Ford Escort: uma história de tecnologia além do seu tempo (Parte 3)

Leia a primeira parte aqui e a segunda, aqui. No Salão do Automóvel de 1992, a grande novidade da Ford era a apresentação da nova geração do Escort, a família MK5 que havia sido lançada há apenas alguns meses na Europa. Um verdadeiro banho de tecnologia em um produto que o europeu começava a comprar e já estava sendo oferecido por aqui. Esse novo carro tinha como grande novidade um design arrebatador: carroceria de dimensões mais generosas (só o entre-eixos crescia 12 cm) e formas delicadamente mais arredondadas.

Salão de 92, linha 93: um novo Escort (Foto: Ford/divulgação)

Nova plataforma do Escort

Esse novo Escort, que no mercado brasileiro ficou conhecido como “Sapão”, por causa da sua frente arredondada e boa entrada de ar frontal, que mais parecia uma boca, era oferecido inicialmente apenas na carroceria de duas portas, como de praxe no modelo da Ford. Mas, apesar disso, era cômodo e fácil entrar e sair mesmo no banco traseiro, já que as portas eram grandes. Eram quatro versões (L, GL, Ghia e XR3), e muitas novas tecnologias, como equalizador no sistema de áudio ou ajuste de profundidade do volante, um pioneirismo.

Versão Ghia era a mais completa, mas abaixo da XR3 esportiva (Foto: Ford/divulgação)

Sua plataforma era totalmente nova. Pela primeira vez, o Escort trocava as suspensões independentes pelo esquema convencional com McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira, além de uma nova calibração completa na direção e freios, que, nas versões mais caras, poderiam ser a disco nas quatro rodas. O carro, no geral, continuava bom de guiar e bastante comportado, como esperado.

Escort XR3 poderia ter até freios a disco nas quatro rodas (Foto: Ford/divulgação)

Seus motores eram conhecidos, e foram apenas aperfeiçoados. Nas versões de entrada estava o 1.6 CHT, com mais potência, torque e economia, ou, para as mais caras, o requisitado VW AP 1.8, que também ganhava melhorias. Outro que estava disponível era o AP 2.0, carburado na versão Ghia e injetado no XR3 com sua proposta esportiva. Todas as versões contavam com câmbio manual de 5 marchas, com escalonamento diferente para cada motorização.

Escort Hobby: popular com carroceria antiga

Curiosamente, apesar da carroceria moderna mostrada no Salão de 1992, permanecia em produção o antigo Escort com o sobrenome Hobby, mas agora com motor 1.6 CHT menos potente, e, depois, o famigerado 1.0. Ele vinha na onda dos populares no início dos anos 90, mesma época da estreia de Fiat Mille, VW Gol 1000 e GM Chevette Junior, todos sob o guarda-chuva de uma menor tributação para que fossem vendidos a preços mais atraentes. E, claro, eram todos bem básicos e simples.

Hobby era a versão básica, ainda feito na carroceria antiga (Foto: Ford/divulgação)

Com o motor 1.6 CHT reduzido para 1.0 litro, graças a um virabrequim de curso mais curto e pistões menores, o Escort Hobby sofria com a pouca potência e torque do seu conjunto, sempre acoplado a um câmbio de 5 marchas com relações bastante curtas para compensar a falta de força. Eram pouco mais de 50 cv de potência com 7,4 mkgf de torque, número bem contido para mover o carro. Para se ter uma ideia, o Escort “do povo” levava 20 segundos para ir de 0 a 100 km/h.

Hobby 1.0 era um Hobby 1.6 ainda mais simples, começando pelo motor (Foto: Ford/divulgação)

 

Linha 96,5: dançando tango

Depois de lançar a linha 1996 do Escort, a Ford logo se adiantou e trouxe outra linha 1996, mas levemente retocada. Ela ficou conhecida como “linha 96,5”, e, agora, dançava tango ao invés do samba: como as linhas de produção da Ford brasileira eram ocupadas pelo Fiesta (que, inclusive, matou o popular Hobby), o Escort passava a ser importado de Pacheco, na Argentina.

Grade ovalada marcava a linha 96 e meio, que passou a vir da Argentina (Foto: Ford/divulgação)

A principal novidade dessa linha “96,5” era a grade ovalada, que sofria influência do modelo europeu, que já estava a frente do nosso. Como de costume, outros pormenores também eram novos: calotas/rodas, tecidos internos e por aí vai. No restante, o mesmo carro de antes. A notícia triste é que, com a chegada dessa pequena reestilização, a versão esportiva XR3 e topo de linha Ghia deixaram de ser fabricadas, sobrando apenas GL e GLX, sempre equipadas com o motor 1.8 AP da Volkswagen.

Linha 1997 com nova geração

Linha Escort contava com a RS sempre duas portas, além da perua e o hatch de quatro portas (Foto: Ford/divulgação)

Cerca de seis meses depois desse Escort “96,5”, a marca do Oval Azul atropelava suas próprias estratégias lançando um novo Escort, já de sétima geração. Na realidade, plataforma e principais elementos da carroceria eram os mesmos de antes, mas tudo foi aprimorado e reestilizado, transformando o modelo em um novo carro, praticamente. Oficialmente, a família Escort estava maior: tinha uma carroceria sedã e outra Station Wagon (SW), enquanto a tradicional de dois volumes e meio passava a ser sempre de quatro portas. A carroceria de duas portas vinha depois, em um paliativo do XR3 chamado RS.

Perua era inédita no mercado nacional (Foto: Ford/divulgação)

O objetivo era alcançar um público ainda mais diverso: consumidores solteiros, casais, famílias, jovens, um público de meia-idade e por aí vai. A produção se mantinha na Argentina, enquanto o motor, agora único para toda a linha (com versões GL e GLX), era totalmente novo: da família Zetec, com 1.8 litro, 16 válvulas e duplo comando de válvulas, garantindo uma boa dose de força sem abrir mão da economia de gasolina. Eram 115 cv de potência e mais de 16 mkgf de torque nesse 1.8, moderno e de projeto europeu, que continuava casado com um câmbio manual de 5 marchas.

Seu sucessor e novo motor para 2001

No final de 2000, chegava ao mercado nacional o Ford Focus, projeto bastante moderno e tecnológico que ainda era novidade na Europa. Por lá, inclusive, ele já chegou tomando completamente o lugar do Escort, prenunciando o que aconteceria no Brasil algum tempo depois. Logo a Ford brasileira já adequou a família Escort para a chegada da novidade Focus nas carrocerias hatch e sedan: saíam de cena o Escort Sedan e os duas portas. SW e quatro portas continuavam.

Carroceria hatch de quatro portas foi uma das sobreviventes (Foto: Ford/divulgação)

E, claro, aos poucos o Escort foi cedendo espaço para o Focus, com reduções de versões e preços. Ainda assim, na mesma época, como linha 2001, o bom e velho Escort recebia um novo coração: o motor 1.6 8v Zetec Rocam, com comando de válvulas roletado e oco para reduzir a inércia (ROller CAMshaft, daí seu nome). Com 95 cv, era mais econômico e até ágil quando comparado com o 1.8 16v, ganhando ainda no consumo de combustível com o novo cabeçote e sistema de distribuição exclusivo.

Motor 1.6 chegou no final da vida do modelo, já convivendo com o Focus (Foto: Ford/divulgação)

Dali em diante, nada mais mudou no Escort nacional. Assim, com o 1.6 Rocam e dois tipos de carroceria (SW e 4p), ele continuou sendo produzido na Argentina até meados de 2003, quando finalmente saiu de linha no mercado nacional após 20 anos e cerca de 1 milhão de unidades vendidas. Em que pese o sucesso do Focus no mercado nacional, o Escort se manteve entre nós por duas décadas e até conviveu com seu sucessor por algum tempo, mostrando que, mesmo defasado, era um produto bem interessante, maduro e acertado.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.