É Hora de Falar de Petróleo (Parte 2/3)

Para os americanos, até os anos 1960, mais que ganhar numa loteria qualquer, a maior expectativa de ficar rico, num piscar de olhos, era encontrar petróleo em seu quintal. O seriado cômico “Família Barnabé” talvez seja o exemplo mais popular desse sonho como programa de TV. Em oposição, baseando-se numa dinastia, Dallas também refletia a pujança do petróleo em território americano.

A série Dallas era uma das que mostrava a punjança do petróleo (Foto: divulgação)

Ocorre que, apesar de a legislação americana dar aos proprietários da terra o direito de explorar o subsolo, a prospecção e extração de petróleo é tão dispendiosa que torna fantasiosa qualquer possibilidade de um pobre mortal ficar milionário nesse ramo. Quando muito, terá um padrão de vida invejável a partir dos royalties advindos do arrendamento dos direitos sobre o ouro negro, se tiver terras que comportem um número razoável de poços.

Ao contrário do que se vem propalando no Brasil, a concentração do mercado nas mãos de poucos não é fruto da legislação, mas das leis mais básicas de Economia, mais propriamente, da microeconomia.

A tabela a 1 esquematiza as variações de mercado, bem como as condições necessárias para que ocorram. As duas primeiras colunas indicam a quantidade relativa entre consumidores e fornecedores. A terceira coluna mostra o nível de investimento necessário para adentrar o mercado.

Tabela 1: Tipos de Mercado (Elaborada pelo autor)

Usando o termo em economês, vejamos como funciona a indústria do petróleo. Primeiro, é preciso prospectar, ou seja, utilizando características geológicas como a formação sedimentar do solo, faz-se uma aposta em que ali se possa encontrar petróleo. Grosso modo, passam-se a fazer perfurações e, se a empresa tiver muita sorte, a cada cinco furos, de um deles jorra petróleo.A quarta coluna, também chamada de custo de abandono, apresenta a quantidade de capital de que se abre mão para sair do mercado. A quinta coluna mostra quem dita o preço e a sexta indica o tipo de mercado conforme a nomenclatura microeconômica.

A extração não é fácil: a cada cinco furos, um deles jorra petróleo. Isso se a empresa tiver sorte… (Foto: reprodução/Shutterstock)

Imediatamente, tampa-se o poço para não desperdiçar, continua-se a perfuração a fim de determinar o formato no sentido horizontal e inferir a variação de profundidade, até obter uma simulação tridimensional do campo. Isso permite traçar a estratégia de extração, tal que o aproveitamento seja máximo com o menor esforço possível, sempre, sem prejudicar a durabilidade da jazida.

Entre a decisão por prospectar e o início da extração, lá se vão entre quinze e vinte anos de investimento, que sobe à casa de bilhões de dólares. Voltando ao quadro 1, já se deduz que o número de produtores é muitíssimo menor do que o de consumidores. Sobram somente o oligopólio e o monopólio.

Nem mesmo o mais rico dos homens, ou a mais poderosa das instituições, correria o risco de prospectar petróleo para limitar-se à extração, pois o custo de abandono é incalculável. Deixar para trás anos de investimento em prospecção e equipagem para extração é inimaginável. Uma petroleira, a bem dizer, está presa a uma armadilha, numa arapuca de ouro, que vale muito, mas de onde não se consegue sair.

O abandono dos equipamentos de extração é caríssimo, então também refinar o petróleo acaba sendo um negócio mais interessante (Foto: Divulgação/Petrobrás)

É o refino que, além de ter menor custo de abandono, dá o maior lucro, visto transformar o mercado em concorrência monopolística. Essa modalidade de mercado é a em que o número de ofertantes pode ser grande, porém, pela marca e pela qualidade do produto, cada um dos participantes da indústria passa a determinar preço, atribuindo a si mesmo um certo grau de poder de monopólio.

Aliás, nenhum empresário gosta de participar de um mercado de commodity, justamente por não poder determinar preço. Daí dizer-se que a gasolina X é melhor que a Y ou que a rede de postos A presta melhores serviços que a B.

Sabendo-se que o sonho de toda a empresa de petróleo é ir do poço ao posto para otimizar lucro, sabendo-se, como visto no capítulo anterior, que todos trocam matéria-prima entre si para equalizar a densidade, é de se imaginar que todas se conheçam, o que torna essa indústria num cartel em sua base e tendendo ao concorrencial em seu topo.

Dissociar a extração do refino a machadadas, como se pretende no Brasil, fará com que a empresa destinada à extração perca, forçosamente, valor de mercado, pois não irá além do cartel da matéria-prima, pois seu valor de mercado tende à avaliação de suas jazidas. Enquanto isso, toda a tecnologia aparente, que lhe poderia atribuir poder de monopólio, fica ao desfrute do refinador, cujo valor de mercado em relação ao patrimônio líquido aumenta consideravelmente.

A separação do processo de extração com o de refinamento é injusta (Foto: Divulgação/Petrobrás)

A complexidade dessa indústria, de que aqui se deu uma leve pincelada, é tão grande que só há duas formas de manter esse mercado num nível aceitável para o restante da economia não quebrar: ou o Estado intervém, ou se mantêm seus participantes sob a mira das armas, como veremos no próximo e último capítulo.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.