Willys Itamaraty: mais requinte para o sedan brasileiro dos anos 60

Já são mais de 58 anos desde que o mercado de carros nacionais luxuosos e requintados ficou boquiaberto quando a Willys-Overland do Brasil apresentou ao público em fevereiro de 1966 o Itamaraty, sedan destinado para poucos, já que custava o equivalente a dois VW Fusca 1200 na época. Na realidade, o Itamaraty era um Aero-Willys de traseira longa, aquela lançada em 1965, só que com inéditas lanternas traseiras horizontais ao invés das verticais, dianteira com grade inteiriça e cromada, carroceria com mais frisos cromados, calotas integrais cromadas, manta acústica sob o capô etc.

Na verdade, o Aero e o Itamaraty eram basicamente o mesmo carro, só que em diferentes níveis de acabamento. Na foto, os dois carros já na era Ford (Foto: Willys/divulgação)

A surpresa ficou por conta do ineditismo de seu refinado acabamento interno: bancos forrados em couro, que costumava se dizer na época que era “couro alemão”, dado o seu brilho e resistência frente a outros materiais, além de painel revestido com um legítimo jacarandá da Bahia, uma madeira grossa que, sozinha, pesava 20 kg, sem contar as luzes de leitura para cada um dos passageiros, rádio com dois alto-falantes, apoio de braço central no banco traseiro, acendedor de cigarros e cinzeiro traseiros, entre outros detalhes que o diferenciavam.

Todas essas alterações visavam a dar personalidade própria a um, na realidade, Aero-Willys de luxo, que por esse motivo recebeu o novo nome: Itamaraty, uma homenagem ao palácio homônimo sediado na capital Brasília, onde embaixadores acessam o governo brasileiro. Dizem que quem sugeriu a criação da versão requintada e seu nome foi ninguém menos que o Mauro Salles, que era jornalista especializado da área automotiva e grande entusiasta do assunto, que posteriormente brilhou muito na área da publicidade, inclusive com a conta da Willys.

O nome Itamaraty, na verdade, era homenagem ao palácio localizado em Brasília (Foto: Willys/divulgação)

Em seu lançamento, no início de 66, apesar de mais pesado, o Itamaraty tinha a mesma mecânica do sedan Aero: um antiquado e ineficiente motor de seis cilindros em linha, 2600 cm³, com válvulas de admissão no cabeçote e de escapamento no bloco, comando de válvulas lateral e alimentação via dois carburadores de corpo simples, desenvolvidos aqui mesmo no Brasil. A transmissão era de quatro marchas sincronizadas, de alavanca na coluna de direção.

O motor 2600 foi projetado pela Kaiser-Frazer Motors americana nos anos 40 e amplamente utilizado pela Willys (propriedade da Kaiser) nos Jeep e Rural, portanto, o que sobrava na robustez e confiabilidade faltava na potência e economia desse propulsor, que não rendia mais que 110 hp SAE (cerca de 80 cv ABNT atuais) para mover um carro de tração traseira e 1,5 tonelada. Por esse motivo, contrariando a lógica, o Itamaraty de luxo conseguia ser até pior que o Aero de entrada na performance, já que pesava mais: testes da época apontavam para mais de 22 segundos no 0 a 100 km/h e parcos 140 km/h de velocidade máxima, enquanto o consumo de gasolina ia para as alturas.

A própria Willys, na época, o colocava ao lado de Mercedes e outros sedans importados de luxo para posar para as fotos (Foto: Willys/divulgação)

Mas 1967 foi o ano em que a Ford assumiu o controle acionário da Willys-Overland no mundo. Tudo que a Willys fazia acabou caindo nas mãos da Ford, inclusive os sedans de luxo Aero e Itamaraty. Em que pese o fato da chegada do Ford Galaxie no mesmo ano de 67, o maior e mais caro carro do mercado nacional, o Itamaraty na era Ford continuou tendo seu espaço, agora como o de um sedan de luxo não tão caro quanto antes. Ao menos, a motorização mudou: em novembro de 1967, o 2600 foi modificado, recebendo um novo virabrequim, o que aumentou sua capacidade cúbica para 3014 cm³ (3000), ao passo que a dupla carburação dava lugar a um carburador de corpo duplo semelhante ao utilizado no Galaxie, o DFV 444.

Com isso, a potência do Itamaraty ficava mais convidativa em se tratando de um sedan executivo, atingindo agora os 132 hp SAE (algo ao redor dos 98 cv ABNT de hoje), com um importante avanço de quase 3 mkgf também no torque, graças ao aumento do curso dos pistões (22,2 mkgf no total). Seu desempenho também melhorava: a fabricante divulgava presunçosos 17 segundos na prova de 0 a 100 km/h e máxima superior a 150 km/h, dados otimistas. Só os altos índices de consumo que continuavam sendo um problema no Willys.

Motor mais potente, novas calotas cromadas e melhorias mecânicas em 1967. Na foto, um pedaço da traseira da limousine Executivo, pauta da próxima coluna (Foto: Willys/divulgação)

A chegada da Ford no negócio não trouxe apenas o novo motor 3000: outros itens foram melhorados, como o sistema de freios duplo emprestado do Galaxie (até pela sensível melhora na performance), limpadores de parabrisas elétricos (também vindos do Galaxie), painel de instrumentos com cinco mostradores individuais (velocímetro ao centro, rodeado pelo nível de combustível, temperatura do motor, amperagem da bateria e pressão do óleo), carpete em veludo, volante de três raios, sem contar que, pela primeira vez, o sedan de luxo da Willys oferecia opcionalmente o ar-condicionado, algo que devia desde seu lançamento em 1966, junto de saídas de ventilação traseiras. Outros itens a parte eram o revestimento externo do teto em vinil e o rádio com toca-fitas.

Entre 1967 e 1968, a Ford já era dona da Willys-Overland, assumindo assim a produção e vendas dos Willys. Ao centro, um Itamaraty já com teto de vinil opcional (Foto: recorte de propaganda da época)

Esteticamente, as maiores novidades eram as calotas cromadas com novo desenho, rodas de aro 15 com pneus mais largos (7,35), luzes de posição com formato retangular inédito, grade dianteira e lanternas traseiras retocadas (com seis lâmpadas de cada lado), todas com o mesmo intuito: reforçar o porte generoso, presença ilustre, luxo e refinamento do sedan Itamaraty, mesmo em tempos de Ford Galaxie. A marca do oval azul, aliás, começou a equipar os sedans da Willys com seus emblemas a partir daquela ocasião, entre 1967 e 1968.

Meses depois, já próximo da linha 1969, apesar de algumas simplificações internas como a troca do jacarandá legítimo do painel por um aplique plástico bem mais leve e barato, outros componentes da mecânica do sedan passavam por melhorias, incluindo o motor 3000, que crescia a 140 hp SAE (cerca de 104 cv ABNT modernos) graças a troca do carburador de corpo duplo por uma dupla carburação semelhante a dos Aero 2600, até por questões de uniformização de linha. O desempenho do sedan melhorava, mas só um pouquinho.

Também chegava um disco de embreagem mais poderoso com os mesmos materiais de atrito do Galaxie, compensando a força maior do 3000, ajustes nas molas e amortecedores (maior conforto e melhor dinâmica), além de um eixo traseiro mais robusto, com maior diâmetro, que, segundo dizem, era o mesmo do Galaxie, porém com alterações óbvias nos semi-eixos, bitola e relação coroa/pinhão. Na realidade, compartilhando componentes com o sedan grande da Ford, os custos de fabricação do Itamaraty caíam consideravelmente, o que era vantagem para a marca americana.

Compartilhar elementos com o “Galaxão” era uma forma de reduzir os custos de produção do Itamaraty. Detalhe para o emblema “FORD” na dianteira (Foto: Willys/divulgação)

Porém, inevitavelmente, as vendas tanto do Itamaraty quanto do Aero já entravam em um declínio. Lembrando que, também em 1968, a Chevrolet já apresentava o Opala, com um perfil de comprador muito semelhante ao dos sedans da Willys, que, a essa altura do campeonato, já estavam no mercado há sete anos na mesma geração, e sua base mecânica passava das duas décadas de produção, já que veio dos primeiros Aero norte-americanos.

Apesar das evoluções, os Aero e Itamaraty já eram projetos obsoletos, e concorriam com queridinhos como o Chevrolet Opala (Foto: Willys/divulgação)

Depois de tantos investimentos, a Ford achava que as vendas do Itamaraty andavam tímidas demais. Numa visita de Henry Ford, o neto, ao Brasil em 1969 para conhecer as instalações, fábricas e produtos vendidos pela sua marca no mercado nacional, inclusive os Willys, foi apresentado ao chefão algumas possíveis alterações de design com a intenção de incrementar e modernizar os Aero e Itamaraty. Henry, de bate e pronto, rechaçou as novidades no design dos sedans, que deveriam ganhar frente mais quadrada, com faróis retangulares e uma grande grade dianteira, destoando por completo do restante da carroceria. Até pela idade do projeto, não cairia bem, e os investimentos seriam altos, com a incerteza de um retorno financeiro saudável.

Propostas de reestilizações dos sedans Willys foram vetadas de imediato por Henry Ford II. Convenhamos, seriam carros pra lá de estranhos (Foto: reprodução/revista AutoEsporte)

Coincidência ou não, após pouco mais de dois anos da tal visita de Henry Ford ao Brasil, em agosto de 1971 encerravam-se as produções do Aero e do Itamaraty (já chamados, na ordem, de Ford Aero e Ford Itamaraty), que saíram de linha com pouquíssimas diferenças com relação aos modelos de 1969. Seu sucessor, o Maverick, já estava no forno, com chegada prevista para meados de 1973, não fazendo sentido continuar a produção dos antigos Willys, que vendiam pouco. Problemas de desempenho e consumo a parte, é fato que o Itamaraty marcou história no mercado nacional, como carro luxoso e requintado que era para a competitiva década de 60.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.