Gordini novinho batido: Culpa do Carlinhos, que roubou as chaves do carro do pai

Esse “causo”, se me lembro bem, ocorreu lá em meados dos anos 60, mais precisamente em 1965. Nessa época, eu tinha 11 anos de idade e os colegas da minha turminha tinham idades semelhantes. Éramos cerca de 10 amigos e morávamos nesses conjuntos de prédios populares, com quatro andares e muitos apartamentos por unidade.

Nessa faixa etária, a garotada apronta muito, e claro que a nossa turminha não era diferente. Os carros eram nossas paixões: Quando estávamos todos juntos, se falava nesse ou naquele modelo e todos queriam demonstrar seus conhecimentos sobre as pequenas diferenças entre eles a cada ano.

Aquele que soubesse dirigir, era tido como o grande herói da turma. Nessa época, meu pai possuía um Fusquinha 1200 ano 1961 e, sempre que ele deixava ou bobeava, eu fazia pequenas manobras ou movimentava a fogosa máquina para frente e para trás. Era pouco, mas por isso já era considerado um destaque da molecada. Além de ligar o motor, eu fazia o carro andar em pequenos trajetos. Um orgulho!

Mas, algumas vezes, dirigir por um pequeno percurso tinha um preço alto: Eu tinha que lavar e, uma vez por mês, polir o danado do Fusquinha. Mas o trabalhão valia a pena pela sensação indescritível de conduzir aquela máquina por alguns poucos segundos.

Meu pai, seu João, tinha na época um Fusquinha 1200. Eu, claro, sempre que podia movimentava o possante de lá pra cá (Foto: VW/divulgação)

Pois bem, nesse contexto outros amiguinhos de 10 ou 11 anos queriam atingir o meu status de mini-motorista. Para isso, alguns utilizavam de recursos pouco convencionais como, por exemplo, roubar a chave do carro do pai para forçar um aprendizado do tipo flash, rápido e eficiente.

Nesse imbróglio estava meu amigo da turminha do barulho, chamado de Carlinhos, mas que era apelidado de “Patinho”, porque ele andava com os pés abertos, parecendo um pato. O Seu Ieda, pai do Patinho, tinha um Renault Gordini 1962. Na época, um carro azul-marinho novinho, que a família só usava para curtos passeios nos finais de semana.

Durante toda semana, o reluzente Gordini ficava guardadinho numa vaga de garagem que ficava ao lado do prédio onde eles moravam. Um belo dia, Patinho chegou junto a turma (estávamos em pelo menos em seis moleques) balançando as chaves do Gordini, se mostrando para os amigos. Ficamos todos ligados: o que é que o Patinho ia aprontar?

Depois de conversar algumas poucas amenidades com a gente, Patinho foi para onde estava o reluzente Gordini. Ficamos todos olhando incrédulos: O Patinho não sabia guiar nem mesmo a sua bicicleta, o que ele pretendia fazer com as chaves do possante do seu pai? Toda a turma ficou olhando de longe.

Metido, ele abriu o Gordini e imediatamente deu a partida no motor. Deixou a máquina aquecendo por alguns minutos e, para nossa surpresa, tomou a posição da direção onde mal alcançava os pedais e batia na metade do volante. Só para assanhar a molecada ele deu alguma aceleradas no carro, como se soubesse perfeitamente o que estava fazendo.

De repente, Patinho engrenou uma primeira marcha, acelerou forte (muito acima da média) e largou com o possante como se estivesse em uma arrancada na largada de uma corrida de Fórmula 1.

Como um corisco

O Gordini azul-marinho saiu da vaga como se fosse um corisco. Mas eu acho que o Patinho também se assustou com a sua exuberante largada e esqueceu de virar o volante o suficiente para desviar da parede do prédio. Não deu outra: o pobre e, até então, imaculado Gordini bateu com o lado direito da frente e ali mesmo desfaleceu.

Rapidamente, o Gordini saiu da vaga que estava…e foi bater na parede do prédio (Foto: Renault/divulgação)

O desesperado Patinho desceu do carro, e quando viu o parachoques afundado na lataria, painel frontal e para-lama direito completamente deformados pelo impacto, colocou a mão na cabeça em desespero e começou a chorar, pois sabia o que estava por vir.

A turma toda, quando ouviu o barulho do impacto, correu para o local da burrada do Patinho. Imediatamente, surgiu seu irmão do meio, o Arnaldinho, que devia ter uns 15 ou 16 anos, e, quando viu o “serviço” do irmãozinho, de bate-pronto deu-lhe um tremendo safanão seguido de um tapa na cabeça que estalou até nos meus ouvidos, com a frase que certamente o Patinho não queria ouvir: “o papai vai te matar quando souber que você pegou a chave do nosso carro escondido e ainda por cima o destruiu!”

Na realidade, nós da turma nunca soubemos o que realmente aconteceu com nosso amigo Patinho, pois ele nunca nos contou. Mas, certamente, as penas não foram brandas, pois ele teve ter tomado uma surra da mãe, Dona Rute e, quase que certamente, outra do pai, o Sr. Ieda. Além disso, ele ainda ficou recluso no apartamento por mais de um mês, de castigo, até que voltou frequentar a turminha. Mesmo assim, nunca mais falou absolutamente nada sobre o episódio.

Por isso, meu caros leitores e leitoras, não bobeiem com as chaves de seus possantes, pois a molecada está atenta. No menor vacilo podem aprontar uma daquelas.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.