(Avaliação) Ford Mustang Mach 1: 750 km de uso diário com o V8 esportivo

O que dizer ao avaliar um V8 esportivo como o Mustang Mach 1: “o carro anda muito”, “seu motorzão tem um ronco inesquecível”, “a tradição das seis décadas do muscle car americano”, “o visual instigante te faz querer sempre acelerar mais”. Tudo verdade, diga-se de passagem, mas pra lá de trivial. Milhares de colegas do meio já testaram o Ford mundo afora e, se não concluíram exatamente o que eu citei ali em cima, disseram algo parecido sobre o carro.

7 dias e 750 km: como foi?

Ao passar 7 dias com o muscle car, a ideia não foi leva-lo para uma pista, andar feito doido acelerando o V8tão por aí, e muito menos colocar em prática as funcionalidades esportivas como o controle de largada, por exemplo. Assim, fiz do Mustang meu carro de uso diário, se “aventurando” nos estacionamentos de supermercados e shoppings, correndo até a padaria para comprar pão, curtindo viagens até chegar nos compromissos profissionais, enfrentando bastante trânsito e por aí vai. Uma rotina comum, mas como o esportivo se comportou?

O Mach 1, nome oficial da velocidade do som, hoje custa R$576 mil, mas ainda é da antiga geração do Mustang, a sexta. É um carro pra lá de especial, de fato, ainda mais considerando a história dessa versão (lançada em 1979) e o fato dela ser a mais próxima das lendárias Shelby. Isso até os dias atuais. Realmente, um esportivo no melhor estilo norte-americano, como muita gente gosta: motorzão V8 5.0 Coyote debaixo do capô com 485 cv, duas portas, quatro lugares, estilo musculoso e, é inevitável falar, mas com ronco sem igual.

Grande, mas ao mesmo tempo pequeno

O Mustang, por fora, é um carro bem espaçoso: nem parece, mas seu comprimento e largura não são muito menores que os de uma Chevrolet Trailblazer. Só que muito mais baixo, até porque é esportivo. Por isso, é um cara que exige certa noção de espaço para o uso diário, principalmente na longa frente, onde está o enorme V8tão. Difícil é entender o porque dele não ter nenhum sensor de estacionamento, o que complica bastante a tarefa das manobras mais apertadas num estacionamento, por exemplo. Ainda mais porque, pela carroceria esportiva, suas janelas não são muito grandes.

O motorista tem que ficar sempre atento, se guiando pelos retrovisores, bem posicionados, ou seguindo o que mostra a (sagrada) câmera de ré. Imagina-se também que, em um esportivo, haja uma direção das mais precisas e multiplicadas, que exigem poucos movimentos para direcionar o carro. Certo? Sim: o volante precisa de cerca de 2,5 voltas pra ir de batente a batente, bastante direto, só que as rodas não esterçam muito. Nada que algumas manobras a mais não resolvam. A assistência elétrica da direção é regulável: no modo mais confortável é tarefa fácil de esterçar o carro, mas no esportivo…

Modos e usos

Nada mais justo, afinal os quase 500 cv de potência e 57 mkgf de torque máximo precisam ser aproveitados com maestria, e o peso da direção faz toda a diferença. O mesmo vale para os modos de condução, vários no Mustang: o mais usado na semana de testes foi o normal, que já faz dele um esportivo e tanto, mas amansa a fera e economiza uns trocos bebendo menos combustível. Outra escolha boa para o dia-a-dia é silenciar as quatro saídas de escape, enormes e bonitonas: através de um difusor controlado pelo painel de instrumentos, o ronco do V8 pode ficar amansado, normal ou nítido, e dá até pra programar ele para dar a partida sempre com mais silêncio.

Quarteto bonito: as saídas de escape são configuráveis em níveis de ruído (Foto: Lucca Mendonça)

Essas seleções mais “puritanas” não tiram em nada o prazer de guiar o muscle car, só fazem dele um carro mais discreto (se isso for possível) no uso diário. A da partida silenciosa, por exemplo, valeu muito numa saída de madrugada com o carro, antes de o sol nascer: o Coyote despertou sem fazer muito alarde, e nem acordou ninguém em casa. Bem prático pensar que, por essas e outras, o esportivo também tem lá seu lado de carro normal, civilizado.

O Mustang consegue, sim, ser civilizado: esse é um ponto positivo dele (Foto: Lucca Mendonça)

Baixo, em todos os sentidos

Em poucas vezes ele deu trabalho com os problemas da cidade: pra quem, como eu, teve medo de passar pelos menores buracos ou nas lombadas mais baixas, os 14 cm de altura do solo e enormes balanços dianteiro e traseiro não fizeram feio, nem com o carro mais carregado e baixo. Vez ou outra, só o spoiler dianteiro encostava no chão. Na parte traseira, nada, nem mesmo as tais saídas de escape.

E não, o Mustang não é um tapete voador, até porque tem suspensões com acerto durinho e esportivo, como deve ser. O silêncio a bordo é elogiável: quem produz mais ruídos são os largos pneus atritando com o asfalto e o eixo traseiro. Também nada mal, sem incômodos nas viagens mais longas.

Os pneus, mais voltados para as pistas, são uma das maiores fontes de ruído: totalmente perdoável (Foto: Lucca Mendonça)

As imperfeições do piso acabam comprometendo um pouco o conforto dos passageiros, nada intolerável em se tratando de um muscle car dessa proposta, calçados com pneus baixos de pista e rodas aro 19. E nem é preciso falar que, quem viaja nele, precisa se acostumar em estar sempre perto do chão, e com teto perto da cabeça. Aliás, seu espaço interno é pouco, exatamente como esperado: o enorme console central, os bancos grandes e painel longo envolvem o motorista e o outro ocupante dianteiro exatamente como num cockpit.

Atrás, quando ousei rodar com duas pessoas grandes, a folga foi mínima, seja para as pernas, pés (os bancos são baixíssimos, quase rentes ao assoalho), e, principalmente, cabeça (difícil quem não precise ficar inclinado para não bater no vidro traseiro). E olha que são 2,72 m de entre-eixos, um número respeitável. Porém, é só olhar o Mustang de lado para entender o porque de uma carroceria tão grande e cabine pequena: o eixo dianteiro fica bem além da coluna “A”, mais para frente, enquanto o traseiro é posicionado na altura do encosto da segunda fileira. Não tem jeito, é um carro apertado, mas que acomoda quatro pessoas.

Porta-malas e cabine

Outro que troca a praticidade pelo estilo é o porta-malas, aqui com cerca de 380 litros. O compartimento tem boca alta e pequena, é baixo, bem largo e plano, complicando o posicionamento de uma caixa de papelão alta, por exemplo, mas compras usuais e malas de mão não dão trabalho. Fora que, lá dentro do compartimento, o muscle car esconde algumas mancadas boas de acabamento, com direito até a lataria aparecendo no teto, sem proteção alguma. Aliás, falando nisso, o esportivo tem cabine com materiais decentes e oferece montagem digna das peças, nada muito além.

Porta-malas do Mustang tem tamanho do de um SUV pequeno. Pouca altura e boca limitada são os únicos pontos negativos (Foto: Lucca Mendonça)

Bonita a cabine é: ela passa, junto do exterior, toda a sensação de esportividade e força do carro. Concentra vários botões e comandos, inclusive numa pegada mais retrô, em pouco espaço, mas logo se aprende a operar tudo com facilidade. Para que se tenha uma ideia, só o ar-condicionado tem 14 teclas para comando, e no volante vão outras 22! Para o dia-a-dia, também foi sentida a falta de mais porta-trecos (são poucos deles) e entradas USB (são só duas, sendo que uma fica escondida embaixo do apoio de braço). Fora que a multimídia de 8” para os dias atuais já é considerada pequena.

São detalhes perdoados, principalmente o segundo e terceiro, se levarmos em conta que o projeto dessa geração já beira os 10 anos. Por outro lado, a vida a bordo é tranquila, tirando que, para quem não está em plena forma física (meu caso, com 125 kg), é preciso algumas manobras e esforço pra entrar e sair do carro, ainda mais lidando com a pesada porta que não tem moldura das janelas (um charme a parte, vale falar). O acesso ao banco traseiro, esse sim, é bastante complicado e limitado.

A anatomia dos bancos, exemplares e que envolvem o corpo como um bom abraço, leitura direta das informações no painel digital (esse merece quase um capítulo à parte, tamanha a variedade de configurações), o bom e velho freio de mão mecânico (com alavanca de curso enorme) e pedaleira com posição e regulagem das boas sempre fazem lembrar: aquele é um carro diferenciado, perfeito para a pista.

V8, 10 marchas e suave

Graças as 10 marchas do câmbio (mesmo de seu arquirrival Camaro, vale falar), o V8 Coyote trabalha progressivo e sempre em rotações bem baixas, provando que a maioria, ou pelo menos boa parte, da força aparece bem antes das 4.900 rpm oficiais. Fora que, com tantas velocidades assim, o gerenciamento trabalha com várias opções para mover o carro da melhor forma, enquanto o motorista pode “se meter” no processo trocando as marchas manualmente no volante. Os paddle-shifts são bem permissivos, seja para subir ou descer marchas. Dá para engatar a décima a menos de 70 km/h, por exemplo. Um belo brinquedo de gente grande, que nem preciso falar o quão rápido é.

Motor com força antecipada e câmbio de várias marchas permite, por exemplo, rodar em 10ª a 70 km/h (Foto: Lucca Mendonça)

O consumo, esse não é brincadeira. Pra um V8tão, que pode trabalhar com quatro cilindros quando a demanda por força é baixa, está dentro do esperado. Só que, acostumado com um hatch 1.0 que testei antes, senti no bolso (e acompanhei no ponteiro) toda a sede do Mustang. Mea culpa para o tanque, que poderia ter mais que seus 60 litros, melhorando o alcance. Mesmo assim é complicado passar dos 6,5 km/l na cidade e dos 9,5 km/l na estrada, maneirando o máximo possível, e resistindo a vontade de ouvir o Coyote trabalhando a todo vapor. Em resumo, ele queimou cerca de 120 litros de gasolina em pouco menos de 750 km: média final de quase 6,3 km/l.

Consumo é alto, como é de se esperar em um V8. Essa geração, mesmo tendo sucessora no exterior, é bem equipada e moderna na construção (Foto: Lucca Mendonça)

Claro que falar de gasto de combustível numa avaliação de um esportivo e pesado como o Mustang é quase como querer gastar o preço de um prato-feito popular depois de um almoço no Rubayat: heresia. Mas aqui, nessa pauta de uso no dia-a-dia, fazendo do muscle car um veículo “comum”, é válida a menção. O que também é importante falar é que essa sexta geração do esportivo da Ford é uma das mais confortáveis e estáveis já lançadas. O motivo? Sua concepção moderna, que conta com quatro suspensões independentes e eixo traseiro com fixação multilink, favorece a condução mais suave e comportada, com bônus do comportamento apurado nas curvas, desvios e contornos rápidos durante a condução.

Geração antiga, conteúdo novo

Mach 1 é uma importante versao desde os anos 70, mas essa é, até então, a mais moderna (Foto: Lucca Mendonça)

Fora que essa geração do Mach 1 também é a mais tecnológica e equipada, mesmo que já tenha sucessora: são de série bons assistentes de condução, além de faróis em LED com luz alta automática, airbags pra todos os lados, freios a disco ventilado com componentes da Brembo italiana, sistema de som Bang&Olufsen, bancos dianteiros com aquecimento e resfriamento (reguláveis em três níveis), banco do motorista com ajuste elétrico para o assento e lombar (o encosto é manual para liberar passagem para a segunda fileira), etc.

Três condições

O Mustang se provou um carro utilizável no dia-a-dia? Sim! Apesar de musculoso, grande, pesado, movido por um V8 de respeito, ter potência e torque sobrando a todo momento, beber bastante gasolina e trocar muitas racionalidades por emoções, devemos lembrar que no seu país de origem, lá nas terras do Tio Sam, ele e seus arquirrivais Chevrolet Camaro e Dodge Challenger são considerados carros “comuns”, com opções de motores menores e aspecto menos esportivos.

Não é um SUV luxuoso como o Bronco ou Territory, vendidos também pela Ford, mas também não se restringem ao burnout, drift, corridas, pneus queimados e super acelerações. Dá para fazer do muscle car o seu companheiro de rotina, mas com três condições: é preciso se acostumar com os milhares de olhares admirando o bólido pelas ruas, fazer amizades com os frentistas e, claro, ter os R$576 mil pra gastar com um carro.

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Ficha técnica:

Concepção de motor: 5.038 cm³, gasolina, oito cilindros em V, 32 válvulas (quatro por cilindro), aspiração natural, injeção direta de combustível, duplo comando de válvulas, variador de fase na admissão e escape, bloco e cabeçote em alumínio
Transmissão: automática com conversor de torque e 10 marchas, com opção de trocas manuais em paddle-shifts no volante
Potência: 483 cv a 7.250 rpm
Torque: 56,7 mkgf a 4.900 rpm
Suspensão dianteira: independente, McPherson, com barra estabilizadora
Suspensão traseira: independente, multilink, com barra estabilizadora
Direção: com assistência elétrica progressiva e configurável
Freios: disco ventilado nas quatro rodas
Pneus e rodas: Michelin Pilot Sport 4 S, medidas 255/40 na dianteira e 275/40 na traseira, e rodas de liga-leve aro 19
Dimensões (comprimento/largura/altura/entre-eixos): 4,80/1,92/1,40 m/2,72 m
Porta-malas: 382 litros
Tanque de combustível: 60 litros
Peso em ordem de marcha: 1.814 kg
Aceleração 0 a 100 km/h: 4,3 segundos
Velocidade máxima: 250 km/h (limitada eletronicamente)
Preço básico: R$576.490

Itens de série:

Aerofólio, Faixas Decorativas, Faróis FULL LED, Farol alto automático, Lanternas FULL LED, Retrovisores externos com ajuste e rebatimento elétricos, aquecidos e com indicador de direção, Sistema de escapamento com válvula ativa, 11 Alto falantes, Ar condicionado digital automático dual zone, Bancos dianteiros aquecidos e refrigerados, Ajustes de altura e profundidade do volante, Luz ambiente configurável em LED, 05 modos de condução (normal, neve/molhado, esportivo, esportivo+, pista, drag e my mode), Seleção de marchas no volante, Som Premium B&O com subwoofer, Vidros Elétricos Dianteiros com sistema de abertura / fechamento com um toque, Volante com revestimento em couro, Acendimento automático dos faróis, 8 Airbags (dois frontais, dois laterais, dois de cortina e os de joelhos para motorista e passageiro), Alarme anti-furto, Alerta de colisão, Alerta de Permanência em Faixa, Assistente de Frenagem Autônoma com detecção de pedestre, Assistente de partidas em rampas, Assistente de permanência em faixa, Controle Eletrônico de Estabilidade, Detector de Fadiga, Isofix – Sistema de ancoragem para cadeira de criança, Luz de condução diurna em led, Retrovisores com luzes de cortesia, Sensor de Chuva, Câmera de ré, Comandos de áudio no volante, Comandos de voz, Conectividade via aplicativo FordPass™, Conexão Android Auto / Apple Car Play com fio, Espelho retrovisor interno eletrocrômico, Chave com sensor de presença e partida sem chave, MagneRide® – Suspensão Eletrônica Adaptativa, Monitoramento individual de pressão de pneus, Navegador GPS, Painel de Instrumentos Digital HD com 12”, Multimídia LCD touchscreen com 8”

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Com 22 anos, está envolvido com o meio automotivo desde que se conhece por gente através do pai, Douglas Mendonça. Trabalha oficialmente com carros desde os 17 anos, tendo começado em 2019, mas bem antes disso já ajudava o pai com matérias e outros trabalhos envolvendo carros, veículos, motores, mecânica e por aí vai. No Carros&Garagem produz as avaliações, notícias, coberturas de lançamentos, novidades, segredos e outros, além de produzir fotos, manter a estética, cuidar da diagramação e ilustração de todo o conteúdo do site.