Carros elétricos: vale a pena recarregar pela energia solar? (Parte II)

Leia a primeira parte da série aqui. Antes mesmo de entrar no assunto desta matéria, é preciso fazer uma digressão importante. As distribuidoras de energia pressionaram e conseguiram tarifar parte da energia elétrica dos sistemas online estudados na matéria anterior. Eles alegam que o usuário vale-se da rede elétrica pelo que a distribuidora deve ser remunerada.

Isso parte de uma lógica extremamente discutível, beirando as raias do sofisma. Será que a mesma distribuidora cobra da geradora pelo uso da rede de distribuição? Ao contrário, ela paga pela energia que recebe para depois revender para os consumidores finais.

Se a distribuidora cobra da geradora o uso da rede de distribuição? Jamais, pelo contrário (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

A rigor, o fluxo negocial é exatamente o mesmo ao se adquirir o excedente de energia produzido pelas placas de fotodiodos locais, visto que as geradoras também consomem energia comercial, seja em seus escritórios, seja para movimentar seus equipamentos de manutenção da rede de alta tensão e pagam a conta como qualquer um de nós.

Assim, a atividade de varejo exercida pelas distribuidoras é sempre a mesma, independentemente de quem forneça a energia, seja uma hidrelétrica, seja uma pessoa física dotada de uma instalação online. O remédio é usar os sistemas offline, comprando da distribuidora tão somente o que não conseguir produzir. Isso altera significativamente o dimensionamento das baterias, que terão de ser muito maiores para minimizar as interrupções.

Sistema offgrid é independente, gerando e acumulando a própria energia (Foto: reprodução/NeoSolar Energia)

Se o consumidor pretender gerar energia própria para abastecer seu veículo, a coisa se agrava ainda mais. Pode-se dizer que a cobrança pelo uso da rede, como conseguiram as distribuidoras, elimina a possibilidade de os usuários de veículos elétricos escolherem sistemas online.

Supondo um sistema offline dedicado à carga de um veículo elétrico, será necessário escolher uma bateria estacionária que acumulará a energia provinda das placas fotovoltaicas durante a incidência solar. Sendo estacionária, o peso não importa, mas sim o número de ciclos de sua vida útil, a autodescarga e, principalmente, preço. Existe uma infinidade de baterias estacionárias no mercado e as mais eficientes são as chubo-acidas com liga chumbo-cálcio.

No caso do uso exclusivo para recarga de carros elétricos, a história é diferente (Foto: Lucca Mendonça)

Sua grande vantagem é a baixa autodescarga e um custo por kWh armazenado girando ao redor de um terço do de uma bateria de íons de lítio, embora perca para elas em número de ciclos.

Baterias são como banheiras furadas. Por mais que se tente usar materiais estéreis na sua construção, eles sempre serão condutivos eletricamente, de sorte que as baterias tendem a descarregar sozinhas. Isso é a autodescarga, que ocorre o tempo todo. Ora, quanto menor for a autodescarga, maior será a eficiência do conjunto. Ele precisa ser maior que a do próprio veículo, como veremos adiante.

Um dos problemas das baterias: a autodescarga, independentemente do material estéreo usado em sua construção (Foto: divulgação/Freedom)

Nenhuma bateria pode ser descarregada totalmente, sob pena de tornar-se inativa para sempre. No caso das baterias chumbo-ácidas, o ideal é que haja pelo menos 10% de carga residual. Assim, para obter-se, com segurança, 100 kWh, será preciso adquirir uma bateria de 111kWh. É ainda preciso entender para qual regime de descarga a bateria foi projetada. Uma bateria de 36 a só consegue oferecer esse montante no regime de dez hora, ou seja, extraindo-se dela 3,6 ah.

Se o consumo dobrar, ela durará menos do que cinco horas, dependendo da temperatura ambiente e dos equipamentos ligados a ela. Se o camarada usar uma bateria de 65 A e esquecer os faróis ligados, consumindo 10 Ah, provavelmente, em três horas a descarga será total. Isso ocorre independentemente do tipo de bateria, daí veículos elétricos terem vários modos de condução com variados alcances consoante o regime de descarga que será imposto.

Normalmente, as baterias estacionárias deverão ter, pelo menos, 25% a mais de capacidade que as baterias de tração do carro elétrico (Foto: divulgação/Enel X)

Supondo que o veículo deva ser carregado em oito horas, as baterias estacionárias deverão somar 25% mais do que a capacidade nominal das do veículo. Então, supondo-se um conjunto veicular de 100 kWh, precisamos de 125 kWh e, se considerarmos que 10% precisam ser reservados, o conjunto deverá ser de, aproximadamente, 140 kWh e isso servirá de base para dimensionar as placas fotovoltaicas.

Por questões de facilidade, não consideraremos que o carregador também tem perdas. É que não se podem ligar as placas fotovoltaicas diretamente às baterias. Será necessário contar com um sistema que controle pulsos de corrente com energia suficiente para provocar as reações químicas, porém, sem danificar o conjunto.

Não é possível ligar a placa, carregada de energia, à bateria do carro, por isso existe o carregador, que faz perder mais um tanto de carga (Foto: reprodução/Freepik)

As placas atuais, com pesquisa feita em três fornecedores é de, em média 3,33 kWh/dia em condições intermediárias de insolação no estado de São Paulo. As placas têm, em média 2,4 m², então, para uma demanda de 125 kWh/dia serão necessários 41,67 m² de área, ou dezessete placas de 2,4 m² cada.

Naturalmente, os cálculos acima consideram as piores condições. O carro não deve chegar com as baterias totalmente descarregadas todos os dias, mas isso pode ocorrer, o que permite que, embora tudo gire ao redor do veículo, sobre uma quantidade considerável de energia que se pode usar dentro de casa, reduzindo a conta. No próximo capítulo, poremos valores em todo o esquema e veremos se é viável ou não.

20 carros elétricos mais vendidos no Brasil em 2022 (dados da ABVE)

Volvo XC40 Recharge/Recharge Plus: 1.605 unidades

XC40 foi líder disparado de vendas de elétricos no Brasil em 2022 (Foto: Lucca Mendonça)

Caoa-Chery iCar: 779 unidades

JAC E-JS1: 589 unidades

Volvo C40: 546 unidades

Renault Kwid E-Tech: 420 unidades

Renault Kangoo Z.E./E-Tech: 400 unidades

Kangoo Z.E. mudará em 2023 e virará E-Tech (Foto: Renault/divulgação)

Audi e-tron: 396 unidades

Mini Cooper SE: 348 unidades

Nissan Leaf: 341 unidades

Citroën e-Jumpy: 243 unidades

e-Jumpy é comercial elétrico da Citroën (Foto: Citroën/divulgação)

Porsche Taycan: 233 unidades

JAC E-JS4: 211 unidades

Peugeot e-Expert: 208 unidades

Renault Zoe: 203 unidades

Fiat 500e: 195 unidades

BYD Tan EV: 170 unidades

Tan EV, que custa quase meio milhão, entrou no ranking dos vinte mais vendidos do ano (Foto: Lucca Mendonça)

BMW IX: 156 unidades

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.