VW Gol Quadrado: O início de uma história vitoriosa e repleta de sucessos

A história do Gol começou lá na segunda metade dos anos 70, quando a Volkswagen desistiu do Projeto BY, uma espécie de Scirocco, que usava praticamente a mesma mecânica do já pronto VW Passat. A partir daí, partiu-se para um projeto mais simples, que tinha como objetivo a substituição do Fusca por um carro mais barato e moderno que o querido Besouro. Partindo desse princípio, as equipes de design e engenharia começaram a trabalhar juntas no carro que utilizava o conjunto motor/câmbio refrigerado a ar, oriundo exatamente do Fusca.

O projeto BY, que daria origem ao Gol, tinha visual inspirado no Scirocco com mecânica de Passat (Foto: Lucca Mendonça)

O novo carro, que iniciou seu brilhantismo recebendo o popular nome de Gol, deveria fazer frente ao Fiat 147 e seu crescente sucesso, que começava a cair no gosto do brasileiro como um carro pequeno, ágil, moderno e econômico. O motor 1.3, derivado do Fusca, teve a sofisticação de ter sido mandado para a Porsche, na Alemanha, que utilizou uma ventoinha plástica de alta eficiência, desenvolvendo cabeçotes com câmaras hemisféricas, válvulas inclinadas e balanceiros de válvulas especiais, tudo visando a melhora do desempenho e redução do consumo. Tudo que se esperava de um carro mais moderno.

A novidade da VW que tinha a missão de substituir o Fusca chegava com o nome de Gol (Foto: VW/divulgação)

A resistência do câmbio manual de 4 marchas do Fusca era irrefutável, e com todo o processo de produção pronto na fábrica, acabou sendo a melhor opção para a então novidade Gol. Definitivamente, ele foi lançado para o grande público no início de 1980, mais precisamente no dia 15 de maio, há cerca de 41 anos atrás. Oferecido em duas versões (L mais básica e LS mais luxuosa), ele tinha somente um conjunto mecânico (motor 1.3 dianteiro arrefecido a ar que rendia 47 cv, trabalhando em conjunto com a transmissão manual de 4 marchas), suspensão MCPherson na dianteira e eixo de torção na traseira.

Nas propagandas de lançamento do Gol, o baixo consumo de combustível também era destaque (Foto: reprodução/internet)

Os freios dianteiros eram a disco, e a direção já era tipo pinhão e cremalheira. Todas soluções mecânicas herdadas do Passat, e não disponíveis no Fusca. A alimentação era feita por um carburador de corpo simples, e a ignição convencional com platinado. Tudo simples e fácil de ser reparado por qualquer mecânico e em qualquer canto do país, mantendo a fama da resistência e confiabilidade dos VW. E para ganhar espaço no porta-malas, assim como no seu concorrente 147, o Gol tinha seu pneu estepe colocado no habitáculo do motor.

Inicialmente ele só era oferecido na opção a gasolina, mas a versão a álcool chegou em 1981, com o mesmo motor 1.3 de taxa de compressão aumentada e adequada ao uso do álcool, mas com uma particularidade: ao invés do carburador simples, a versão com o combustível na cana tinha dupla carburação. Esse fato acabou causando um problema: o estepe não cabia mais no espaço do motor e, por isso, foi transferido para a traseira, roubando um bom volume do porta-malas. Esse fato, além de desagradar ao consumidor, gerou um maior custo, afinal o assoalho do porta-malas tinha um estampo especial para acomodar o pneu reserva.

Assim como no seu rival Fiat 147, o Gol tinha seu estepe acomodado no cofre do motor, o que deu dor de cabeça aos engenheiros da VW na hora de adotar a dupla carburação (Foto: VW/divulgação)

Falam os fofoqueiros de plantão que a solução simples desse problema estava apenas na inversão da posição do estepe. Explico: ao invés de colocá-lo no habitáculo do motor com a face virada para baixo, seguindo o projeto original, bastava virar ele ao contrário, com a face para cima. O carburador extra acabava se acomodando no interior da roda e o problema estava resolvido, evitando todo o trabalho de engenharia na realocação do pneu reserva (além das críticas do consumidor da época). E pasmem: pelo que se sabe, essa solução simples e idiota foi sugerida por um mecânico de uma concessionária em algum local do país, e acabou sendo adotada pela VW em todos os Gol com dupla carburação a partir de 1982.

Mas a grande reclamação dos donos de Gol 1.3 era relativa ao desempenho: o carro até era econômico para a época, mas sua performance quando carregado, principalmente nas subidas, provocava muita queixa. A outra solução simples? A Volkswagen deixou de lado o 1.3 aperfeiçoado pela Porsche, e passou a utilizar o bom e velho 1.6 com dupla carburação vindo do Brasília. Essa mudança de motores fez o Gol passar da água para o vinho, e todas as reclamações foram transformadas em elogios. O novo motor puxava bem nas ladeiras, mesmo carregado, e esse 1.6 ainda era fácil de ser reparado, afinal já era utilizado no Brasília.

A série especial Copa, de 1982, foi uma das primeiras a trazerem motor 1.6, identificado pelo emblema na grade dianteira (Foto: VW/divulgação)

Daí em diante, o Gol começou sua carreira meteórica de sucessos atrás de sucessos, tanto nas vendas quanto nas preferências do consumidor brasileiro. Em 1984, a outra surpresa positiva do Gol que só fez aumentar sua popularidade: chegava ao mercado a versão GT, com motor 1.8 de quase 100 cv e câmbio de quatro marchas reescalonado, que fazia o franzino Golzinho 1.3 de faróis miúdos parecer um vovozinho perto da agressividade e brilho do Novo Gol GT 1.8. Esse propulsor derivava do MD-270, de biela mais curta, e tinha a opção tanto de gasolina quanto álcool (por questões tributárias, ele rendia 99 cv com o combustível de cana e 88 cv com gasolina).

Esse “super Gol” tinha um apelo fortemente esportivo: rodas de liga-leve aro 14, freios mais potentes, escapamento exclusivo, faróis auxiliares de milha e neblina na dianteira, além dos faróis principais maiores e agora abrigando as luzes de seta. Por dentro, os bancos eram feitos pela Recaro (empresa especializada na fabricação de assentos esportivos), e ele era equipado com vários detalhes exclusivos. Essa versão GT foi a precursora dos Gol lançados na linha 1985, equipados com motor MD-270 (antecessor do famoso AP600), que traziam a nova frente (com faróis maiores, nova grade e parachoques), fato que dava mais personalidade e exclusividade aos Gol com motor arrefecido a água.

Em 1984, era hora da versão esportiva GT dar as caras com seu motor 1.8 de quase 100 cv. Faróis, grade e parachoque dianteiro eram exclusivos, e pouco tempo depois passavam para toda a linha do modelo (Foto: VW/divulgação)

Chegando antes no Passat, Voyage e Parati, o motor 1.6 MD-270 tinha carburador de corpo duplo, o que garantia as boas potências com gasolina (88 cv) e álcool (98 cv). Em 1985, chegava o inédito câmbio manual de 5 marchas com relações curtas e esportivas, ficando restrito a GT 1.8 até 1987, quando a melhoria foi aplicada às demais versões. O curioso é que a versão com motor 1.6 arrefecido a ar e dupla carburação continuou a ser oferecida como opção de entrada, mantendo o visual de 1980 (faróis pequenos, interior mais modesto, etc.). Essa configuração passou a ser uma escolha bem interessante para frotas de empresas e taxistas devido ao seu baixo preço e facilidade de manutenção.

Em 1986, chegava a consagrada família de motores AP, nas configurações 600 (1.6) e 800 (1.8). Com relação aos MD-270 que eles sucediam, essa nova família de propulsores (que tinha a sigla AP significando Alta Performance), tinha bielas mais longas e pistões mais leves, visando a redução do atrito interno do motor. Esses inéditos motores eram feitos para serem melhores em desempenho, gastarem menos, e terem curvas de potência e torque mais suaves, menos agudas que a geração anterior. Realmente, um grande passo evolutivo que transformou os AP em um dos melhores propulsores da época (e, para muitos, ele ainda se mantém nesse ranking).

Em meados de 1987 chegava a segunda renovação visual do Golzinho (Foto: VW/divulgação)

O Gol, na linha 1986, poderia ser equipado com motor 1.6 arrefecido a ar na versão BX, ou então com o 1.6 AP nas configurações intermediárias, além da esportiva GT e seu AP 1.8. No ano seguinte chegava a nova dianteira, com faróis mais retangulares e a nova grade integrados, além do para-choque redesenhado. Além disso, a versão esportiva foi rebatizada para GTS, ganhando o mesmo visual do restante da linha e novas rodas.

O Salão do Automóvel de 1988 marcou a chegada do lendário Gol GTI, o primeiro carro brasileiro equipado com injeção eletrônica. Ele também fez sucesso pelo design marcante e a cor única, mesclando o azul marinho metálico com prata, que era exclusiva e chamava muita atenção. Os elementos externos seguiam a linha do GTS, que se mantinha normalmente em linha, mas ele tinha personalidade própria pelo interior mais refinado e, principalmente, pelo motor AP 2.0 com tuchos hidráulicos, coletor especial na admissão e sistema de ignição eletrônico Bosch (chamado de EZK). O sistema de injeção eletrônica, aliás, ainda era analógico, e também feito pela Bosch (batizado de LE Jetronic).

Lançado no Salão do Automóvel de 1988, o lendário esportivo Gol GTi era o primeiro carro nacional equipado com injeção eletrônica de combustível (Ao volante, Douglas Mendonça – Foto: Marco de Bari/Quatro Rodas)

Com esses pioneirismos, o pequeno Volkswagen ganhou ainda mais personalidade e prestígio no mercado, solidificando o Gol como o carro mais vendido do mercado nacional, posição que já havia conquistado em 1987 e se perpetuou por 27 anos ininterruptos.

Em 1991 chegava mais uma renovação na linha Gol, provando que também se mexe em time que está ganhando. As novidades ficavam por conta da dianteira totalmente inédita, com faróis mais estreitos (apelidados pelo grande público de “chinês”), além dos triviais grade e parachoques. Na traseira, as lanternas receberam novo arranjo interno, e o interior também ganhou diversas evoluções, incluindo o painel tipo satélite do esportivo GTI. A mecânica, com boa aceitação do consumidor, era mantida sem alterações. Logo depois, em 1993, para aproveitar a nova legislação de impostos sobre veículos de 1000 cm³, chegava a versão 1000, com motor 1.0 derivado da família CHT da Ford (fruto da união Autolatina), totalmente básico e sem nenhum luxo, focando na facilidade de produção e baixo preço de venda.

Inaugurando um segmento no mercado nacional, o Golzinho 1000 trazia sob seu capô o motor Ford CHT (Foto: VW/divulgação)

Essa primeira carroceria do Gol, carinhosamente chamada de “Quadrada”, se manteve em linha por pouco mais de 15 anos no mercado nacional, ficando disponível até o final de 1995, se mantendo como uma alternativa mais barata a então segunda geração do modelo (chamada de Bolinha ou G2). Foram milhões de unidades produzidas, e o Golzinho quadrado se tornou um dos modelos mais marcantes da indústria automotiva nacional. Quem é que não tem uma boa história pra contar envolvendo um Gol, não é mesmo?

Foto: VW/divulgação
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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.