Willys Itamaraty Executivo: a primeira limousine nacional

Os anos 60 foram marcados também pelo exagero. E, claro, a indústria automotiva nacional, que ainda engatinhava, não podia ficar para trás nesse quesito. Além dos populares Renault Gordini, VW 1200 e DKW, nosso parque industrial automotivo também oferecia carros mais luxuosos e confortáveis, para consumidores mais abastados que a maioria da população. Aí havia espaço para Simca Chambord, Aero-Willys 2600 e Itamaraty 3000, FNM JK 2000 e por aí vai.  

Mas, em 1965, o marketing da Willys-Overland do Brasil já detectava espaço no mercado para um carro luxuoso, confortável e extravagante: uma limousine feita a partir do já requintado Itamaraty, servindo à presidência da república (que até então utilizava um Cadillac no seu dia-a-dia), chefões de grandes empresas, governadores de estado, ministros e outras autoridades de alto escalão do país.  

A ideia de criar uma limousine partindo do já luxuoso Itamaraty surgiu por volta de 1965 (Foto: Willys/divulgação)

Por baixo, essa conta de potenciais compradores levava a produção de cerca de 50 unidades da tal limousine, o que levou a Willys brasileira a aprofundar os estudos desse exclusivíssimo carro, e à construção de dois protótipos, feitos inteiramente dentro das oficinas e engenharia da marca em São Bernardo do Campo (SP).  

O carro já foi exposto no V Salão do Automóvel, em 1966, e causou alvoroço do público como a primeira limousine nacional (Foto: acervo do Jornal Estado de Minas)

Assim foi feito: o carro foi apresentado primeiramente no V Salão do Automóvel, em 1966, como linha 1967, e a primeira unidade produzida da série foi criada especialmente para a presidência da república, servindo ao então presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. Apesar de já terem prontos dois protótipos feitos na fábrica da Willys, a limousine, oficialmente batizada de Itamaraty Executivo, passou a ser construída de maneira seriada nas instalações da Karmann-Ghia, também em São Bernardo. Eles partiam de uma carroceria normal de um Itamaraty, e, na altura da coluna B, o carro era cortado e aumentado em 72 cm (chegando a 5,52 m de comprimento total). 

Com essa estratégia construtiva, as portas dianteiras e traseiras ficavam bem distantes, e o conforto geral para quem ia no banco traseiro era indiscutível, tanto que existia até mesmo um apoio para pés escamoteável, para dar mais conforto ao “chefão” que lá fosse instalado. Uma curiosidade interessante oferecida pela limousine brasileira, a primeira e única de fabricação seriada, foi o desenvolvimento de um mecanismo de vidro elétrico que separava o habitáculo dos passageiros da área onde ia o motorista, ou chofer (do francês “chauffeur”, operadores de máquinas a vapor no século XVIII), permitindo que os passageiros conversassem com o motorista o que fosse necessário, depois fechando a tal janela para garantir a privacidade dos ocupantes tão especiais que fossem lá atrás.  

O tal mecanismo do vidro elétrico, sofisticado na época, acabava por limitar o espaço do banco inteiriço dianteiro, que não podia ser muito recuado. Por isso, o motorista e um pretenso segurança, iam meio desajeitados lá na frente, ao menos cercados pelos mesmos luxos e acabamentos encontrados nos Itamaraty convencionais, como bancos em couro preto, madeira legítima nos painéis e laterais de porta, rádio e instrumentação completa. Outra curiosidade foi a adoção, pela primeira vez nos modelos da Willys, de um sistema de ar-condicionado, claro que direcionado aos passageiros traseiros, com ajustes próprios em um pequeno painel. Quem fosse na frente, ia mesmo de janelas abertas.  

O Executivo era oferecido aos seus exclusivos consumidores em duas versões, Standard e Especial e, quando completo, o carro podia chegar ao preço equivalente ao de dois Itamaraty comuns 0 km, algo ao redor dos R$500 mil atuais. A primeira, mais simples, contava com menos equipamentos exclusivos, mas ainda assim atendia a grande maioria dos magnatas e pessoas importantes que nele viajavam (toca-fitas, sistema de som exclusivo ou apoio de braço traseiro), enquanto acomodava cinco ocupantes além dos três que podiam caber no banco dianteiro inteiriço (o esquema era 3+2+3, incluindo os dois assentos reclináveis que iam fixados nas laterais, um de frente para o outro). 

O carrão luxuoso tinha até opção de versão de acabamento: eram duas, uma com mais lugares e menos equipamentos, e a outra mais completa, porém com um lugar a menos (Foto: Willys/divulgação)

A mais cara, Especial, surpreendia pela quantidade de itens exóticos no mundo dos carros: trazia gravador de voz para os ocupantes traseiros e até um barbeador elétrico, além de um compartimento próprio para guardar fitas, acendedor de cigarros mais cinzeiro, e todos os comandos de iluminação do habitáculo de passageiros. O nível de acabamento dela era igual ao da Standard, assim como a possibilidade de personalização do interior (quatro tons para o couro interno ou a plaqueta de identificação para cada proprietário, por exemplo), mas na Especial só podiam ser acomodados quatro ocupantes traseiros, afinal um console tomava o espaço central do “sofá” traseiro.  

A minoria das unidades era da versão Especial, que custava o equivalente a R$500 mil atuais, ou o preço de dois Itamaraty “comuns”. O carro aparecia em destaque na foto de divulgação da linha Willys para 1967 (Foto: Willys/divulgação)

Para a mecânica da limousine Executivo funcionar bem, algumas modificações foram feitas com relação ao Aero-Willys 2600: o motor 2.6, de seis cilindros em linha, com válvula de admissão no cabeçote e de escapamento no bloco, teve sua cilindrada aumentada para 3.0, graças a adoção de um virabrequim de curso mais longo, acompanhado de novos pistões e carburador único de corpo duplo, ao invés da dupla carburação do 2600. O Executivo foi o primeiro a usar o motor 3000, gerando 132 hp SAE (cerca de 98 cv ABNT atuais) e pouco mais de 22 mkgf de torque bruto.  

Motor 3000, que substituía o 2600 no Itamaraty, veio bem a calhar, mas ainda era insuficiente para os 1.700 kg da limousine (Foto: Christian Castanho/Quatro Rodas)

Apesar do torque razoável, o conjunto, composto ainda por uma transmissão manual de quatro marchas com alavanca de mudanças na coluna de direção, era subdimensionado para levar os quase 1.700 kg da limousine. A embreagem, crítica nesse caso, havia sido reforçada em suas molas e no material de atrito do disco, mas, ainda assim, era insuficiente para tanto peso e, agora, um compressor de ar-condicionado ligado ao sistema.  

A limousine chegava a 3,45 m de distância entre-eixos, 820 litros de porta-malas e mais de 5,5 m de comprimento total: enorme! (Foto: Christian Castanho/Quatro Rodas)

Mais longo, o Executivo exigia também um eixo-cardan mais comprido para levar o torque ao diferencial traseiro, por isso a Willys desenvolveu um novo cardan bipartido, com mais um ponto de apoio, o que resolveu o problema, e ainda garantiu menos vibrações no funcionamento. Os freios eram os mesmos do Itamaraty comum, e também críticos na limousine, mas, não havia jeito: esse era o projeto do carro.  

Dado o seu comprimento bem superior ao do Itamaraty, o Executivo exigia um eixo-cardã bem maior, que tornou-se bipartido na limousine (Foto: Christian Castanho/Quatro Rodas)

Algumas unidades merecem destaque: a primeira de produção em série feita pela Karmann-Ghia, número 001, foi destinada ao presidente da república, e depois transportou mais seis presidentes do Brasil em ocasiões especiais; enquanto o carro 004, do Governo de São Paulo, foi metralhado em 1968. Abreu Sodré, o então governador do estado, estava a bordo, escapando de todos os tiros. Na sua história, unidades do Executivo também transportaram o príncipe Akihito e a princesa Michiko do Japão, Indira Gandhi (primeira-ministra da Índia) e até a Rainha Elizabeth II. 

Em sua história, o Itamaraty já transportou pessoas de muita relevância mundial, como por exemplo a Rainha Elizabeth II (Foto: Christian Castanho/Quatro Rodas)

Contam os fofoqueiros de plantão da época que o então presidente da Willys-Overland do Brasil, Willian Max Pearce, voltava de férias com sua família do Guarujá, então badalado destino da alta sociedade da época, em algum momento de 1967, a bordo de um dos dois protótipos do Executivo, que pertencia a fábrica. Claro que, mesmo em meados dos anos 60, o trânsito da Via Anchieta para subir a serra não era dos mais fáceis, principalmente num domingo ensolarado. Para descer a serra rumo a praia, tudo bem, afinal de contas, como diz o ditado, “morro abaixo todo santo ajuda”. Mas na hora de subir, morro acima… 

Com o trânsito congestionado em um domingo de calor, com o tal ar-condicionado ligado e, pelo menos, cinco pessoas a bordo, mais bagagens no porta-malas, não deu outra para o Executivo: ele ferveu na subida da serra, enquanto a embreagem já patinava, cheirando a queimado. Imaginem a cara do presidente da Willys-Overland do Brasil parado no acostamento da serra com seu carro fervendo e sem embreagem. Dizem que virou motivo de chacota para os Fusca, DKW, Gordini e Simca que passavam buzinando e fazendo piadas sobre aquele carrão luxuoso quebrado na estrada.  

Nos anos 60, a Via Anchieta já ficava bastante cheia aos finais de semana e feriados. Numa dessas, subindo a serra, o Executivo do presidente da Willys ferveu e o deixou na mão (Foto: reprodução/Pinterest)

Pelo o que contam, já no começo daquela semana de meados de 1967 foi decretado o fim de linha da pioneira e exclusiva limousine nacional. Essa história parece ser verdade frente a quantidade de unidades do Executivo fabricadas: 27 no total (fãs e entusiastas calculam 19 da versão Standard, 6 da Especial, mais os 2 protótipos), dos mais de 50 carros idealizados lá no seu projeto, que nunca foram alcançados.  

Claro que a paralisação de fabricação do carro em 1967 também pode estar relacionada a chegada do Ford Galaxie, mais maduro, robusto e moderno, em um momento em que a marca do Oval Azul já era dona da Willys no Brasil, e toda a situação com Max Pearce contada acima pode ser apenas falácia. Mas o fato é que o Itamaraty Executivo ocupa um belo espaço (literalmente) não só na história da indústria automotiva nacional, como também na história do país como um todo.  

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.