Simca V8: a história dos sedans de muito luxo e pouca potência

A Simca do Brasil nasceu em maio de 1958, com o objetivo de produzir em Terras Tupiniquins o Vedette, um projeto Ford que depois se tornou Simca (“Societé Industrielle de Mécanique et de Carrosserie Automobile”). No pós-guerra, a Ford queria de reconstruir na França sua indústria automobilística, mas, já em meados dos anos 50, resolveu abrir mão dessa sociedade, e a marca francesa acabou por herdar o carro que havia sido projetado nos EUA no final dos anos 40, utilizando inclusive seu famoso motor V8 do início dos anos 30, que tanto sucesso fez no mundo.  

Projetado nos EUA, o Ford Vedette era vendido na Europa e depois se tornou um produto da linha Simca (Foto: reprodução/largus.fr)

Na hora de dissolver a sociedade, a Simca herdou o aparato industrial, e o projeto do carro, que, de imediato, já em 1958, viria para o Brasil em sua nova carroceria, apresentada no Salão de Paris quatro anos antes. A mesma base mecânica com outro design, utilizando o trem-de-força típico da Ford, com motor V8 de cabeça plana, câmbio de três marchas, tração traseira e suspensões traseiras por feixes de molas (McPherson na frente). Desde a primeira carroceria, como vantagem do sedan estava sua concepção monobloco, dispensando o chassi “escada” separado. 

Por aqui, o sedan ganhou o nome de Chambord (um tipo de carroceria na Europa, homenageando uma região francesa), e foi produzido em São Bernardo do Campo (SP), onde antes estava sediada a Varam Motores, que até então era montadora de alguns carros norte-americanos (Hudson e Nash) em solo nacional. Sua produção como Simca Chambord começou em março de 1959, há pouco mais de 65 anos, ainda com baixíssimo índice de nacionalização: apenas 25%. Na realidade, o carro vinha quase inteiro desmontado da França, e apenas alguns componentes específicos tinham produção nacional. 

O novo sedan, de dimensões médias, manteve o V8 flathead de 2.35 litros, batizado de Aquilon, que desenvolvia parcos 84 hp SAE (cerca de 62 cv ABNT modernos, potência inferior ao de motores 1.0 atuais), com torque bruto que não ia muito além dos 15 mkgf. A transmissão também não era nada eficiente: tinha apenas três marchas, sem sincronização da primeira, tendo que enviar a força do motor lá para as rodas traseiras, em um carro de quase 1.200 kg. Ou seja, é fácil concluir que desempenho não era seu ponto forte, muito pelo contrário.  

Era a grande queixa da imprensa e consumidores da época: um carro bonito, de linhas modernas e bastante luxo, porém frouxo e lerdo para andar. Números oficiais da época informavam eternos 26,5 segundos numa prova de aceleração de 0 a 100 km/h, com velocidade máxima que mal atingia os 135 km/h. Sua performance era tão modesta que logo começaram a chamá-lo de “Belo Antônio”, em alusão à um filme da época, retratando um homem lindo de aparência (o Antônio), mas ruim de cama. 

Ainda assim, a Simca do Brasil marcou sua passagem, junto dos sedans V8, com o dinamismo e rapidez com que promovia mudanças e melhorias nos seus produtos para atender os anseios do consumidor o quanto antes. Já em 1959, o Chambord surpreendia o mercado nacional com alguns itens interessantes: iluminações próprias para cofre do motor, porta-luvas e porta-malas, além de espelhos nos para-sóis, reostato para a iluminação do painel, acendedor de cigarros para os ocupantes traseiros, luzes de localização e por aí vai. Sem contar o esmero de sobra no acabamento e estilo, especialmente do habitáculo de passageiros. 

A linha logo cresceu, em agosto de 1960, quando estreava o Simca Presidènce, um Chambord ainda mais luxuoso e requintado, que custava cerca de 20% a mais que o modelo de origem, superando inclusive o rival FNM JK no preço final. Esteticamente, o sedan de luxo era facilmente identificado pelo estepe fixado na tampa traseira (alongando sua carroceria), e calotas metálicas raiadas sobre as rodas de ferro, que o destacavam do Chambord, que seguia como opção mais barata. Como destaque, o trabalho duro da Simca para nacionalizar ainda mais seus modelos, que, no início dos anos 60, já eram majoritariamente brasileiros. 

Simca Présidence: um Chambord muito mais luxuoso e 20% mais caro (Foto: Simca/divulgação)

O ar-condicionado era outro grande destaque do novo Simca de luxo, item de conforto raramente encontrado em um carro nacional da época, e estava acompanhado de bancos inteiriços forrados em couro e carpete de lã, que deixavam seu interior ainda mais confortável, além do apoio de braço e até um pequeno refrigerador para os passageiros traseiros. Mais pesado, o Presidènce teria problemas ainda maiores de desempenho, por isso a marca francesa se apressou em aperfeiçoar seu antigo V8. O propulsor ganhou dupla carburação e maior taxa de compressão, o que fez sua potência crescer em 10 hp, chegando a 94 hp SAE (cerca de 70 cv atuais), ainda muito abaixo do necessário para seu porte. 

Além dos 10 cv a mais, calotas raiadas e o estepe posicionado na tampa traseira (Foto: Simca/divulgação)

As atualizações da linha Simca não paravam. Ainda em 1961, tentando resolver o alto consumo e fraco desempenho, vier, o V8 aumentava sua capacidade cúbica para 2.4 litros, ao passo que a potência subia consideravelmente para Chambord e Presidènce: 90 hp SAE no primeiro (ao redor dos 67 cv ABNT) e 105 hp SAE no segundo (78 cv modernos). Não resolviam o problema por completo, porém, ao menos, o amenizava. A marca de origem francesa ainda não tinha um câmbio de quatro velocidades para instalar em seus sedans, então manteve a caixa de três marchas de alavanca na coluna de direção, agora com todas as marchas à frente sincronizadas. Daí veio o novo nome da família: Três Andorinhas, em alusão as marchas. 

Mais um pioneirismo da marca no Brasil aconteceu em 1962 com o lançamento do Simca Rallye, um Chambord com aspecto esportivo e motor de Presidènce, de 105 hp SAE. Foi o primeiro carro nacional com estética diferenciada remetendo a esportividade, graças as duas tomadas de ar redondas na dianteira, junto de diferenças de acabamento internas e externas, e uma paleta de cores com tons mais vivos. Era o carro com melhor performance da linha Simca da época, afinal utilizava o motor mais poderoso em uma carroceria de menor peso: demorava pouco mais de 21 segundos no 0 a 100 km/h e passava dos 140 km/h de máxima.  

O Rallye foi o primeiro carro nacional com caracterização esportiva, e tinha o V-8 de 105 cv do Présidence (Foto: Simca/divulgação)

Uma grande curiosidade, exclusiva da versão Rallye, era o recurso do ponto de ignição variável de acordo com o combustível utilizado, a altitude da região de uso e a pedida de performance. Quem regulava era o próprio motorista, através de uma alavanca no painel, controlando o avanço ou atraso do ponto de ignição. Dessa forma, era possível obter a máxima performance do motor em diferentes situações de uso, mas, claro, exigindo um bom conhecimento de mecânica por parte do proprietário, que podia quebrar seu motor se utilizasse o recurso de forma inadequada. 

Internamente, o Rallye se parecia muito com os demais Simca, porém tinha a curiosa alavanca para alterar o avanço de ignição inicial. A alavanca pode ser vista atrás do raio direito do volante mais próximo do aro (Foto: Simca/divulgação)

Depois, em 1963, também foi da Simca a primazia de oferecer a primeira perua de quatro portas de produção nacional. Ela, chamada de Jangada, era inteiramente baseada no Chambord, o que incluía o motor V8 na configuração de 90 hp SAE. Além da harmonia estética, inclusive herdando o rabo de peixe do sedan, oferecia um ótimo espaço para bagagens, graças também ao banco traseiro de encosto rebatível (acomodando assim até 1.800 litros) e o acesso descomplicado ao bagageiro por uma tampa dupla, onde o vidro abria para cima e a lataria, para baixo. A SW podia ter mais dois assentos extras no seu enorme porta-malas, elevando sua capacidade para impressionantes oito passageiros.  

Na próxima semana, a continuação desta história: novo visual em 1964, Tufão, Super Tufão, Alvorada, motor Emi-Sul e mais. Não perca!

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.