O Carro, o Zeppelin e a energia limpa

Não há uma semana em que não se fale sobre o uso do hidrogênio limpo nos automóveis. Alega-se que ele pode ser um substituto da gasolina ou do etanol para os motores de ciclo Otto, ao mesmo tempo em que, como pilhas, podem gerar eletricidade capaz de carregar as baterias de um veículo elétrico. Daí popularizar-se o termo “hidrogênio verde”.

Talvez a explosão do dirigível LZ 129 Hindenburg tenha sido o primeiro acidente aéreo realmente documentado. Apesar de uma intensa discussão acerca de suas causas, o hidrogênio, que o preenchia e o fazia voar, está sempre presente. Isso se deve a dois motivos: hidrogênio possui o menor átomo que existe, sendo o mais leve elemento da Natureza, podendo passar através de qualquer outra estrutura molecular e, por ser o componente metálico do mais estável entre os compostos existentes na Terra, é extremamente inflamável.

O acidente com o LZ129 tinha sempre o hidrogênio envolvido nas suas possíveis causas (Foto: reprodução/Wikipedia)

Resumindo, o hidrogênio possui a maior densidade energética entre todos os combustíveis, aproximadamente três vezes maior que a da gasolina, mas vaza o tempo todo, sendo dificílimo armazenar, e, consequentemente, transportar. No acidente com o dirigível, independentemente da causa primária, a rapidez com que se consumiu deve-se a que sempre há uma concentração de hidrogênio ao redor do reservatório, e um balão não passa de um tanque gigantesco. Será que pode ser um substituto seguro para os combustíveis fósseis?

A rapidez da consumação do fogo no dirigível, um tanque gigantesco, se deve a concentração de hidrogênio no entorno do reservatório (Foto: reprodução/Pinterest)

Lembremos que queimar é adicionar oxigênio (um comburente), a um composto que, por falta dele, torna-se quimicamente instável (o combustível). Tecnicamente se diz que o combustível tem demanda química por oxigênio, o DQO. Os combustíveis fósseis são hidrocarbonetos. Durante a queima, se perfeita, resultam em água e dióxido de carbono.

Naturalmente, a queima do hidrogênio é água pura, e é justamente da água que é mais fácil isolar o elemento, usando um processo denominado hidrólise. Quando se usa a energia elétrica para dissociar hidrogênio e oxigênio, chama-se eletrólise. Ocorre que a água pura transmite mal a eletricidade, tornando-se necessário usar um condutor, conhecido como eletrólito. Nas baterias automotivas, é o ácido sulfúrico.

Em uma bateria automotiva, o eletrólito é o ácido sulfúrico (Foto: Lucca Mendonça)

Para que se possa considerar o hidrogênio obtido como verde, é preciso que a eletricidade usada no seu processo de obtenção venha de uma fonte limpa e, principalmente, que ele seja muito eficiente. Ocorre que, injetando-se uma corrente contínua e constante, tende-se à sobrecarga, formando bolhas no polo positivo, consequentemente, isolando o eletrodo. Isso faz com que somente 75% da energia dissocie efetivamente a água, acumulando hidrogênio no polo positivo e oxigênio no negativo.

Em 1952, descobriu-se que, se a fonte de eletricidade for pulsante, não se formam as tais bolhas e 95% da energia injetada dissocia efetivamente os elementos da água. Só que isso depende de circuitos eletrônicos que dissipam parte de sua energia em calor, reduzindo a eficiência, a partir do gerador, para 85%. Para que a energia elétrica seja limpa, ela precisará vir de fontes renováveis como o sol ou o vento. Tanto painéis solares como geradores eólicos também têm suas perdas, além de usarem eletricidade na sua produção e construção. Tudo isso vai “sujando” o hidrogênio, a ponto de afirmar ser verde não passar de fantasia.

Mas as questões acerca do hidrogênio não terminam aí. Construir um “hidrogenioduto” é algo tecnicamente impensável, pelo menos, para a tecnologia atual. Os tanques, que só fazem minimizar o vazamento, são pesados e de construção complexa. Dá para tremer só de pensar o que pode causar uma faísca num caminhão-tanque carregado de hidrogênio. Que tal imaginar um navio do tamanho de um petroleiro transportando hidrogênio puro. Quem se habilita a fazer o seguro de uma carga dessas?

Imaginem um navio como um petroleiro carregado de hidrogênio: um perigo iminente (Foto: Petrobrás/divulgação)

A contabilidade de custos ocorre posteriormente à produção. A priori, só se pode fazer uma estimativa, que não se encontrou na literatura especializada, muito menos entre os artigos científicos publicados pelas universidades. Se, quando se fala em petróleo, usa-se o termo “do poço ao posto”, para o hidrogênio, será preciso dizer “do gerador ao posto” num processo com menos passos, porém, todos eles muito caros.

É bem possível que se consigam subprodutos ou coprodutos, haja vista que empresas como a CBA (Cia. Brasileira de Álcalis, 1943 – 2006) e a Dow Chemical, hoje DowDupont, usam a eletrólise da água do mar para produzir cloro e soda cáustica, o que poderia subsidiar o preço do hidrogênio no posto, mas isso é ainda especulação. Até agora, o hidrogênio parece não ser nem verde nem economicamente viável, porém, o ser humano é engenhoso e teimoso o bastante para tornar esta matéria obsoleta. É só torcer.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.