GM Chevy 500 nacional equipada com o motor Elko

Eugênio Martins, um conhecido piloto brasileiro de meados dos anos 50 e início dos anos 60, que também era engenheiro, era o responsável técnico de aclimatação do motor Elko no mercado brasileiro. Sua empresa de engenharia trabalhava para o Grupo Garavello, o grande investidor de trazer esse revolucionário propulsor para o Brasil. Relembrando, o motor Elko era um projeto da alemã Elsbett Konstruktion (daí seu nome).

O Elko que chegou ao Brasil era compacto, de três cilindros e 1.45 litro de cilindrada (Foto: reprodução/minutodocaminhao.com.br)

Era um propulsor compacto, do ciclo Diesel, multicombustível e adiabático. Ou seja, trocava menos calor com o meio ambiente e aproveitava essa energia térmica, transformando-a em energia mecânica. Tinha um rendimento térmico superior aos motores convencionais, que jogam, em forma de calor através do radiador, boa parte da energia térmica oriunda da queima do combustível.

Graças a sua tecnologia construtiva e adoção de materiais cerâmicos em seus principais componentes, não fundia metais devido ao calor gerado pelo atrito e própria temperatura da pela queima. Algo audacioso, mesmo para os dias atuais. Com sistema de alimentação exclusivo, através de uma bomba injetora de altíssima pressão, acionada por um eixo de cames, injetava e queimava qualquer tipo de combustível em suas câmaras de combustão, fosse óleo diesel derivado do petróleo ou óleos vegetais de quaisquer origens, desde que inflamáveis.

Carros com motor Elko poderiam ser abastecidos com qualquer óleo inflamável, mineral ou vegetal (Foto: reprodução/Quatro Rodas)

Já falei de um Audi 100 importado para testes que também utilizava o motor Elko, isso em 1987. O pesado e luxuoso sedan parecia um carro leve graças ao ótimo torque daquele motor três cilindros turboalimentado de 1.45 litro, que nem radiador possuía, com respostas vivas ao comando do acelerador. O motorzinho de 90 cv parecia ser mais do que suficiente para aquele carro.

Os primeiros testes mostraram consumo de até 22 km/l de óleo trafegando por estradas entre 80 e 100 km/h, isso com óleo diesel. Quando vegetal, esse número era cerca de 10% inferior, mas, ainda assim, surpreendente para os padrões da época. Esses bons resultados de consumo aliados a performance expressiva, animaram o Grupo Garavello, que na época se propôs a construir no Brasil uma fábrica para produzir o novo motor, que poderia equipar a grande maioria dos veículos nacionais. Bastava apenas o interesse das fabricantes.

O Audi 100, sedã maior que o nosso Santana, acomodou muito bem o pequeno Elko multicombustível (Foto: reprodução/Quatro Rodas)

A tal empresa já tinha até nome, batizada pela Garavello, e lugar: seria a Elsbett S/A Máquinas e Motores, situada na Avenida Brigadeiro Faria Lima, na Zona Oeste da capital paulista. Mas e num carro nacional, como ficaria o Elko?

Animados com os resultados do Audi 100 Elko, o Grupo Garavello, através do Eugênio Martins e sua equipe, se apressou em colocar o Elko num carro brasileiro. A escolhida foi uma picape de trabalho, uma GM Chevy 500, pela robustez e facilidade construtiva do modelo da Chevrolet: motor dianteiro longitudinal, em linha com o câmbio, e tração traseira através de eixo cardã. Seria o oposto de tê-lo num sedan de luxo para lazer, agora instalado em uma picape que serviria como ferramenta de trabalho.

Agora, o oposto: em vez de mover um sedã grande de luxo, o pequeno Elko foi colocado numa picape nacional, ferramenta de trabalho (Foto: Mituo Shiguihara/Quatro Rodas)

O veículo foi montado com o motor importado da Alemanha, e cedido na época para a Revista Quatro Rodas, da qual eu fazia parte do corpo técnico, em 1988. Luiz Bartolomais Junior foi quem conduziu o teste, publicado na edição de junho daquele ano. A conclusão do editor é de que a performance da Chevy Elko quando comparado ao da sua versão a álcool era superior em quase todos os aspectos. Perdia apenas no quesito velocidade máxima, simplesmente porque aquele motor Elko apresentava corte de rotação a 4.500 rpm.

A picape com moto Elko tinha alguns instrumentos instalados, como manômetro de óleo. Testes foram feitos com óleo vegetal no tanque (Foto: Mituo Shiguihara/Quatro Rodas)

A relação de diferencial do carro testado com o Elko foi mantida, ou seja, era a mesma das Chevy com motor de ciclo Otto, por isso tinha velocidade limitada a cerca de 148 km/h. Um pouco abaixo dos quase 150 km/h das Chevy a álcool. Provavelmente, se a picape tivesse relação de coroa e pinhão revista (mais longa), seria melhor aproveitada a ótima curva de torque daquele motor multicombustível, talvez até com melhor consumo. A estimativa da revista era que, com a transmissão adequada, a picape Elko chegasse a cerca de 160 km/h.

Um detalhe interessante é que, além de queimar óleos minerais ou vegetais, o motor da picape Chevrolet não tinha radiador para líquido de arrefecimento, apenas um pequeno radiador de óleo para estabilizar a temperatura do lubrificante.

Uma crítica comum da redação na época, é que a Chevy não tinha muitos recursos fonoabsorventes. Por isso, com o motor Elko naturalmente mais ruidoso, ela se tornava uma picape bem barulhenta, com pouco isolamento de ruídos para a cabine. Só para que se tenha uma ideia, em quinta marcha a 100 km/h, o ruidoso motor chegava gerar 77 decibéis. Isso em uma viagem de horas significava maior desconforto aos ocupantes. Mas é bom lembrar que esse era o primeiro protótipo de carro nacional com o motor Elko. Certamente uma engenharia de desenvolvimento resolveria esse problema.

Motor Elko no cofre da picape Chevy fazia bastante barulho (Foto: Mituo Shiguihara/Quatro Rodas)

Alguns números do teste da Chevy 500 Elko: 0 a 100 km/h em cerca de 13,3 segundos, ante 14,2 segundos da versão a álcool; retomada de 40 a 120 km/h em 30,8 segundos, contra quase 40 na picape a álcool; consumo de 19,6 km/l a 100 km/h, ante 9,6 km/l a 100 km/h com a picape a álcool. Curiosamente, na picape, o motor entregava 82 cv de potência, ante 90 da unidade instalada no Audi 100, calibrado na Alemanha. Provavelmente essa diferença se deve a pressão menor do turbo na picape e outra calibração da injeção mecânica.

Chevy 500 a álcool perdia para o protótipo multicombustível em praticamente todos os parâmetros do teste (Foto: Mituo Shiguihara/Quatro Rodas)

Outra curiosidade interessante é a de que o Audi 100, que havia sido mandado da Alemanha para cá nos primeiros testes, por questões legais, precisou ser devolvido para seu país de origem. Não poderia ficar por aqui como importado por muito tempo, isso em tempos de importações proibidas. Logo ele foi devolvido à Elsbett Konstruktion, mas sem antes ceder o seu powertrain, que foi adaptado por Eugênio Martins e sua equipe em um VW Santana, o segundo carro nacional equipado com o motor Elko para testes.

Infelizmente, depois de tantos avanços, já desenvolvendo motor Elko em carros brasileiros, o Grupo Garavello percebeu que não era tão simples assim construir do zero uma empresa e fábrica de motores, ainda mais um desses de tecnologia exclusiva. O investimento era muito mais alto do que imaginavam os dirigentes da Garavello.

O fato é que, na segunda metade dos anos 90, o Grupo acabou fechando suas portas, levando consigo o sonho de um motor que hoje nem na Europa pode ser usado, por não passar nas leis de emissão locais. Por lá, atualmente, o Elko pode ser usado em propriedades agrícolas (como estacionário, em bombas, geradores e afins), mas não mais em veículos. As vantagens do Elko, com suas tecnologias construtivas, bom desempenho e baixo consumo, não vingaram. Sonho frustrado.

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Jornalista na área automobilística há 50 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 69 anos, é casado e tem três filhos homens, de 22, 33 e 36 anos.