Fiat Marea e Weekend: a dupla mais injustiçada pelos brasileiros (Parte 1)

A linha Marea, formada pelo sedan e sua station, começou a ser produzida na Europa em 1996. Mas foi pensada muito antes disso: em 1991, o setor de design da Fiat já trabalhava em suas linhas logo após o amadurecimento do Tempra, que deveria ser seu antecessor e tinha dimensões um pouco mais contidas.

A proposta do Marea era susceder o Tempra como médio da Fiat (Foto: Rejane Alves)

Em um concurso interno de design, o time do estúdio I.D.E.A ganhou a parada, e os rascunhos apresentados pela equipe começaram a ganhar formas dentro da Fiat, em Milão. O nome Marea, pra quem não sabe, é a tradução italiana para “Maré”.

Sua concepção começou lá no início dos anos 90, e as formas definitivas foram do estúdio I.D.E.A (Foto: reprodução/bestcars.com.br)

O meu primeiro contato com a dupla Marea e Marea Weekend foi no segundo semestre de 1996, alguns meses após o seu lançamento inicial. Já sabíamos que aquela família substituiria o Tempra por aqui, e por isso, como jornalista, me adiantei e fui conhecer o carro e sua dinâmica no Velho Continente.

Maio de 1998: lançamento no Brasil

Em maio de 1998, a novidade chegava ao Brasil (Foto: Fiat/divulgação)

Dito e feito: em maio de 1998, há 24 anos, a dupla era lançada no mercado nacional com uma pompa digna de veículos das marcas premium. Eram basicamente idênticos aos carros europeus, com exceção do parachoque dianteiro que tinha maiores entradas de ar para melhorar a refrigeração do motor, um requisito padrão no momento de nacionalizar um carro nesse nosso clima tropical.

Ambos, sedan e perua, traziam em sua mecânica o ineditismo de um motor de 5 cilindros em linha disposto transversalmente, com 2.0 litros de capacidade cúbica, variador de fase no comando de válvulas da admissão e bons 142 cv de potência/18 mkgf de torque. Tudo isso graças, também, às suas quatro válvulas por cilindro.

Concepção moderna e motor 2.0 de cinco cilindros em linha (Foto: Fiat/divulgação)

 

Aqui no Brasil, conhecíamos motores de cinco cilindros apenas na versão a diesel, na época fabricado pela Mercedes-Benz para o caminhão 1519. De boa potência específica e ronco peculiar, o novo motor da Fiat surpreendia, principalmente pelo bom torque desde as baixas rotações.

Com câmbio manual de 5 marchas nas duas versões de acabamento, ELX e HLX, o desempenho da dupla Marea/Weekend se destacava no segmento. Como foi lançado na carroceria sedan e station, o carro despertou a atenção do consumidor brasileiro.

Desde sua estreia, tinha carroceria sedan e station (Foto: Fiat/divulgação)

Visual bonito, boa dinâmica e bem equipados

A agressividade dos faróis dianteiros estreitos e com máscara negra, frente em forma de cunha e carroceria baixa (incluindo o Cx de apenas 0,32), que davam um bom resultado quando unidos, as novidades passavam ao consumidor a impressão de oferecer algo a mais. E realmente os carros se sobressaíam, principalmente quando lembrávamos dos antigos e problemáticos Tempra, que se despediram do mercado nacional ainda no final de 1998.

Bonita, a novidade da Fiat também era boa de guiar (Foto: Fiat/divulgação)

A estabilidade de carroceria, tanto do sedan quanto da perua, era outro destaque: o carro se mantinha seguro nas mais altas velocidades, mesmo com eixo de torção nas rodas traseiras ao invés das suspensões independentes nas quatro rodas do seu antecessor Tempra. Freios, a disco nas quatro rodas nas versões mais caras, e direção hidráulica precisa completavam o pacote.

Dentre os luxos do carro, ar-condicionado automático, volante com comandos de som, rádio com toca-CD, teto-solar, bancos em couro, rodas de liga-leve, lavador de faróis e, como primazias da época, saídas de ar-condicionado traseiras, cintos de segurança dianteiros com pré-tensionadores e, algum tempo depois, opção de airbags laterais.

Itens de série que muitos carros atuais não dispõe já estavam disponíveis no Marea (Foto: Fiat/divulgação)

Vale destacar também a tampa do porta-malas de 500 litros da Weekend: ela era duplicada, onde uma segunda parte inferior poderia abrir separadamente a fim de facilitar o entra e sai de cargas e objetos maiores. Apesar das dimensões generosas de carroceria, com aproximadamente 4,40 m no sedan e 4,50 m na perua, eles tinham entre-eixos não muito grande (2,54 m), ou seja, os dois carros tinham grande balanço dianteiro/traseiro.

Na carroceria station, ainda bom porta-malas com tampa de abertura dupla (Foto: Fiat/divulgação)

SX e Turbo: mais versões para 1999

Com as vendas crescendo, era hora de trazer mais níveis de acabamento para os modelos. Chegava assim a versão de entrada SX, posicionada abaixo da ELX, mais enxuta nos equipamentos e movida pelo mesmo 2.0 de cinco cilindros, mas com 126 cv. A redução de potência era resultado da remoção do variador de fase no comando de válvulas da admissão, mas compensada com um câmbio manual reescalonado.

Abaixo da ELX, agora chegava a versão SX, de entrada e menos potente (Foto: Fiat/divulgação)

A grande novidade era mesmo a versão topo de linha Turbo, que unia em um único veículo a sofisticação de um acabamento mais requintado com o tempero apimentado do motor superalimentado. Era o mesmo 2.0 de cinco cilindros, mas equipado com turbo Garrett e melhorado em diversos pontos, o que fazia sua potência subir de 142 para 182 cv, ou seja, 40 cv a mais.

Na outra ponta da gama, estreavam também as versões Turbo do sedan e Weekend (Foto: Fiat/divulgação)

O torque máximo também crescia para 27 mkgf, fato que ampliava ainda mais a sensação de força do motor. Nas marchas mais baixas do câmbio de 5 marchas reescalonado, as rodas destracionavam com frequência, tamanha a potência do conjunto. Além disso, a dupla Marea Turbo/Weekend Turbo não tinha só motor e câmbio mudados: para se adequar ao maior desempenho, freios, direção e suspensões eram recalibrados.

Segundo dados oficiais da Fiat, os esportivos da família Marea aceleravam de 0 a 100 km/h em cerca de 8 segundos e passavam dos 220 km/h de velocidade máxima. Apesar de terem proposta mais apimentada, Marea Turbo e Weekend Turbo compartilhavam praticamente o mesmo visual com o restante da linha, mudando apenas em detalhes como rodas ou saídas de ar no capô, para melhor ventilação do 2.0 de cinco cilindros.

Visualmente, os Turbo traziam o mesmo visual do restante da linha, salvo alguns detalhes exclusivos (Foto: Fiat/divulgação)

Uma crítica da época é que os modelos Turbo utilizavam a mesma medida de pneus das versões aspiradas. O ideal era terem, pelo menos, rodas aro 16 ao invés de 15, e pneus mais largos, com cerca de 215 mm (o original tinha 195 mm). Os 40 cv a mais e 7 mkgf de torque adicionais requeriam mudanças nesse quesito, que melhoraria a dirigibilidade.

Ainda assim, essas versões Turbo eram mérito da engenharia brasileira, afinal só existiram por aqui. O motor 2.0 superalimentado, na realidade, era importado da Itália e por lá equipava versões esportivas do Coupé, mas nunca no Marea. Toda a preparação mecânica era feita por aqui.

Italiano, o 2.0 Turbo equipava alguns Coupé por lá, mas aqui veio para mover o Marea pela primeira vez na história (Foto: Fiat/divulgação)

A misteriosa morte dos cavalos em 1999

Ainda em 1999, ocorreu uma debandada de cavalos do motor aspirado de 5 cilindros. Explico: antes disso, eles produziam 142 cv, mas naquele ano foram reduzidos misteriosamente para 126 cavalos em toda a linha (SX, ELX e HLX).

Na versão básica, a menor potência era justificada por não ter variador de fase na admissão, mas nas demais, que eram equipadas com a tecnologia, não existiam motivos para a redução de potência. Talvez, uma mudança na lei tributária da época limitava em 127 cv a potência dos motores de quem pagava um determinado valor de IPI e ICMS.

O motor de cinco cilindros aspirado, tanto no Sedan quanto Station, perdiam misteriosamente alguns cavalos em 1999 (Foto: Fiat/divulgação)

Acima desse número, os impostos subiam bastante. O fato é que, naquela época, a grande maioria dos carros nacionais com motor 2.0 ficaram com suas potências limitadas em 127 cv. No início dos anos 90, até os Opala, com seu enorme motor de 4.1 litros e seis cilindros em linha, produziam essa potência. Mistério…

Na segunda parte dessa história, acompanhe a chegada de novos motores para os médios da Fiat, reestilização leve, adoção de novas tecnologias, até sua despedida no final de 2007.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.