VW Gol GTI, Chevrolet Kadett GSI ou Ford Escort XR3: qual era o melhor no começo dos anos 90?

Esse tema gerou acaloradas discussões lá no começo dos anos 90, há cerca de 30 anos. O páreo era duro, pois os três tinham lá suas qualidades e defeitos, e a briga pela performance, que, na realidade, dita o melhor esportivo, era acirrada. Cada um com suas características, eles dividiam também a preferência do público, pois havia os fãs da VW, que idolatravam o GTI, aqueles mais conservadores que faziam de tudo pela Chevrolet e pelas qualidades germânicas do GSI, e, por final, os que amavam o design charmoso dos Ford, o que incluía os XR3.

Tive a oportunidade de avaliar em Interlagos os três esportivos simultaneamente, em um trabalho dividido também com os jornalistas Eduardo Pincigher e Bob Sharp, na época todos nós integrantes da área técnica da Revista Quatro Rodas. Claro que cada um de nós tínhamos nossas preferências pessoais, mas em uma análise profissional como jornalista especializado, mantínhamos neutralidade, avaliando apenas os números e dados dos testes, para decidir qual era o melhor desse trio.

Eu, Bob e Edu colocamos os esportivos para um tira-teima em Interlagos, claro que para uma pauta da Quatro Rodas (Foto: reprodução/Revista Quatro Rodas)

Esse tira-teima, grandioso, foi publicado na edição de fevereiro de 1993 da revista, e os carros estavam tinindo de novidades: o Gol GTI tinha novas e provocantes cores que fugiam do tradicional azul Mônaco de 1988, o GSI ganhava injeção eletrônica e novas relações de câmbio há cerca de 1 ano, e o XR3 era o que mais ostentava melhorias, com nova geração, carroceria inédita e o mesmo motor AP-2000, mas injetado e colocado na posição transversal.

O Gol era o mais velho do trio, e com relação àquele de 1988, já tinha a frente chamada de “chinesa”, com faróis mais estreitos, rodas orbitais e as cores mais vivas, como amarelo, vermelho e por aí vai. Seu 2.0 AP, com injeção eletrônica, já tinha perdido um pouco de potência, já que a lei antipoluição exigia a utilização de catalisador e uma nova recalibração do sistema de alimentação. Dos 125 cv e 19,5 mkgf atingidos em 1991, seu auge, em 1993, na ocasião do teste, ele já rendia 112 cv e 17,5 mkgf. Perdas expressivas.

Com projeto mais antigo, o Gol perdeu potência com os novos limites de emissões. Mas não devia nada aos rivais, pelo contrário (Foto: VW/divulgação)

Mas isso não tirava o brilho da performance destacável do GTI quando comparado aos seus dois concorrentes nacionais. Ele, ainda assim, continuava sendo mais rápido nas acelerações, e nas retomadas também se sagrava o mais ágil. O sistema analógico LE Jetronic e o comando EZK da ignição eletrônica tiravam o máximo proveito do conjunto mecânico do carro.

O AP-2000 do GTi tinha a injeção LE-Jetronic e sistema de ignição eletrônica EZK (Foto: VW/divulgação)

Além disso, outro ponto de destaque era o acerto freio/suspensão: para um carro daquela época, ele era bastante equilibrado, mesmo com o projeto de mais de uma década. Quando você começava a superar a aderência dos pneus, ele apresentava uma leve tendência a escapar com a traseira, mas de maneira suave e de fácil controle do motorista, com leve sobreesterço no volante. E, apesar do freio traseiro a tambor e não ter ABS disponível, o GTI frenava com competência.

Bem desenvolvido pela engenharia da VW, o GTI era rápido para acelerar, parar e contornar curvas (Foto: VW/divulgação)

O Kadett GSi era ainda mais alemão que o VW GTI, em que pese o fato da Chevrolet ser norte-americana. O carro vendido aqui no Brasil era muito semelhante ao encontrado no exterior, inclusive na Opel alemã, enquanto o design e a mecânica também se aproximavam bastante do modelo germânico. O Gol GTI era um projeto totalmente brasileiro, e feito pela nossa engenharia com componentes alemães.

O Kadett, apesar da GM ser americana, era um projeto Opel alemão (Foto: GM/divulgação)

O GSI tinha algo a seu favor em função de um projeto mais moderno: o trem-de-força disposto transversalmente, melhorando a distribuição de peso do carro e acertando o peso no eixo dianteiro de forma mais equilibrada, melhorando seu comportamento em curvas. Na prática, o fato de o Gol ter motor longitudinal e o GSI, transversal, pouco influenciava na performance em curvas, já que o Chevrolet, no limite de aderência, mostrava a mesma dinâmica do VW, com uma leve “escapada” da traseira, mas com correção fácil pelo movimento do volante.

O GSI tinha a melhor distribuição de peso, e também podia dar uma leve escapada de traseira quando exigido ao limite, assim como o GTI (Foto: Chevrolet/divulgação)

Nas frenagens, assim como o Gol, o Kadett era duro e reto, em que pese o limite de aderência dos seus pneus. No Chevrolet também estavam presentes os discos de freio nas quatro rodas, garantindo maior equilíbrio nas frenagens. E o Kadett GSi não requereu catalisador para atender aos novos limites de emissões por conta do motor mais moderno, em especial o cabeçote de fluxo cruzado.

Seus atributos incluíam freio a disco nas quatro rodas e cabeçote de fluxo cruzado (Foto: Chevrolet/divulgação)

Por último, mas não menos importante, o Ford XR3 era o que mais tinha novidades a serem mostradas, o que incluía a nova geração, apelidada popularmente de “sapão”, além do 2.0 AP com injeção digital (o GTI tinha analógica), e as virtudes de um projeto contemporâneo com a Europa. O interessante é que o Escort dessa geração, também projeto da Ford alemã pelo designer Helmuth Schrader, aqui no Brasil usava motor VW, e lá na Europa eles eram concorrentes. Coisas da época da Autolatina, fusão entre Ford e VW entre os anos 80 e 90.

O XR3 estava transbordando novidades e melhorias. Seu motor de 1.984 cm³ era o mesmo do Gol, mas com formação de misturam ar-combustível mais moderna (Foto: Ford/divulgação)

Por aqui, o nosso XR3 teve muito trabalho da engenharia da Autolatina, e sua maior parte era feita pela equipe da Volkswagen. Um carro interessante, mas que não mostrava a mesma disposição do Gol e do Kadett, quer seja nas acelerações, nas retomadas e até nos contornos de curvas. Um problema sério constatado no teste, principalmente quando os veículos foram mais exigidos em Interlagos, era com relação a barra estabilizadora dianteira, que, quando utilizada em seu limite de torção, deixava escapar a borracha de um dos lados da suspensão.

O carro era bom em desempenho, mas ficava aquém de Kadett e Gol (Foto: Ford/divulgação)

Bob Sharp, quando corria com o carro na pista, na curva do Pinheirinho, passou por essa experiência: o carro soltou sua barra estabilizadora, e depois de um forte estalo, começou a sair violentamente de frente, comprometendo a aderência e performance em curvas. Era um problema de um carro recém-lançado, e que bem provavelmente deve ter sido corrigido pela engenharia algum tempo depois, reforçando as borrachas de fixação da tal barra.

Por ser mais pesado, o Escort acabou não andando tanto quanto seu “irmão de coração” Gol GTi (Foto: Ford/divulgação)

Alguém pode perguntar: se era o mesmo motor do Gol GTI, porque é que o XR3 não andava tanto quanto o VW? A resposta é simples, e se resume no peso dos carros: o Escort era cerca de 100 kg mais pesado que o GTI, e esse fato em si já comprometia a performance geral do carro. Diferentes relações de marchas também impactavam no desempenho do Ford.

Nesse dia do teste comparativo, em Interlagos, no final, depois das fotos dos carros feitas, resolvemos partir para uma corrida definitiva: eu no Gol GTI, Eduardo no Kadett GSI e Bob no Escort XR3. Por sugestão do Bob, alinhamos os três carros na linha de largada do autódromo, e saímos juntos. Na freada do S do Senna, eu já liderava fácil com o VW, que mostrava-se bem melhor e mais ágil nas acelerações. Contornamos a curva, GTI, GSI e XR3, o mais lento, nessa ordem, em que pese o esforço e experiência do Bob ao volante do Ford.

Na freada da descida do lago, o Gol, por ser o que pesava menos, abriu um espaço ainda maior. Eu ia monitorando os outros dois pelo retrovisor, e sentia que o Gol liderava com relativa facilidade. Após fazer a curva do lago, seguimos para o Laranjinha, uma curva veloz em subida a direita. No meio dela, eu passei um pouco do ponto, e o GTI deu uma ligeira escapada de traseira, o que me obrigou a tirar o pé do acelerador e corrigir a trajetória.

Sequência ficou clara nas fotos: Gol quase sempre liderando, Kadett no meio e XR3 em terceiro (Foto: reprodução/Quatro Rodas)

Claro que meu colega Pincigher, quando viu meu erro, enxergou a oportunidade de passar o Kadett por dentro e me ultrapassar, mas, o carro dele também passou do limite e deu a mesma saída de traseira. No final, eu e ele tivemos que seguir o mesmo procedimento, de tirar o pé e corrigir. Não ganhamos nada com isso, e a distância entre os carros permaneceu igual. Bob assistiu aos dois erros de camarote, vindo atrás com o Ford, mas não podia fazer nada com a performance limitada do XR3. No pinheirinho, sua barra estabilizadora dianteira soltou, e aí sua performance foi completamente comprometida.

Terminamos a volta, o GTI abriu um pouquinho de distância sobre o GSI, e acabei cruzando a linha de chegada sozinho, uns três carros à frente do Kadett, e lá atrás, com problemas de estabilidade, encerrava a corrida o Escort XR3. O resultado da nossa pequena peleja mostrou bem a realidade dos três carros quando o assunto é performance: o GTI em primeiro, GSI em segundo e XR3 em terceiro, em que pese seu charme e design bastante atual. Hoje, o trio virou peça de coleção, e são colocados no pedestal de nossos esportivos mais icônicos e desejados por aqueles que gostam desse tipo de carro.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.