O que aconteceu no “acidente” com o Gol GTi de Ayrton Senna?

(Da esquerda para a direita na foto de capa: Leonardo Senna; Ayrton Senna; Christian Schues – da área de vendas para exportação; Ronaldo Berg e o engenheiro Luiz Antônio da Silva, designado para a VW Motorsport. Foto: Imprensa VW)

Era 1988 quando nosso inesquecível tricampeão de Fórmula 1 conquistou seu primeiro título mundial com a vitória sobre Alain Prost no GP do Japão, em Suzuka, no dia 30 de outubro. Um de seus principais patrocinadores e apoiadores, o extinto Banco Nacional, resolveu presenteá-lo pelo feito na época com o recém-lançado e badalado Gol GTi. O Banco Nacional optou por comprar o carro diretamente da Volkswagen, e as pessoas envolvidas na escolha dessa unidade que serviria ao campeão resolveram caprichar.

Pode parecer estranho hoje um presente desses, mas por aí pode-se perceber o impacto do Gol GTi no mercado, o que o veículo significou na época, podendo considerar o VW esportivo uma fenômeno.

No pátio de carros prontos da fábrica, localizada na cidade paulista de Taubaté, onde se encontra a unidade fabril que na época produzia o Gol “quadrado”, os técnicos procuraram uma carroceria excelente, aquela em que todos os ajustes da estrutura estavam perfeitos.

Esse carro pronto, que aguardava no pátio para ser enviado a uma concessionária, foi levado para fábrica-sede em São Bernardo do Campo, mais precisamente à Ala Zero, uma espécie de super-oficina na fábrica da Volkswagen responsável pelas revisões dos carros da frota interna e solução dos problemas que a rede de concessionárias não conseguiam resolver. Basicamente, uma oficina modelo da Volkswagen.

Eles fariam a revisão de entrega e os detalhes de um carro campeão que presentearia outro campeão. Resolveu-se também que o motor e o câmbio seriam substituídos por outras unidades melhor fabricadas, que desenvolviam mais potência no caso do motor e menos ruído no caso da transmissão.

Ayrton Senna na Ala Zero no dia da entrega do seu GTi (Foto: Imprensa VW)

Ronaldo Berg, gerente Assistência Técnica ao Produto da VW na época e responsável pela Ala Zero, onde a revisão de entrega do carro de Senna seria feito, se encarregou de pedir à engenharia uma dupla motor/câmbio que se destacasse pelo melhor desempenho e funcionamento. Uma equipe de mecânicos foi destacada para o serviço refinado no carro do campeão.

O esportivo de Senna foi colocado em um elevador, ligeiramente erguido para a retirada das rodas dianteiras, que foram devidamente colocadas no porta-malas, já forrado com papel-manteiga para não sujar. Iniciou-se a retirada do conjunto motor/câmbio original, que seria substituído por aquele outro especialmente escolhido.

O GTi especial foi então totalmente erguido no elevador para que se completasse a retirada do trem de força original. Nesse momento, quando os mecânicos abaixaram o motor e o câmbio original, momentaneamente, a frente ficou vazia, sem o peso da mecânica. Enquanto isso, o porta-malas estava cheio, com o estepe original mais as duas rodas dianteiras, tudo pesando na extremidade traseira, enquanto a frente estava leve, sem absolutamente nada.

O resultado foi algo surpreendente: o carro girou no ar, em uma espécie de cambalhota aérea, caindo ao chão com as quatro rodas para cima. Um susto tremendo para todos os presentes e, por sorte, não machucou absolutamente ninguém.

O Gol GTi do nosso campeão Ayrton Senna estava totalmente perdido sem que ele, Ayrton, tivesse sequer visto o carro. Mas nem tudo estava acabado, afinal de contas isso tudo aconteceu dentro da fábrica que produzia diariamente o famoso esportivo em Taubaté. O primeiro carro do Ayrton foi dado como perda total, nada podia se aproveitar daquela unidade especialmente escolhida.

O processo de escolha de um outro carro foi reiniciado. Na fábrica de Taubaté, escolheu-se um novo GTi de carroceria perfeita, carro também enviado para a Ala Zero. Os mecânicos substituíram o conjunto motor/câmbio originais do segundo carro por aquele especialmente escolhido pela engenharia. Mas, desta vez, o carro foi amarrado ao elevador para que não cometesse o “suicídio” do primeiro.

Houve a solenidade de entrega do carro no início de 1989, na mesma Ala Zero, com a presença do nosso campeão Ayrton Senna e de representantes da Volkswagen, do Banco Nacional e inclusive de Ronaldo Berg, responsável pela Ala Zero, que me contou os detalhes desse episódio, que hoje faz parte das histórias de bastidor de nossa indústria automobilística.

Esse Gol GTi ficou com a família de Senna, pelo que apuramos, até 1996, utilizado no dia a dia por Leonardo Senna, irmão do nosso inesquecível campeão. Se você sabe onde se encontra esse carro, conte, porque temos grande curiosidade de saber por onde ele anda, afinal ele é uma verdadeira joia do automobilismo brasileiro.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.