Fórmula 1, sumidouro de tecnologia (parte 3/4)

Suspensão, freios e pneus

O editor perguntou-nos por que não planejávamos falar de aerodinâmica. Primeiro, não estamos aptos a falar sobre o assunto, e também porque é justamente nela que os engenheiros se apoiam para driblar as crescentemente restritivas regras da categoria. Aí, o termo “sumidouro” não se aplica.

Entendemos que o termo seja forte e que algumas regras vieram de aspectos puramente práticos ou comerciais. Os pneus, por exemplo, acabaram com diâmetro interno padronizado porque, por mais de dez anos, a Goodyear era a única fornecedora e não fazia o menor sentido que cada equipe usasse um aro diferente. O resultado foi a padronização do diâmetro das rodas pelo regulamento e, consequentemente, os discos de freio também passaram a ter as mesmas medidas para todos. Não seria de se admirar que, também por questões comerciais, sendo a Fórmula 1 uma vitrine, os sistemas de freios também acabassem por serem unificados, com pequenas alterações consoante o projeto do restante do carro.

Os discos são limitados a 278 mm por 28mm de espessura, e toda a melhora deu-se na aplicação de carbono-carbono (compósito de carbono reforçado com camadas de fibras de carbono), inclusive nas pinças e pastilhas. E os pneus influenciaram o projeto das suspensões e dos chassis, tanto que, em 1975, quando a Michelin trouxe de volta os pneus radiais para a categoria, as suspensões, freios e chassis tiveram de ser repensados.

  1. Assim, quando nos referimos a “sumidouro”, podemos generalizar porque é de se esperar que os Fórmula 1 sejam sistemas com número muito próximo de variáveis entre si, consequentemente, de equações, variando, principalmente, os coeficientes. O sumidouro ocorre quando, ou se elimina dada tecnologia, ou impõe-se um padrão, a despeito do avanço no restante do mundo, como aconteceu com os freios ABS, banidos em 1990.
O fornecedor de pneus é o mesmo para todas as equipes, assim como o tamanho das rodas (aro 13) e o diâmetro dos discos de freio (278 mm) (foto: reprodução/Pirelli)

Hoje, em outras categorias, usam-se rodas cada vez maiores e pneus cada vez mais baixos, com laterais que chegam a somente 30% da largura, em rodas de até 20 pol. Enquanto isso, a Fórmula 1 continua com rodas de exíguas 13 pol, montadas em pneus larguíssimos para compensar a perda de área de contato por torção nas curvas, todos padronizados com 305/405 mm de largura (dianteiro/traseiro), e 680 mm de altura nos dois eixos. Desde a volta dos pneus “slick” (lisos), banidos entre 1998 e 2009, todos são fornecidos por um único fabricante, eliminando a concorrência, consequentemente, o avanço tecnológico na categoria. Criou-se um compromisso entre a largura dos pneus descobertos e o arrasto aerodinâmico, que induz turbulência capaz de impedir aproximação e ultrapassagens.

Ainda para impor mais trabalho aos pilotos, em 1994, proibiu-se a suspensão ativa, que antevia as irregularidades, mantendo o carro sempre muito rente ao solo, com evidentes ganhos aerodinâmicos. Naquele ano, os Fórmula 1 voltaram a pular como cabritos. Houve várias tentativas de dar a volta na regra que proibia a eletrônica de favorecer a estabilidade: a primeira, totalmente mecânica e feita pela McLaren, foi a de instalar mais um pedal de freio, entre 1997 e 1998, freando a roda traseira interna nas curvas de alta, evitando que o carro saísse de frente. A decisão pelo lado a aplicar o recurso dependia de cada pista, seja pela predominância de sentido, seja pela velocidade esperada para cada curva. O recurso foi banido em 1999, juntamente com a diminuição da largura do carro de 2 m para 1,8 m, e a adoção dos sulcos nos pneus.

Da mesma forma, entre 2005 e 2006, a Renault usou o amortecedor de massa, aproveitando que as regras exigiam peso mínimo e que o projeto deixaria o veículo muito mais leve que o permitido. Enquanto as demais equipes aplicavam a massa no ponto mais baixo para favorecer o centro de gravidade, a Renault imaginou fazê-la deslocável e próxima aos eixos. Essa massa foi posta, primeiro, na dianteira, e depois também na traseira. Sua função era compensar o esforço durante as curvas, movendo-se em sentido oposto. O recurso também durou pouco: foi banido já em 2007.

O sistema de amortecedor de massa, utilizado por pouco tempo pela Renault (foto: reprodução/AUTOentusiastas Classic)

A proibição impediu ambas as tecnologias de se desenvolverem, visto que se pretendia indexar os freios ao esterço do volante e à velocidade, ao passo que os amortecedores de massa poderiam ser adicionados independentemente da adoção do outro recurso.

Desde a assunção pela Liberty, pretendem-se fazer mudanças que deixem a categoria mais livre para competir. Uma delas é elevar as rodas para 18 polegadas, mudança prevista para 2022, e oficializar a volta das ajudas eletrônicas, afinal o politicamente correto uso de recuperação de energia nas freadas (sistema batizado de KERS), atuando sobre as rodas traseiras, permite fugir do controle, levando os dispositivos a atuar como ABS e controle de estabilidade clandestinamente.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.