É Hora de Falar de Petróleo (Parte 3/3)

A maior dificuldade ao falar de petróleo é a infinidade de mercados advindo de todos os seus coprodutos. Petróleo está nos fertilizantes, na matéria-prima dos plásticos que constituem uma hierarquia própria; está nos medicamentos, seja como matéria-prima, seja nas embalagens. Está também, mais evidentemente, nos transportes, mas será ingênuo o comentarista que os ponha em primeiro lugar. Cada um dos coprodutos tem seu mercado, sua elasticidade-preço, sua elasticidade-renda, bem como sua participação na cadeia de suprimentos.

Substituir a queima de combustíveis fósseis não elimina, nem diminui, a importância da indústria do petróleo, em lugar algum do mundo. Ocorre que aceitamos o desafio de explicar o comportamento das variáveis inerentes ao ouro negro. Antes, porém, temos de relembrar alguns conceitos microeconômicos.

Petróleo: sua presença está muito, mas muito além dos transportes (Foto: reprodução/Freepik)

Elasticidade é a variação percentual, da oferta ou da demanda, consoante alguma variável, que tanto pode ser o preço, como pode ser a renda. Uma oferta com alta elasticidade-preço é aquela que responde rapidamente com mais produção, caso o preço suba. Suponhamos que o preço do brigadeiro suba vertiginosamente. No dia seguinte, todos estarão fazendo brigadeiros em casa para vender. O petróleo tem uma oferta relativamente inelástica porque, entre a prospecção e a extração, são muitas as etapas, como visto nos capítulos anteriores (leia aqui e aqui). Sim, a vazão de um poço pode variar dentro de limites estabelecidos pela jazida e pela tecnologia empregada na extração.

É por isso que se anunciou, com a guerra da Ucrânia, que os Estados Unidos solicitaram um aumento de produção dos demais países exportadores, mas qualquer aumento está muitíssimo longe de suprir a falta de um produtor, seja como a Rússia, Irã, ou mesmo o Brasil. Para entender isso, tomemos novamente o exemplo do brigadeiro. Se a produção crescer muito, pode faltar leite condensado e a produção para de responder à variação de preço que, por sua vez, não para de subir. Da mesma forma, se o aumento exceder a capacidade de extração do poço, ou do conjunto de poços, a oferta para de aumentar e o preço continua subindo.

A oferta do petróleo é relativamente ineslástica, já que são várias etapas entre sua prospecção e extração (Foto: reprodução/Freepik)

Pelo lado da demanda, um produto elástico é o que responde rapidamente com queda de quantidade consumida, caso o preço suba. Pode-se dizer que é aquele cuja quantidade consumida aumenta muito, com uma leve queda no preço. A elasticidade-preço da demanda do petróleo é baixíssima porque, mesmo que o consumo de combustíveis caia, a demanda por matérias-primas insubstituíveis permanece constante, incentivando a manutenção do nível de produção. Em outros termos, não adianta nada reduzir o consumo de diesel, caso não haja, por exemplo, um substituto para o gás liquefeito de petróleo.

Ao contrário do que acontece com a oferta, quanto maior for o preço maior vai ser a propensão a substituir o produto por outro similar. Isso aconteceu no fim dos anos 1970, quando o barril de petróleo pulou de US$13,00 para US$39,00, ensejando o Proálcool. Ocorre que, na economia, as coisas não acontecem tão rapidamente quanto nos filmes ou nos livros.

Se quisermos comer mais laranjas, será preciso plantá-las e esperar três anos para que as plantas comecem a dar frutos. Com o Proálcool, foi a mesma coisa. O programa foi lançado em dezembro de 1975 e só vingou comercialmente a partir de 1981. A mesma defasagem se pode esperar para o mercado de petróleo.

Nos anos 70, com o aumento expressivo do preço do petróleo, surgiu o Proálcool, mas na economia as coisas não acontecem do dia pra noite… (Foto: Petrobrás/divulgação)

A elasticidade-renda tem significado semelhante ao já visto, porém, em função da renda. Suponhamos que haja uma política de distribuição de renda e as pessoas, que antes estavam fora do mercado, comecem a consumir também. Quais itens serão mais afetados? Nos anos 1990, com a estabilização monetária, o dinheiro começou a valer o mesmo, do começo ao fim do mês. Em termos reais, as pessoas tiveram uma melhora nas condições de vida, no que se chamou de Revolução do Iogurte.

Nos Anos 2000, com a melhora na distribuição de renda, trocou-se a rodoviária pelo aeroporto. Isso quer dizer que a elasticidade-renda do iogurte é maior que a do leite, assim como a elasticidade-renda das viagens de avião é maior que as similares de ônibus. Ora, como há inúmeros derivados de petróleo, cuja elasticidade-renda é mais alta que elasticidade-preço da oferta de petróleo, basta que a renda mundial cresça um pouco para ensejar um aumento generoso do preço do ouro negro.

A importância do petróleo é tanta que ele responde a quaisquer mudanças de rumos do mercado, tornando-o um item muito sujeito às especulações. Uma guerra, como a para que a Europa se convidou, torna carrancudos todos os agentes econômicos, jogando o preço para cima.

Por ter inúmeros derivados, o ouro negro pode ter um bom crescimento no seu preço apenas com o aumento da renda mundial (Foto: reprodução/Shutterstock)

Resumindo, só há uma forma de forçar a queda rápida para o preço do petróleo: causar uma profunda recessão. Nesse caso, como todo o portfólio de coprodutos tem seu consumi reduzido, a demanda pelo óleo cru tende a cair, tendendo a baixar seu preço. Mesmo essa reação à queda de renda não é imediata, visto que o portfólio não tem a menor homogeneidade na distribuição da elasticidade-preço, ou elasticidade-renda, produto a produto.

Assim, um embargo à aquisição de petróleo fica entre o temerário e o irresponsável. Mais que afetar economicamente o exportador embargado, o aumento do preço resultante traz consequências até imprevisíveis, seja pelo aumento da inflação, seja pela perda de competitividade dos produtos em geral. Os industrializados, pelo aumento do preço das matérias-primas; os agrícolas, pela falta de fertilizantes, e todos, pelo encarecimento da logística.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.