A Transamazônica, o petróleo da foz e a conservação da floresta (parte IV)

Foto de capa: reprodução/amazoniainvisivel.com

A Amazônia é, antes de tudo, um fator de orgulho nacional. Afinal, ter a maior porção do maior bioma intocado do mundo não é pouca coisa. Por ser o que é, torna-se um alvo de cobiça. Aparece de tudo, incluindo um gaiato austríaco, que sonha com a entrada de seu país na OTAN, apregoando que o Brasil deveria ser desmantelado em quatro países, entregando a Amazônia aos Estados Unidos.

Amazônia: orgulho nacional da maior área do maior bioma intocado do mundo (Foto: Governo Federal/divulgação)

Trata-se a questão como se os brasileiros tivessem deixado de lado aquela região por séculos. Não é verdade. Só no Pará, existem pelo menos quatro municípios com mais de quatrocentos anos. Quando o Tratado de Tordesilhas foi revogado, em 1750 pelo Tratado de Madri, já havia mais de cinquenta municípios, denotando que já havia uma preocupação pela manutenção da posse da região.

Quando se fala em “intocado”, o termo deve ser entendido de forma científica. Os humanos estão nas Américas há mais de vinte mil anos, sempre praticando a coivara, que é a abertura de pequenas áreas para plantio, mudando de lugar assim que a fertilidade cai, permitindo que a floresta se recomponha. Só que ela nunca se recompõe exatamente como era, de sorte que, em tanto tempo de uso, a probabilidade de toda a floresta amazônica ser virgem é muito pequena.

100% virgem? Não. Até porque já existem povos na América há mais de 20 mil anos (Foto: Gustavo Dantas)

 

A coisa piora quando os arqueólogos passam a encontrar indícios de grandes aglomerações humanas extintas há milênios. Theodor Roosevelt, ex-presidente dos Estados Unidos, no primeiro quartel do século XX, veio procurar Eldorado na nossa Amazônia, perambulando pelo território por três anos. Ele não veio às cegas. Os indícios de populações extintas eram fortes e conhecidos. O que torna a floresta como intocada é a proporção da ocupação do ser humano em seu território, consequentemente, a lentidão com que a coivara transitou pela região.

Roosevelt perambulou no território da Amazônia por cerca de três anos: ele não veio às cegas (Foto: reprodução/Museu do Índio)

Curiosamente ela se parece muito com as regiões mais frias da Terra no que tange aos movimentos sazonais da população. Assim como os siberianos não podem sair de casa no inverno, as populações da Amazônia são limitadas pelas enchentes, que as prendem nas palafitas por quase seis meses ao ano. Não é à toa que a Sibéria e o Canadá são recobertos por vegetação tida como intocada.

A Europa e os Estados Unidos também têm florestas, que não se podem considerar primárias. No primeiro caso, a sucessão de guerras e o uso do lança-chamas provocou uma devastação tal que deu uma aparência cenográfica ao continente. No segundo caso foi o manejo das árvores para a construção civil que tornou as coníferas predominantes numa quase monocultura.

Nos EUA, assim como na Europa, também existem florestas, mas bastante “descaracterizadas”. Na América do Norte, prevalece a vegetação conífera (Foto: DIANE COOK E LEN JENSHEL)

O trunfo da Amazônia não é somente o tamanho de suas florestas ou o seu estoque de madeira, mas sua diversidade e, principalmente, o desconhecimento que a sociedade tem dos recursos ali escondidos. Somente o estoque de carbono sequestrado ali contido, a preço de 2023, equivale a 125% do PIB dos Estados Unidos para o mesmo ano. Se consideramos as reservas minerais, eles passam a estratosféricos, como são os rios atmosféricos responsáveis pela fertilidade no resto do Brasil.

A nossa grande floresta não é rica só em madeira: recursos como o minério são valiosíssimos (Foto: Vicente Sampaio/Imaflora)

Se o Brasil fosse uma empresa e a Amazônia fizesse parte do seu ativo, ela seria responsável por, no mínimo, 40% de seu patrimônio líquido, tamanho é o valor do que está guardado ali. O problema é que esse patrimônio todo não tem liquidez, ou seja, não se transforma em dinheiro sem que seja dilapidado.

O desafio é dar liquidez a esse ativo incalculável sem o destruir, para que os brasileiros possam ficar mais ricos de forma estruturada e permanente. Isso se consegue a partir de três eixos: a pesquisa científica, que permite conhecer melhor o bioma; o extrativismo racional, que não destrói a biodiversidade; e o investimento em preservação, que garante que haja sempre algo novo a descobrir, realimentando reestruturando periodicamente o desenvolvimento.

A parte complicada é transformar esses recursos naturais em dinheiro, mas sem danificar a fauna ou a flora. São basicamente três formas de resolver esse impasse (Foto: Daniel Beltra/Greenpeace)

O mundo tem essa consciência de forma muito mais clara do que nossos ruralistas e, para que a liquidez de que falamos acima seja alcançável, são precisos muitos recursos a serem consumidos em infraestrutura, educação e fiscalização, todos interdependentes. Daí a necessidade de explorar o petróleo da foz do amazonas, tema do próximo capítulo.

Compartilhar:
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.