Brasília: o sucesso da VW que atendia as necessidades brasileiras (Parte I)

O conceito da VW Brasília nasceu no final dos anos 60 e início dos anos 70, quando seu idealizador Mario Piancastelli pensou em um substituto para o Fusca a pedido do então presidente da Volkswagen brasileira, Rudolph Leiding. A tarefa era dura e difícil: um carro que substituísse o Fusca e fosse ainda melhor que seu predecessor. Lembrando que o pequeno besouro já estava em produção há mais de 10 anos no Brasil, e se mostrava um sucesso imbatível junto ao nosso consumidor. Mas já era ultrapassado.

Criador e criação: Mario Piancastelli e VW Brasilia (Foto: Mario Villaescura)

O sucesso do Fusca por aqui estava aliado a facilidade e baixo custo de manutenção de sua mecânica, economia de combustível e possibilidade reparos sem surpresas, visto que o Brasil com suas dimensões continentais nem sempre oferecia os melhores mecânicos nos quatro cantos do país. Piancastelli pensou moderno: imaginou a plataforma e mecânica do Fusca, com todas as suas virtudes, montada sob uma carroceria de dois volumes bem ao estilo Mini, que havia estreado esse conceito construtivo de carros no início dos anos 60.

Seu conceito era interessante, mas partindo da base do Fusca. Inspirações vieram dos Golf e Polo europeus (Foto: VW/divulgação)

A inspiração visual também vinha dos europeus da VW como Polo e Golf, ambos de 1974, que logo se popularizariam por lá. Mário começou a trabalhar no conceito do Brasília em meados de 1970, construindo mock-ups em pequena escala de um carro de dois volumes sob a base já consagrada dos VW a ar. Um conceito bem moderno para a época, que tinha tudo para substituir o Fusca com vantagens. Seu lançamento aconteceu no dia 08 de junho de 1973, ainda como ano/modelo 1973, na cidade litorânea de Guarujá (SP). A linha 1974 só viria depois, e já com pequenas melhorias no carro.

Pequena e espaçosa

Mantendo a mesma distância entre-eixos do Fusquinha, de 2,40 m, Piancastelli concebeu um carro mais largo (1,61 m, ou 6 cm a mais) e mais curto que o besouro (4,04 m, ou 17 cm a menos), que cedeu a mecânica composta pelo motor 1.600 de cilindros opostos (boxer) e carburação única de corpo simples, além do arrefecimento a ar.

O resultado, focado na economia, eram cerca de 60 cv brutos, valores bem modestos para a época, assim como o desempenho de declarados 23 segundos de 0 a 100 km/h e velocidade máxima que pouco superava os 130 km/h. Seu câmbio sempre foi o mesmo manual de quatro marchas, até sair de linha.

Motor 1600 era traseiro, e de início havia só a carburação mais simples possível (Foto: VW/divulgação)

Um dos destaques do carro era o espaço interno generoso, que permitia a viagem de quatro ou até cinco ocupantes sem apertos, além da carroceria alta com excelente área envidraçada e cabine clara, bem diferente do apertado e escuro Fusca. Suas linhas harmônicas até hoje despertam dúvidas se a Brasília é um hatch, mini-perua ou até algo próximo de uma minivan, mas de qualquer forma agradava em cheio o público nacional com design contemporâneo. Até hoje a Brasília agrada no quesito visual externo.

Interior alto e espaçoso. para cinco pessoas, era um dos maiores trunfos do carro. Detalhe para o duplo porta-malas: frontal e traseiro (Foto: VW/divulgação)

Feminino ou masculino?

O nome, claro, era uma homenagem à capital brasileira, que na época era tão jovem e moderna quanto o carro. Apesar do correto ser chamar o carro de “o Brasília”, a própria VW se referia à sua novidade como “a Brasília”, no feminino. Se considerássemos como “o carro substituto do Fusca”, seria correto o uso de “o Brasília”, mas, se pararmos para pensar no seu lado perua (inclusive essa era sua categoria oficial) ou até mesmo a homenagem à capital do país, é mais lógico chamá-la de “a Brasília”. Aqui, vamos tratar da novidade no feminino, como perua. Assim que ela acabou se popularizando.

Feminino ou masculino? Tem quem chame o carro da VW dos dois jeitos (Foto: VW/divulgação)

Qualidades e defeitos

Como qualidades, a VW Brasília trazia uma vasta área envidraçada que tornava seu interior bem agradável. Além disso, mesmo transportando os mesmos cinco passageiros do Fusca, aqui tínhamos mais largura, o que resultava em mais espaço interno. A habitabilidade do carro superava em muito o Fusquinha com seu projeto obsoleto, inclusive no porta-malas dianteiro, sob o “capô”, ou no vão sobre a tampa do motor, atrás do banco traseiro. O mote do lançamento era bem parecido com aquele visto no VW Fox em 2003: dimensões contidas por fora com amplo espaço por dentro.

O carro por dentro era quase como uma perua espaçosa (Foto: VW/divulgação)

Mas também devemos considerar os pontos negativos, também por conta da velha plataforma e mecânica do Fusca. Isso, definitivamente, tinham pontos positivos e negativos. O primeiro deles é o fato do motor estar dentro do habitáculo dos passageiros. Por melhor que fosse a vedação acústica, em marcha, o interior da Brasília era bem barulhento, atrapalhando nas viagens com a família. Além disso, as suspensões dianteiras e traseiras eram bem arcaicas, o que não permitia uma boa dinâmica do carro em curvas ou retas. Os problemas apareciam ainda nas frenagens de emergência.

Apesar de tudo, a Brasília sofria dos males da mecânica obsoleta (Foto: VW/divulgação)

Na direção, por exemplo, ainda havia o tipo setor/sem fim, ao invés do pinhão e cremalheira que a grande maioria dos carros lançados na época oferecia, incluindo seu irmão VW Passat e seu rival GM Chevette. O conjunto tornava-se impreciso e requeria regulagens periódicas, isso sem contar a durabilidade que não era das melhores. Freios dianteiros a disco e traseiros a tambor, mesmo não sendo tão antigos na concepção, não eram ventilados e, com a distribuição de carga falha entre os eixos, tendiam a bloquear as rodas da frente em frenagens fortes. Eram limitações típicas de uma mecânica obsoleta.

Direção com concepção pra lá de antiga, freios sem ventilação devida e peso mal distribuído pela carroceria eram falhas do carro (Foto: VW/divulgação)

Na linha do tempo

A grande inovação em 1975, ano em que eram batidas as 126 mil unidades produzidas, era a dupla carburação para a linha 76: com ela, a Brasília ficava mais rápida, econômica e ágil para guiar, enquanto a carburação simples permanecia como uma opção mais em conta. As Brasília 1600 com dois carburadores ganhavam 5 cv, subindo para os 65 cv brutos. No fim de 1976, por outro lado, a vida do carro da VW ficava mais complicada com a chegada do Fiat 147, concorrente bem mais moderno e interessante, apesar do menor tamanho externo.

Para combater os rivais, a VW aprontava melhorias para a Brasília, como um acabamento mais refinado na cabine (adotando imitação de madeira, tampa do porta-luvas e melhor isolamento acústico), novo estofamento dos bancos e ineditismos em sua linha como a barra de direção colapsável (que se quebra para evitar o salto do volante em direção ao peito do motorista nas colisões frontais), ou fluxo cruzado do freios, que garantia mais segurança em caso de panes do sistema. Além disso, sua frente perdia o elegante friso cromado entre os faróis.

 

Dois anos depois, em 1978, já brigando com a concorrência feroz de GM Chevette, Ford Corcel II e Fiat 147 1300, vinham outras mudanças para a Brasília, agora reestilizando seu visual externo. O capô ganhava novos vincos, mais pronunciados, enquanto estreavam polainas plásticas nos parachoques, um novo volante (similar ao do Passat, aposentando o antigo em formato de “cálice”, que era dos anos 50), e modernidades como desembaçador elétrico do vidro traseiro ou acelerador de duplo estágio, bem a calhar em tempos de crise do petróleo.

Tentando não ficar muito aquém da concorrência, em pouco tempo a VW modernizou a Brasília com desembaçador elétrico traseiro, coluna de direção colapsável, freios de fluxo cruzado, acelerador de duplo estágio e outros (Foto: VW/divulgação)

No próximo capítulo, vamos falar da carroceria de cinco portas, o modelo de exportação, versão LS, motor a álcool, a chegada do Gol e o declínio da Brasília. Não perca!

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.