FNM JK 2000: o primeiro carro brasileiro de alta tecnologia

Exatamente em 21 de abril de 1960, o Brasil conhecia seu primeiro carro de produção nacional com alto nível de tecnologia construtiva e avanços tecnológicos dignos dos bons modelos europeus. Na realidade, o FNM JK (Fábrica Nacional de Motores – Juscelino Kubitschek), que em 1964, depois do início do regime militar, trocou de nome para “2000”, era um carro desenvolvido pela Alfa Romeo para o mercado europeu, visando também os EUA, chamado de 2000 Berlina.

Produção do JK era carioca, mas seu projeto, Alfa Romeo, tinha origem italiana (Foto: FNM/divulgação)

O tal projeto foi um fracasso retumbante no Velho Continente e Terras do Tio Sam, e sua produção italiana nunca superou muito a casa das 1.000 unidades por ano. Como já havia a parceria entre a Alfa Romeo e a estatal FNM, para a produção de caminhões, a empresa italiana logo ofereceu seu projeto do sedan para a brasileira, que já tinha uma boa infraestrutura para a produção de veículos em sua fábrica de Xerém (RJ). As primeiras unidades do JK eram ainda montadas no Brasil com componentes italianos, mas logo o carro tornou-se 100% nacionalizado.

O Alfa Berlina e o FNM eram praticamente idênticos (Foto: FNM/divulgação)

Não era um carro barato por aqui, tanto que, na época, seu preço correspondia a cerca de 150 salários mínimos, que, hoje, com as devidas correções de inflação, seria o equivalente a mais ou menos R$330 mil. Sem dúvidas, destinados a poucos felizardos brasileiros.

Para a época, ele tinha seu preço: foi por alguns anos o carro mais caro do Brasil (Foto: FNM/divulgação)

Seu grande destaque ficava por conta da alta tecnologia empregada naquele projeto italiano, que surpreendia o mercado do Brasil, ainda em tempos de recuperação dos efeitos da Segunda Guerra. Nossa indústria automotiva estava engatinhando, embora desse mostras de ter um enorme potencial a frente. Mas o poder aquisitivo da população permitia apenas que o consumidor, em sua grande maioria, comprasse os Dolphine, Fusca 1200 e DKW, além de Romi-Isetta e outros, todos pequenos, econômicos, de projeto simples e baixo custo de manutenção.

Em tempos de Dolphine, Romi-Isetta, VW 1200 e afins, o JK era definitivamente um carro de alto luxo (Foto: FNM/divulgação)

Nesse contexto, o FNM JK se destacava como um carro de altíssimo luxo, uma vez que foi pensado e projetado também para o mercado norte-americano. Sedan de dimensões generosas, ele tinha motor de quatro cilindros com cabeçote em alumínio, duplo comando de válvulas, câmaras de combustão hemisféricas, com as velas dispostas no centro, válvulas de escapamento refrigeradas com sódio, carburador de corpo duplo com 34 mm, coletor de escape do tipo 4 em 2 e 2 em 1, além do câmbio de cinco marchas com primeira sincronizada, suspensão independente na dianteira (duplo triângulo) e eixo rígido com barra Panhard na traseira, freios a tambor de alumínio com aletas de resfriamento e pneus radiais.

Seu projeto de origem previa vendas também no exigente mercado norte-americano, portanto a Alfa Romeo o fez com capricho e muita tecnologia embarcada (Foto: FNM/divulgação)

Boa parte desses recursos era inédita em praticamente todos os carros comercializados no nosso país, sendo que os de produção nacional sequer sonhavam em possuir tantos recursos. Até mesmo o Aero-Willys, lançado um mês antes do JK, podia ser considerado um carro “tosco”, desprovido de muita coisa de série do FNM.

Espaçoso, o interior do JK, ou 2000, tinha um chamativo velocímetro de escala horizontal, onde o motorista conferia a velocidade do carro através da marcação de uma espécie de fita vermelha que percorria toda a numeração, sem falar no conta-giros ainda analógico, que funcionava graças a um cabo ligado diretamente na base do distribuidor, e marcadores de temperatura da água e pressão do óleo. Como o Alfa original era um projeto pensado também para os EUA, as preferências daquele tipo de consumidor influenciaram em alguns pontos do sedan europeu, como no posicionamento da alavanca de transmissão, fixada na coluna de direção, e nos bancos dianteiros inteiriços em couro, que reclinavam para virarem uma confortável cama.

Lado a lado, os FNM 2000 convencionais (direita) e o TIMB (esquerda) tinham suas maiores diferenças na dianteira (Foto: reprodução/Maxicar)

Já na sua fase como FNM 2000, ele teve até uma versão esportiva, inicialmente programada para se chamar Jango, em homenagem ao então presidente João Goulart. Por motivos políticos, quando a versão realmente chegou, em 1964, teve seu nome mudado para TIMB (Turismo Internacional – Modelo Brasileiro). Nesse caso, o motor 2.0 do TIMB utilizava a mesma fórmula do que movia o Alfa 2000 Berlina na Itália: tinha maior taxa de compressão (8,25:1) e dois carburadores horizontais de corpo duplo e 40 mm, que faziam sua potência subir dos originais 122 hp SAE para cerca de 131 hp SAE.

Embora não tivesse adereços especiais ou faixas decorativas, como é padrão em versões esportivas, o TIMB adiantava as linhas do que seria o futuro FNM 2150, lançado em 1969 no lugar do 2000 (tinha capô liso, grade mais baixa, parachoque sem garras, e suporte da placa de licença deslocado para baixo). O mesmo acontecia no interior do esportivo, que adotou bancos individuais na dianteira e uma alavanca de câmbio que saía do assoalho, além de detalhes como o volante em madeira. Essas também foram mudanças que se tornaram padrão para toda a linha do sedan FNM a partir de 1969.

No final das contas, em oito anos consecutivos de produção, os FNM JK e 2000, incluindo os TIMB, não tiveram muito mais do que 4.300 unidades produzidas em Xerém (Foto: FNM/divulgação)

Dentre JK e 2000, a linha de sedans da FNM até 1968 era bastante desejada, mas a produção carioca tinha suas limitações, tanto que dificilmente conseguiam fazer mais do que 500 carros em um ano inteiro. No final, antes da chegada do 2150, no Salão do Automóvel de 1968 como modelo 1969, números indicam que não muito mais do que 4.300 unidades dos FNM JK, 2000 e TIMB foram produzidos. Na próxima semana, não perca mais detalhes sobre sua possante e moderna motorização 2.0 de projeto italiano!

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.