O primeiro carro 0 KM a gente nunca esquece

Aquele tal cheirinho de carro novo é uma coisa que realmente não nos esquecemos jamais. Principalmente quando o carro novo foi aguardado e sonhado por muito tempo. No meu caso, eu tive o prazer de viver essa experiência do primeiro carro 0 KM em duas oportunidades. É isso mesmo que você entendeu: tive essa satisfação do primeiro carro novo por duas vezes.

A primeira delas foi em 1969, quando meu pai conseguiu comprar seu primeiro carro novo. Eu tinha 15 anos e foi uma ocasião inesquecível. A segunda oportunidade foi quando eu próprio comprei meu primeiro carro 0 KM. Nessa ocasião, fui eu que escolhi a marca, o carro, a cor e todos os seus opcionais. Isso foi em 1994 e nessa oportunidade eu estava com 40 anos.

Em 1967 a Volkswagen lançou o Fusca 1300. Na campanha publicitária, o Fusca pousava para uma foto de traseira ou ¾ de traseira e colocavam nele um rabo de tigre, amarelo com manchas pretas. A publicidade dizia que o novo Fusca que deixava de ser 1200 e passava a ser um tigre de 1300 cm³ e, segundo a publicidade, com valentes 46 hp de potência — que em potência líquida, como todas hoje, eram cerca de 38 cv.

Na realidade, não se tratava de um simples aumento de cilindrada, mas sim um novo projeto de motor. Só para que se tenha uma ideia, nenhuma peça do motor 1200 era intercambiável com as do motor 1300. As máquinas eram completamente diferentes. Só tinham em comum o fato de serem 4 cilindros contrapostos arrefecidos a ar através de uma turbina radial na parte superior.

Pois foi por esse Fusca 1967 que eu, ainda adolescente, me apaixonei e, para minha sorte, meu pai também morreu de amores pelo novo carro. A partir daí meu velho e saudoso pai João Mendonça começou a juntar o dinheiro da diferença da venda do seu Fusquinha 1200 para sonhar com a compra do 0 KM 1300. E, claro, que também entrei nessa campanha que toda a família abraçou.

Em 1969 o sonho se realizou: meu pai foi até a concessionária Volkswagen Brasilwagen, localizada no Bairro do Cambuci, levou nosso querido e prestativo Fusquinha 1200, pagou a diferença e saímos todos de Fusca 1300 0 KM.

Lembro-me que existiam duas cores possíveis: bege claro ou vermelho cereja. Toda a família optou pelo vermelho. Lindo! Lembro-me também do cheirinho do carro 0 KM. Tudo tinindo. Foi uma alegria inesquecível. Voltei da concessionaria com o meu pai, todo orgulhoso sentado na frente com ele, pegamos minha mãe e minha irmã e fomos dar uma volta pelo bairro para desfilar com a mais nova joia da família.

Um ótimo carro que, apesar de suas limitações de espaço e performance, era o que o mercado oferecia na época para um operário em ascensão social. Viajamos, passeamos e o tal Fusquinha nos deu muitas alegrias ao longo dos quatro anos que serviu à nossa família.

Depois de muitos anos de vida profissional, testando e avaliando carros em todos os cantos do mundo, ter participado de várias competições, chegando a vitória em alguns episódios, chegou a minha vez de comprar o meu carro 0 KM. Foi bom reviver novamente aqueles momentos inesquecíveis do primeiro carro novo que, na realidade, chegou com o meu pai.

Passava por um bom momento de minha vida profissional e olhava o mercado de automóveis com outros olhos: não buscava o carro que eu avaliaria para o meu leitor, mas sim um carro que gostaria de ter em minha garagem. Um dia, esperando a abertura de um sinal de trânsito, me chamou a atenção um outdoor com uma propaganda da Citroën: nele estava a foto de um ZX 16V de duas portas, um esportivo da família ZX que estava chegando ao Brasil. Foi amor à primeira vista!

Fui buscar informações do carro que começava a chegar fresquinho da França. Uma novidade encantadora. Claro que quis mostrar aos meus leitores, mas estava interessadíssimo no carro para mim. Eu e meu amigo Eduardo Pincigher, que estávamos iniciando uma nova empreitada com uma empresa de comunicação, nos apaixonamos juntos pelo mesmo carro e, não deu outra, fomos a uma concessionaria Citroën localizada na Av. Brás Leme, na zona norte de São Paulo e compramos, pela falta de um, dois Citroën ZX 16V: o meu, azul-marinho com interior de couro preto e teto solar elétrico e o de Eduardo, verde metálico com o interior semelhante ao meu.

Na época, como os carros eram importados, precisavam antes serem encomendados na cor e opcionais que se queria e 30 dias depois a concessionaria telefonava avisando que o carro já estava disponível.

Com um motor de 4 cilindros 2.0 e 16 válvulas, produzia na época assustadores 168 cv de potência com um câmbio manual de 5 marchas com relações mais curtas para melhorar as acelerações. Um sonho de carro. Como era muito novidadeiro, não fiquei mais de um ano com ele, pois tinha curiosidade de ter outros carros esportivos de alta performance que desfilavam por nossas ruas e estradas depois da abertura das importações a partir de 1990.

Lembro-me que com ele ainda novinho, parei em um sinal de trânsito ao lado de um famigerado Uno Turbo e pensei: “Será que dá para encarar? O único jeito de saber é tentando…”. Quando o sinal abriu, ambos arrancamos forte, o dono do Uno turbo também queria saber se o carro dele daria uma surra naquele empoladinho francês. Para minha agradável surpresa, o ZX 16V só fez abrir em cima do Uno e, no quarteirão seguinte, eu já tinha total vantagem. Além de bonito, o hatch era bom de briga.

São histórias como essa que nos fazem ter lembranças tão boas dos carros 0 KM que passaram por nossas vidas. As vezes um passeio, uma viagem ou um desempenho marcante fixam esses carros à nossa memória.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.