Carro é lugar de namorar sim, “ora pois!”

Esse é um daqueles “causos” mais inusitados que aconteceram nas quase cinco décadas de minha carreira profissional como jornalista na área automotiva. Como editor técnico de uma revista especializada, fui convidado, em meados dos anos 90, a participar do lançamento mundial de um novo carro da Mercedes-Benz que aconteceria em Portugal. Não lembro o modelo exato, mas era um sedan de médio-grande porte.

Como o novo carro, na época, era relevante para os leitores da revista para qual trabalhava, aceitei o tal convite e rumei para o Velho Continente, mais especificamente para as adoráveis terras portuguesas. O evento, destinado a toda imprensa mundial, como não poderia deixar de ser para um Mercedes, foi repleto de muita pompa. Os alemães não economizaram para apresentar sua mais nova criação ao mundo.

Depois das apresentações técnicas cabíveis, em que os alemães mostravam em detalhes o novo carro da marca, os jornalistas de todo mundo juntaram-se em duplas para o test-drive, que mostraria na prática as verdadeiras qualidades do novo carro.

A novidade que testávamos, um Mercedes sedan médio-grande, teve seu test-drive dividido em duplas (Foto: Mercedes-Benz/divulgação)

Como na época ainda não existia a facilidade de um GPS ou Waze, hoje tão comuns, era necessário que o jornalista que estivesse de passageiro fosse com um mapa nas mãos, indicando ao motorista qual o caminho deveria ser seguido. Dessa forma, eram possíveis test-drive de 100 a 150 km por trechos, em que rodávamos por regiões desconhecidas por horas a fio, avaliando o novo carro.

Essa prática era tão corriqueira entre os fabricantes do mundo, que era comum fazermos esse tipo de test-drive em qualquer país do mundo. Todos se viravam e acabavam chegando ao seu destino, com a impressão exata de como era o novo carro que estava sendo testado.

Pois eu, nessa ocasião, fiz o test-drive do tal Mercedes com o jornalista Heymar Lopes Nunes, de uma outra revista especializada. Como rodávamos muito e por regiões desconhecidas, era fundamental saber das qualidades de motorista do profissional que dividiria a avaliação do carro contigo. Heymar, além de amigo, era um motorista bem confiável e, por isso, eu o escolhi para fazer dupla.

Belas estradas e um lugar para as fotos

O test-drive escolhido pela Mercedes era na badalada região do Algarve, que, além de muito bonita, possuía ótimas estradas com trechos planos para se desenvolver alguma velocidade, além de outros trechos sinuosos beirando o mar em região montanhosa. Lá poderia ser um ótimo pano de fundo para as fotos do novo carro.

Foi exatamente nesse trecho que o fato inusitado ocorreu. Maravilhados com a paisagem da estradinha sinuosa que serpenteava o mar, resolvemos, eu e o meu companheiro de teste, fazer por ali algumas fotos do novo Mercedes que certamente agradariam nossos leitores. Andando na estreita estrada, tínhamos o mar a nossa esquerda e, nesse ponto, meu colega Heymar é quem dirigia o carro.

Heymar hoje é dono do Heycar News, presente no YouTube e também na web (Foto: Reprodução/Heycar News)

Fiz um alerta: “assim que aparecer um mirante que tenha o mar e pedras de fundo, pare o carro para fazermos algumas fotos”. Rodamos por alguns quilômetros e nada de um lugar para pararmos o carro. Repentinamente, surgiu uma área excelente, ideal para o trabalho e fotos que queríamos fazer. Além disso, para a nossa sorte, não haviam carros parados por lá, com exceção de um pequeno Peugeot 106.

O Peugeot de porta aberta, mas sem ninguém por perto

Mas era um carro só, ainda pequenininho. Não ia atrapalhar as fotos do Mercedes. Tudo era uma questão de posicionar corretamente o sedan alemão para as fotos. Quando fomos estacionando, paramos de frente ao pequeno Peugeot que, na realidade, estava estacionado em sentido oposto ao nosso. Achamos estranho o pequeno carro estar lá, com a porta do passageiro aberta, mas não víamos ninguém por perto nem dentro do carro.

Tudo aconteceu muito rápido! Paramos o carro de frente ao 106, olhamos ao redor sem ver nada ou ninguém, apenas aquela linda paisagem e o som do mar batendo nas pedras. Quando estávamos nos preparativos para a primeira foto do Mercedes, vimos uma cabeça masculina aparecer na altura do volante do Peugeot e, logo depois, outra cabeça feminina aparecer do lado. A dupla, dentro do pequeno carrinho, nos olhava assustada, como se fossem crianças pegas aprontando.

Naquela bonita paisagem, lugar perfeito para a foto do Mercedes que testávamos, tinha apenas um pequeno Peugeot 106 com a porta-aberta (Foto: Peugeot/divulgação)

Nesse momento, eu e o Heymar entendemos perfeitamente o que acontecia. O casal português, apaixonado com aquela paisagem exuberante, se empolgou e resolveu, ali mesmo, dar uma rápida namorada nos bancos dianteiros do pequeno Peugeot. Na porta do passageiro aberta ficavam as pernas dos românticos namorados e, dessa forma, eles davam vazão à exuberância de seu amor.

Única coisa que aqueles pombinhos enamorados não contavam era com aqueles brasileiros “malas” que cismaram de fazer fotos justamente ao lado de seu improvisado ninho de amor. Heymar, vendo a cara de assustado do casal, imediatamente me disse: “vamos cair fora daqui! Acho que chegamos em um momento inadequado!”.

O motor do “Mercedão”, não chegou sequer a ser desligado. Engatamos o carro e saímos rapidinho da cena do crime, ou será da cena de amor? O fato é que caímos fora dando boas gargalhadas da cena inusitada que havíamos nos deparado.

Acreditamos que o romântico casal português esteja xingando a gente até hoje, afinal interrompemos um maravilhoso momento de amor dentro daquele Peugeot. Quem disse que carro também não foi feito para namorar, ora pois?!

Quem não tiver uma boa história para contar de namoro dentro do carro, que atire a primeira pedra!

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.