A Transamazônica, o petróleo da foz e a conservação da floresta


Foto de capa: reprodução/amazoniainvisivel.com
Dizer que as estradas rasgam a mata é a mais pura verdade. A rigor, ela divide a natureza em um lado ou outro, quebrando o fluxo genético que depende da migração de espécies que passam a ser atropeladas, muitas vezes de propósito, por motoristas que, devido às dificuldades passam a odiar tudo o que possa representar a selva e o selvagem. Hoje, as estradas representam vergões capazes de propiciar infecções na figura de garimpeiros, caçadores, contrabandistas de madeira e ruralistas predadores, para quem a floresta não é nada mais que um estorvo.

A Amazônia é realmente inóspita se considerando os meios atuais de transporte. A vida logística é tão difícil que há uma cidade chamada Feliz Natal: fica em Mato Grosso, e seu nome vem de que os caminhões não a conseguiam ultrapassar por ocasião das chuvas, obrigando motoristas a passar ali as festas de fim de ano.
Ocorre que a floresta está bem no caminho das safras e dos minérios. Hoje está em andamento a Ferrovia Oeste Leste cortando Mato Grosso, Goiás e Bahia, permitindo que as safras não precisem passar pela maior floresta do mundo para serem embarcadas. Na década de 1970, em plena ditadura militar, quando se forjava o Milagre Econômico, intenção era justamente manter a posse sobre o território, fomentando a migração. Os governantes de então tinham pressa, pois “A Amazônia é Nossa”.

Isso afastava as ferrovias como opção porque, além de oito vezes mais caras por quilômetro, requerem pontes portentosas para cruzar os gigantescos rios amazônicos, enquanto automóveis podem usar balsas, postergando o investimento. Não foram somente nordestinos a dirigirem-se para lá. Mesmo famílias de classe média do sudeste e sul acreditavam que as agrovilas implantadas ao longo da Rodovia Transamazônica pudesse trazer a riqueza do pioneirismo alardeado pelo American Way of Life.
Não seria possível abrir uma estrada na mata sem usar violência, muita violência. Contra as plantas, usou-se o 2.4D, também conhecido como Desfolhante Laranja, largamente empregado contra os vietcongs na luta de selva. Contra animais e indígenas, foram as cercas eletrificadas, quando não as balas. Em resumo, a ideia de que a mata fosse um estorvo não se resumia aos ruralistas, cuja intenção ao desmatar é somente visar ao ganho de capital, enquanto a criação extensiva de gado lhes garante a posse.

Acreditava-se que a tecnologia agropecuária mitigasse a ânsia por devastar, pois a ocupação altamente produtiva do Cerrado, assim como o melhoramento genético do gado, aliado às melhores práticas de manejo, poderiam levar o país aos píncaros do agronegócio mundial sem fomentar a devastação. Ocorre que os aventureiros intitulam-se como empreendedores quando, na verdade, ao contrário de quem investe, não passam de jogadores. Creem piamente que, assim como um garimpeiro pode encontrar uma pepita polpuda, ou um diamante digno das joias da coroa, a mera abertura de terras virgens traga-lhes a fortuna.

Poucas foram as agrovilas que prosperaram, a mata retomou o leito da estrada e, no que sobrou dela, rodam caminhões absolutamente precários, muitas vezes chassis motorizados com um assento para o motorista envolto em um resquício de carroceria, transportando madeira ilegal, bem como pedras e metais preciosos, obtidos com as piores práticas.

No segundo capítulo dessa série, vamos conversar sobre as dificuldades tecnológicas para implantação de uma rodovia em plena mata. Na terceira parte, o assunto são as questões ecológicas, enquanto no quarto capítulo, o tema será a geopolítica envolvida na ocupação da Amazônia. O quinto e último envolve a exploração de petróleo na foz do rio mais caudaloso do mundo e como isso pode financiar a proteção da mata e de todos os que dela vivem, incluindo humanos e animais.
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