, levam-se em conta os meios de transporte mais usados, as fontes de energia elétrica, as atividades econômicas preponderantes, o nível de motorização e o tamanho da frota, o grau de industrialização, entre inúmeras outras variáveis.

Tipos de transportes públicos e tamanho da frota fazem toda a diferença na hora de quais derivados do petróleo o país precisa (Foto: reprodução/viatrolebus.com.br)

Mesmo assim, país algum é capaz de ser autossuficiente do poço ao posto. Justamente por ser infinitamente mais fácil buscar a tão sonhada autossuficiência é que a Petrobras foi aberta, como empresa de capital misto, ou seja, sempre priorizando as necessidades da nação, sem deixar de lado o lucro, que é o motor do investimento.

Ocorre que os investimentos em refino são mais que portentosos, são gigantescos, em obras que tomam anos, de sorte que tudo tem que acompanhar a evolução econômica e social do país. Ao mesmo tempo, poços secam e a prospecção não para, de sorte que o tipo de petróleo com que contamos no Brasil da segunda década do século XXI não é o mesmo que extraíamos nos anos 1970, quando a exploração migrou para uns poucos poços terrestres para uma quantidade significativa extraída na plataforma continental.

Resumindo: prospecção, extração e refino são dinâmicos e a empresa tem que enxugar gelo se quiser continuar no mercado. O problema pode ser mitigado, caso a empresa assuma protagonismo no mercado mundial. Não que ele não tenha mudanças ao longo do tempo, só que elas são amortecidas pela homogeneização que a internacionalização traz. Isso explica a Petrobras extrair e transportar petróleo nos países árabes, ou na costa da África.

Navio da Petrobrás manuseando petróleo na África (Foto: Petrobrás/divulgação)

Ser a sétima maior petroleira do mundo custou um esforço inaudito do país e da Petrobras em si. Ela tem a maior concentração de mestres e doutores fora das universidades, desenvolve modelos matemáticos para aumentar a probabilidade de acertar o furo certo no lugar certo, no tempo certo.

Foi assim que se descobriu o Pré-Sal. Se não fossem os modelos criados pelos cientistas da Petrobras, nós jamais teríamos sequer sonhado com que houvesse um verdadeiro mar de petróleo seis quilômetros abaixo do solo marinho. Mais que isso: se não fossem os cientistas brasileiros, de que a população sequer tem conhecimento, nunca se teria desenvolvido a tecnologia necessária à sua exploração.

Se não fossem os modelos criados pelos cientistas da Petrobrás, jamais saberíamos da existência do Pré-Sal, por exemplo (Foto: reprodução/Picture-Alliance)

Assim como a VW comprou a Vemag e a Chrysler para tirá-las do mercado; assim como emissoras de televisão tendem a contratar os mais bem-sucedidos artistas das emissoras menores, só para pô-los na geladeira, a privatização da Petrobras só servirá para tirá-la do mercado.

É que as adquirentes tenderão a continuar explorando e refinando em seus países de origem, ou aonde for mais barato perante seu portfólio, seja de jazidas, seja de plantas de refino. O Brasil será fatalmente relegado a um segundo plano, tornando-se um importador em larga escala.

Ao mesmo tempo, por não contar com matérias-primas derivadas de petróleo, torna-se menos atraente à manufatura, acelerando ainda mais a desindustrialização, bem como inibindo o desenvolvimento científico nacional.

Privatização da Petrobrás só é defendida por quem não entende a sua magnitude (Foto: Paulo Whitaker/Reuters)

Chamar a Petrobras de monstrengo, de estorvo é mais ou menos como um filhote de cão olhando um ônibus pela primeira vez. Para ele, aquilo é um monstro que engole muitas pessoas e não intui o meio de transporte que o veículo representa. Só mesmo quem não entende a magnitude científica, tecnológica e social da Petrobras pode apoiar sua privatização.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.