Maverick: o mito que só durou seis anos no mercado nacional (Parte 1)

O Ford Maverick foi um desses carros do mercado nacional que hoje é cultuado como um mito apenas por aqueles que não conhecem sua verdadeira história no Brasil. Atualmente, quando se fala em Maverick, todos remetem seus pensamentos para a versão GT V8 que era equipada com o conhecido motor de 5.0 litros que, com carburador de corpo duplo original, chegava a produzir 197 hp SAE (potência bruta). Se isso fosse medido na norma ABNT, que se tem como padrão atual, ele não teria mais do que 140 cv.

Mas, na época, equipando um carro que pesava cerca de 1.400 kg, ele chegava a acelerar de 0 a 100 km/h em aproximadamente 11 segundos, tempo não muito superior ao de um bom hatch 1.0 de nosso mercado atual. E esse era o Maverick GT que fez a fama do modelo. Os outros, equipados com motores de quatro e seis cilindros, eram mais lentos…

Sua chegada ao mercado Norte-Americano se deu em 1969, substituindo o Falcon (Foto: Ford/divulgação)

Lançado no mercado Norte-Americano em abril de 1969, o Maverick veio no rastro do sucesso do Mustang, esportivo que até hoje encanta corações. Os técnicos em marketing da Ford, na época, pensaram em um produto com as mesmas características de esportividade e modernidade do clássico Pony Car V8, mas custando bem menos e atingindo uma maior parcela de consumidores. O Maverick era uma espécie de Mustang destinado a um público de menor poder aquisitivo.

De início, ele era oferecido apenas como um coupé de duas portas e carroceria fastback, para acentuar seu lado esportivo. Posteriormente, foi lançada uma versão familiar, estilo sedan, com quatro portas. Nos EUA, ele compartilhava a plataforma mecânica com seu antecessor Falcon, o que incluía a motorização composta por um 2.8, um 3.3 e, algum tempo depois, um 4.1, todos de seis cilindros em linha.

De início, apenas carroceria coupé com duas portas, movida por uma mecânica não muito moderna (Foto: Ford/divulgação)

Na transmissão, que despejava a força do motor nas rodas traseiras, câmbio manual ou automático, ambos de três velocidades (substituídos, no futuro, por caixas de quatro marchas). Com o passar do tempo, ele perdeu o motor de menor cilindrada, ganhou um 2.3 de quatro cilindros no lugar, e, claro, teve também o V8 de 5 litros. Ele se despediu do mercado do Tio Sam em 1977 após quase 2,5 milhões de unidades produzidas, um sucesso relativo para lá.

No Brasil: bem diferente…

A estreia do carro no Brasil foi no Salão do Automóvel de 1972, e estreava com o mesmo estilo fastback norte-americano (Foto: Ford/divulgação)

Alguns anos depois da aposentadoria do Aero-Willys e Itamaraty, produtos da Willys Overland, que pertencia à Ford, o Maverick americano chegava por aqui no começo dos anos 70. Sua primeira aparição para o público brasileiro foi no Salão do Automóvel de 1972. Nessa época, estava avançado o processo de fabricação do modelo em instalações nacionais, e ele já tinha um rival a ser combatido: o GM Opala.

Assim, o Ford Maverick foi lançado logo no primeiro semestre de 1973. As vendas se iniciaram em junho daquele ano, onde o comprador poderia optar por três versões: Super (ou S, sempre com motor 3.0), Super Luxo (ou SL, com motor 3.0 ou V8 opcional) e GT (Gran Turismo, esportiva só com motor V8).

Mais luxuosa, a versão Super Luxo vinha de série com o motor 3.0, mas podia ser equipado com o V8 opcionalmente (Foto: Ford/divulgação)

Algumas curiosidades já levavam o desastre ao lançamento do Maverick: em pesquisas realizadas pela Ford, que queria um novo sedan médio, o consumidor brasileiro mostrava alta preferência pelo desenho europeu do Taunus, fabricado na Alemanha. Mas os dirigentes da subsidiária brasileira jogaram toda a pesquisa no lixo, apostando no feeling que dizia que o consumidor local gostaria mesmo do recém-lançado Maverick norte-americano.

Além disso, o Taunus europeu utilizava motorização diferente daquela já existente por aqui, e tinha características construtivas muito refinadas, o que encareceria o projeto. O Maverick era mais barato e poderia acomodar em seu cofre o que seus antecessores já utilizavam. Foi na contramão do Opala, que unia o melhor de dois mundos com o design europeu (harmonioso) e motorização norte-americana (robusta), um acerto e tanto da GM da época por aqui. Essa, provavelmente, foi a causa do sucesso do Chevrolet e do fracasso do Ford.

A Ford, contrariando as pesquisas de mercado, apostou no feeling com o Maverick no Brasil. Na foto, a versão esportiva GT (Foto: Ford/divulgação)

Outra falha na estreia do Maverick foi a falta de sincronismo entre o início de produção do moderno motor 2.3 de quatro cilindros, que vamos falar mais pra frente, com o lançamento inicial do carro em 1973. A Ford tinha o carro pronto, mas sua fábrica de motores não. A solução? Reviver o arcaico e obsoleto propulsor de seis cilindros em linha e 3.0 litros que equipava o Aero, Rural e Itamaraty, e colocá-lo como motor padrão do novo Maverick.

Esse 3.0, de 112 hp SAE (algo em torno dos 75 cv atuais), era pesado, pouco potente, consumia muito combustível e tinha durabilidade em xeque, isso sem falar da falta de modernidades construtivas. Como trabalhava com uma transmissão manual de apenas 3 velocidades, deixava o Maverick com desempenho pífio. A prova de 0 a 100 km/h, por exemplo, não era cumprida em menos de 20 segundos.

Outro erro foi reviver o obsoleto 3.0 de seis cilindros em linha, com projeto antigo. Quem se salvava eram as versões V8 (Foto: Ford/divulgação)

A escolha da carroceria de duas portas e estilo fastback para a estreia também foi infeliz: com entre-eixos limitado em 2,61 metros, o espaço e acesso para o banco traseiro era bem ruim, isso sem falar das enormes e pesadas portas, que dificultavam para serem abertas e fechadas (principalmente nas descidas ou subidas). Como os seis cilindros não dispunham de direção hidráulica de início, nem como opcional, o sistema era muito multiplicado, ou seja, exigia várias voltas de batente a batente, além de cansar o motorista pelo peso.

As primeiras unidades também sofriam com problemas de superaquecimento do motor 3.0, que logo subia de temperatura quando muito exigido, ou sistema de freios subdimensionado, que não dava conta do recado de parar o Maverick com eficiência. Eram problemas atrás de problemas.

Interior era luxuoso, mas apertado na carroceria de duas portas (Foto: Ford/divulgação)

Motor V8 amenizava as falhas

A versão GT V8 302 pol³, de 5.0 litros e importado da América do Norte, sem dúvidas, era um ponto fora da curva. Pelo menos em termos de performance, onde se mostrava muito superior aos seis cilindros. Com torque que beirava os 40 mkgf brutos, o Maverick V8 tinha arrancadas mais vigorosas e retomadas de velocidades dignas de esportivos para a época. Sua velocidade máxima na casa dos 180 km/h fazia dele um dos automóveis mais rápidos da década de 70 no Brasil.

V8 fazia do Maverick um dos carros mais rápidos do Brasil na década de 70 (Foto: Ford/divulgação)

A direção de respostas lentas, freios subdimensionados, suspensão traseira feita através de feixes de mola, que deveriam garantir também a estabilidade lateral da carroceria, não davam conta do recado. Na prática, o Maverick GT era um carro bastante difícil de ser guiado, em especial nas altas velocidades. Ainda assim bonito e tinha lá seu charme, contando com diferenciais como rodas e pneus mais largos, adereços esportivos e adesivos, instrumentação completa e, de quebra, interior com bancos separados e alavanca do câmbio manual de quatro marchas no assoalho.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.