Carros elétricos: vale a pena recarregar pela energia solar? (Parte III)
Leia a primeira parte da série aqui e a segunda parte aqui. Em 1987, a empresa em que eu trabalhava precisou fazer uma pesquisa sobre eletrificação rural. Numa entrevista feita na Osram, ficamos estarrecidos ao saber que, se todas as lâmpadas incandescentes fossem substituídas por outras de baixo consumo, a construção de uma hidrelétrica de grande porte como Itaipu seria desnecessária.
As lâmpadas incandescentes só foram definitivamente proibidas trinta anos depois e, por conta do crescimento da população, bem como de sua renda, muitas hidrelétricas importantes ficaram prontas. Certamente que as lâmpadas, exemplo clássico de desperdício, contribuíram muito porque são o primeiro equipamento a ser adotado quando a eletricidade irrompe barreiras geográficas.
A substituição delas por LEDs é o símbolo da conservação de energia, o que foi acompanhado pelos sistemas de controle de motores elétricos que, por sua vez, reduziram drasticamente o consumo de eletrodomésticos com os mais variados propósitos. Fazer uma instalação baseada em captação solar seria quase impossível se nossos eletrodomésticos fossem idênticos aos dos anos 1970, com seus receptores de TV à válvula e equipamentos de som com uma eficiência que não ultrapassava os 20%.
Quarenta anos atrás, o tema desta série de matérias causaria gargalhadas. Ainda bem que, graças à inteligência humana, podemos levar a sério essa discussão.
Justamente pelo descrito acima, transformar em números o que se apresentou nos capítulos anteriores foi muito difícil. É que as empresas especializadas assumem que a instalação tenha destinação doméstica somente. As calculadoras que se encontram na internet baseiam-se na conta de luz do usuário e dimensionam o equipamento com base no consumo mensal, ou seja, em kWh/mês.
Isso não faz sentido para o que queremos aqui, pois, em vez de o carro consumir algum excedente da instalação doméstica, é a casa que consumirá o que o carro não gastar. Por causa disso, todo o raciocínio que aqui se apresenta baseia-se no consumo diário, ou melhor, de um ciclo de insolação ou kWh/dia.
Como se isso não bastasse, partiu-se do princípio de que o carro jamais consumiria eletricidade oriunda da distribuidora, ou seja, 100% da energia viria da captação solar. Claro que isso é utópico porque a rede será imprescindível nas viagens ou em alguma empreitada com maior distância ou duração.
Conforme previsto no primeiro capítulo, escolhemos os Volvo C40 e XC40 por usarem o mesmo conjunto de baterias de 78 kWh. Usando as premissas do capítulo anterior, seria necessário um banco de baterias estacionárias que somassem 110 kWh para garantir o suprimento das perdas, bem como nível mínimo de energia remanescente para não danificar o conjunto.
Também com base nas mesmas premissas, seriam necessários 33 m² de captadores solares, que são vendidos em placas de 2,4 m² cada, resultando em catorze unidades. As baterias estacionárias do tipo chumbo-ácido existem com capacidade de 240 Ah da Heliar ou de 220 Ah da Moura. Usamos o preço médio na distribuidora por atacado, pois a quantidade justifica, visto que seriam necessárias trinta e oito delas.
Também como visto anteriormente, não é possível ligar o conjunto captador diretamente ao banco de baterias, sendo previsto um carregador pulsante do tipo PWM (Pulse Width Moduler) de 7 kWh e um inversor de mesma dimensão que são oferecidos em um só conjunto. Na verdade, existem bem maiores para uso residencial, chegando aos 25 kWh, absolutamente desnecessários para a empreitada.
A planilha a seguir mostra que o projeto atingiria um total de quase R$77 mil, considerando 10% para outras despesas oriundas da instalação. O resultado pareceu bastante coerente com as instalações domésticas. Uma de 500 kWh/mês, representando 1/3 do consumo estimado aqui, por exemplo, está em torno de R$22,5 mil.
Apesar de aparentemente coerente, não se trata de um orçamento mais que improvisado, somente para dar uma ideia. Ademais, um carro não chega com as baterias absolutamente descarregadas todos os dias, de sorte que o que aqui se dimensionou vai gerar um excedente capaz de abastecer uma casa de classe média alta até com algumas horas de ar-condicionado.
Em anexo, como link no final deste parágrafo, vai a planilha dinâmica de sorte que o leitor pode estimar quanto custaria a instalação para qualquer ponto, desde toda a energia para o carro vinda da distribuidora, até toda ela produzida localmente. Clique aqui para acessá-la.
O mercado de energia baseado em captação solar está crescendo tão fortemente que a capilaridade da distribuição comercial fica prejudicada. Com a redução do custo de instalação e manutenção dos sistemas offline, bem como os entraves colocados sobre os online, a relação entre a oferta nas redes comerciais e o consumo no varejo está se distanciando ano a ano.
Seria interessante que a Aneel publicasse um relatório sobre essa divergência. Isso nos daria uma estatística oficial, visto que medir isso é quase impossível a um pesquisador individual. Nesse sentido, os veículos elétricos podem representar a salvação da lavoura. Abastecê-los, num prazo não muito longo, poderá justificar a permanência das redes de distribuição no que houver de mais capilar, é claro.
20 carros elétricos mais vendidos no Brasil em 2022 (dados da ABVE)
Volvo XC40 Recharge/Recharge Plus: 1.605 unidades
Caoa-Chery iCar: 779 unidades
JAC E-JS1: 589 unidades
Volvo C40: 546 unidades
Renault Kwid E-Tech: 420 unidades
Renault Kangoo Z.E./E-Tech: 400 unidades
Audi e-tron: 396 unidades
Mini Cooper SE: 348 unidades
Nissan Leaf: 341 unidades
Citroën e-Jumpy: 243 unidades
Porsche Taycan: 233 unidades
JAC E-JS4: 211 unidades
Peugeot e-Expert: 208 unidades
Renault Zoe: 203 unidades
Fiat 500e: 195 unidades
BYD Tan EV: 170 unidades
BMW IX: 156 unidades