Fiat Palio Citymatic com embreagem automática: seu uso e manutenção 24 anos depois

Lançado em meados de 1999 como linha 2000, o Fiat Palio Citymatic trazia o sistema de embreagem automática opcional, eliminando o pedal esquerdo e mantendo a alavanca manual. Não era a última palavra em inovação, já que nos anos 60 a DKW já havia lançado um sistema parecido chamado Saxomat (com embreagem acionada por contrapesos a vácuo), mas, diferente do referido sistema da DKW, a Fiat preparou um conceito mais atual para sua época, já na virada do milênio.

Citymatic não era pioneiro, mas tinha lá seu quê de novidade para a linha Palio (Foto: Fiat/divulgação)

Muito audaciosa à época, a fabricante italiana escolheu o Palio série especial 500 Anos com motor 1.0 de 61 cv a 6000 rpm e 8,1 kgfm de torque a 3000 rpm para estrear a tecnologia do Citymatic. Era uma ótima opção para quem quisesse descansar o pé esquerdo no trânsito, ou então para quem tivesse algum problema físico que impedisse a direção de um carro manual comum, já que o Citymatic era apenas R$738,00 (valor da época) mais caro que um Palio ELX com três pedais.

O Palio 500 Anos vinha bem recheado. Baseado na ELX, trazia direção hidráulica, vidros dianteiros elétricos, travas elétricas, rádio/toca-fitas, rodas de aço com calotas, apoios de cabeça traseiros, faróis de neblina, break-light, bancos e forros de porta em veludo azul, para-choques e retrovisores na cor do veículo, cintos de segurança dianteiros com regulagem de altura, retrovisores com regulagem interna manual, banco traseiro rebatível, limpador/desembaçador do vidro traseiro, comando interno de abertura do porta-malas, vidros verdes e para-brisa degradê. Como opcionais, além do sistema de embreagem automática, o modelo oferecia ar-condicionado e rodas de liga-leve aro 14 com pneus 175/65.

Itens de série eram interessantes na primeira fornada dos Citymatic (Foto: Fiat/divulgação)

Oferecido nas cores lisas Branco Banchisa e Preto Vulcano, e nas metálicas Azul Leader, Cinza Trend e Cinza Steel, o Palio 500 Anos, uma homenagem ao descobrimento do Brasil, era identificado pela logotipia das 5 estrelas nas laterais e um adesivo especial no vidro traseiro. Quando tinha o opcional de câmbio com embreagem automática, tinha, no porta-malas, a inscrição “Palio Citymatic” ao invés do “Palio ELX”.

Alavanca manual com só dois pedais por dentro, e emblemas dedicados por fora (Foto: Fiat/divulgação)

Tatiane Leonel, lá no ano 2000, ajudava sua amiga a escolher um carro 0 km, e o escolhido foi justamente a novidade em questão: Fiat Palio Citymatic. Na cor Cinza Steel, o modelo trazia a comodidade de uso que poucos carros manuais oferecem, e, no ar da novidade, encantou sua primeira proprietária. Toda a história ocorreu em Sorocaba, interior de São Paulo.

A história desse Citymatic Cinza Steel começou lá no ano 2000, em Sorocaba (SP) (Foto: Leonardo França)

O manuseio do câmbio com embreagem automática é o mesmo do modelo manual, bastando tirar o pé do acelerador para efetuar a troca de marchas. Se o condutor errar uma marcha, um alerta sonoro do tipo “bip” o avisava do erro. Já para ir para trás, basta parar o carro totalmente e acionar o pedal do freio, engatando, na alavanca manual, a marcha a ré.

A tecnologia, também presente no Chevrolet Corsa anos depois, e no Mercedes-Benz Classe A, é bastante fácil de usar, e extremamente confortável, principalmente para quem não renuncia ao câmbio manual, mas pega muito trânsito no dia a dia. Peca apenas em não oferecer auxílio saída em rampa, recurso este oferecido quase 15 anos depois nos sistemas automáticos. Por isso, requer um pouco de perícia com o pedal do freio ao sair em aclives, mas nada complicado se praticado algumas vezes.

Voltando ao carro comprado lá em 2000, passaram-se 19 anos, e a amiga da Tatiane ofereceu a ela a oportunidade de compra do seu Palio Citymatic, então com pouco mais de 100 mil km rodados. O Fiat seria trocado por um modelo automático mais moderno, e, por conhece-lo desde zero km, foi oferecido com antecedência à Tatiane.

Após 19 anos, o Palio acabou sendo comprado pela Tatiane, que já o conhecia desde o dia que saiu da concessionária (Foto: Leonardo França)

Como o carro estava funcionando normalmente, ainda com manual de instruções e chave reserva originais, Tatiane adquiriu o Palio, que acabou sendo seu primeiro carro. Por dificuldades de se adaptar ao uso de um pedal de embreagem num manual convencional, ela usava diariamente uma motocicleta Honda Biz, e não partia para um automático pelos preços altos e manutenção mais complicada. Mesmo assim, demorou um tempo para que ela utilizasse o Citymatic no dia a dia, e com a ajuda de seu pai, logo passou a guiar seu Fiat de embreagem automática com maestria.

Muito prático, o Citymatic é o “pai” dos câmbios automatizados. É acionado por um cabo acoplado a alavanca de transmissão, e contém sensores, central eletrônica, reservatório de óleo e atuador hidráulico junto a caixa manual. Quando a alavanca é manuseada de forma a engatar uma marcha, o cabo aciona um atuador/sensor junto a embreagem do veículo, que era exatamente a mesma do modelo convencional.

O conjunto tinha sua própria central eletrônica, sensores, alertas e cabos, mas compartilhava a embreagem com os modelos convencionais (Foto: Fiat/divulgação)

Eis que, já em 2023 e servindo diariamente a Tatiane (que, por ser representante comercial, precisava sempre se deslocar visitando clientes), então com 151 mil km rodados, o atuador de embreagem estourou. Sem ele, o sistema semi-automático (como é conhecido por muitos) deixou de funcionar, já que não havia pressão em sua linha hidráulica. Tatiane não podia ficar sem carro e, por enquanto, se virava andando de ônibus, então começou a procurar pela peça. Sem saber, deu início a uma saga…

Primeiro ela procurou na rede de concessionárias da marca, e se surpreendeu pelo desconhecimento dos vendedores: ninguém sabia que existiu um Palio desses, e muitos pediam, inclusive, para que ela soletrasse o “Citymatic”. Sem sucesso, Tatiane partiu para as buscas nas concessionárias Mercedes-Benz, já que o Classe A usava o mesmo modelo de embreagem automática, fabricado pela INA com o código 231057.1 00111272 00204. Também não foi encontrada.

O Mercedes Classe A também usava o mesmo conjunto, feito pela INA, mas nenhuma concessionária da marca alemã tinha a peça (Foto: Leonardo França)

No mercado paralelo, não se achava nem pelos fabricantes como a Luk e INA. Nos desmanches então, era o meio mais improvável, dada a pouquíssima quantidade de Fiat Palio vendidos com esse raro opcional. Ao todo, foram pouco mais de 2.500 unidades fabricadas, muitas delas convertidas para câmbio manual convencional com o passar do tempo. Geralmente, depois de apresentarem algum problema como o do carro da Tatiane.

Desmanches? Foram vendidos tão poucos Palio Citymatic que eles nem são achados como sucata (Foto: Lucca Mendonça)

Já cansada de buscar, e com seu Palio parado em casa, Tatiane acabou encontrando um colecionador de peças que dizia ter duas unidades novas do tal atuador de embreagem automática. Ele pedia R$2.800,00 por cada uma, e afirmava que, se ela não quisesse comprar o atuador, poderia vender o Palio inteiro para ele por R$1.000,00. Claro oportunismo. Alguns mecânicos foram consultados, e a ideia era adaptar o atuador do sistema Dualogic, automatizado mais recente da marca, que tinha o componente muito similar. Precisava apenas de outra forma de encaixe, mas, por desconhecimento e até receio, ninguém aceitou a empreitada da substituição, talvez para fugir do compromisso da garantia do serviço caso houvesse algum problema posterior.

Até peças do Dualogic, sucessor do Citymatic, alguns mecânicos chegaram a cogitar a instalação (Foto: Fiat/divulgação)

Procurando na internet para ver se, por milagre, alguém aparecia vendendo o bendito atuador, ela acabou lendo minha primeira coluna aqui no Carros&Garagem, falando sobre o Palio Citymatic, e me procurou. Logo me prontifiquei a ajudá-la, acionando inclusive atuais funcionários do grupo Stellantis, fazendo buscas nos estoques de todas as concessionárias do país, e contatando ex-funcionários da Fiat que trabalhavam lá na época, como o engenheiro Robson Cotta. Mesmo assim, não achávamos a peça de jeito nenhum…

Fui atrás do pessoal da atual Stellantis, dos ex-funcionários da Fiat, dos engenheiros que trabalhavam na fábrica de Betim na época…nada! (Foto: Leonardo França)

Usando minhas habilidades de jornalista, pedi fotos da peça que o vendedor/colecionador havia enviado a ela. Através dos códigos, comecei uma busca para ver se a encontrava no exterior, já que, orientado pelo Robson Cotta, tinha a informação que esse atuador era usado em carros europeus. Para a minha surpresa, achei um anúncio, brasileiro mesmo, da Padre Cícero Auto Peças, de Fortaleza/CE, que tinha o componente em estoque. Bingo!

Anunciado como “Colar Embreagem Palio Young 1.0/2000 City”, a preciosa peça não aparecia nas buscas simples, mas era exatamente o que a Tatiane e seu Palio precisavam: atuador da embreagem automática, original Fiat, fabricada pela Luk com o código 467 428 95 BR, por R$1.800,00. Entusiasmada, ela logo providenciou o componente, que veio lá do Nordeste, me prometendo um test-drive quando o carro ficasse pronto. Certo tempo depois, em Sorocaba, tive a oportunidade de dar uma volta no Palio Citymatic da Tatiane, que, depois de cerca de três meses parado, voltou às ruas. E sua dona, feliz, já não precisava mais andar de ônibus.

Depois de consertado e de volta à ativa, pude dar uma volta no carro: ótima experiência (Foto: Leonardo França)

É um carro muito agradável de se usar, com conforto acima da média e desempenho modesto, adequado ao início dos anos 2000. Faz de 0 a 100 km/h em 20s25, ante 18s77 da versão com embreagem comum, e roda 12,38 km/l com um litro de gasolina na cidade, contra 13,0 km/l dos carros de três pedais. Em Sorocaba, consegue rodar, em média, 9,0 km/litro de acordo com a Tatiane, isso por conta dos trajetos curtos, com trânsito e anda/para, que ela percorre todos os dias. Segundo ela, o Palio Citymatic é mais econômico que um HB20 1.6 de sua amiga.

Segundo Tatiane, em média o carro consome 9 km/l, um pouco abaixo das médias oficiais (Foto: Leonardo França)

Logo que a versão especial 500 Anos foi retirada do catálogo, em meados de abril de 2000, o sistema de embreagem passou a ser oferecido opcionalmente nas demais versões em linha, sendo ELX, EX e Young, todos com a mesma identificação Citymatic no porta-malas. A concorrência, reagindo rapidamente, também trouxe tecnologia similar para o Brasil, caso do Chevrolet Corsa Autoclutch. O da Mercedes veio antes, ainda em 1999.

Estava nos planos da Fiat oferecer a tecnologia para os modelos mais potentes da família Palio (1.3 e 1.6), mas, apesar do conforto inigualável e a praticidade de não contar com o pedal de embreagem, o sistema Citymatic acabou ficando restrito aos 1.0. Isso porque a fabricante não emplacou muitos veículos com o sistema, ou, como costuma se falar por aí, a tecnologia “não pegou”. Cerca de um ano depois, em meados de 2001, o opcional Citymatic saiu do catálogo pra nunca mais voltar.

Mesmo fora de linha há 22 anos, os carros dotados dessa tecnologia tão bacana da embreagem automática têm manutenção simples, até porque compartilham o mesmo conjunto de peças de embreagem das versões convencionais, com pedal esquerdo. Se precisar da troca do atuador, você já sabe o caminho: busque pelo código da peça, aquele ali em cima!

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Leonardo França é formado em gestão de pessoas, tem pós-graduação em comunicação e MKT e vive o jornalismo desde a adolescência. Atua como BPO, e há 20 anos, ajuda pessoas a comprar carros em ótimo estado e de maneira racional. Tem por missão levar a informação de forma simples e didática. É criador do canal Autos Originais e colaborador em outras mídias de comunicação.