FNM e Alfa Romeo: os históricos caminhões e carros que marcaram a indústria nacional

A Fábrica Nacional de Motores (FNM), conhecida popularmente como “Fenemê”, foi uma empresa brasileira concebida inicialmente para produzir motores aeronáuticos, mas ampliou a sua atuação para a fabricação de caminhões e automóveis, atividade pela qual se tornou mais conhecida.

Primeiro caminhão de produção nacional, o D-7300 era, na realidade, um Isotta-Fraschini rebatizado (Foto: Divulgação/FNM)

Ao firmar um acordo com a marca italiana Isotta Fraschini, em 1949, a FNM passou a ser a primeira empresa a fabricar caminhões no Brasil. Estreou com o D-7300, um modelo de cabine convencional, motor a diesel e capacidade para 7,5 toneladas de carga. Foram fabricadas cerca de 200 unidades deste modelo, mas a Isotta Fraschini estava em má situação financeira na Europa e interrompeu o envio de peças para o Brasil.

Com o fornecimento de tecnologia da Alfa Romeo, a produção em Xerém era reativada com o D-9500 (Foto: FNM/divulgação)

O jeito foi encontrar outro fornecedor de tecnologia, sendo escolhida a estatal italiana Alfa Romeo. E foi com o modelo FNM D-9500, de cabine avançada, conhecida como “cara chata”, que a linha de Xerém, no pé da Serra de Petrópolis, no Rio de Janeiro, foi reativada em 1951.

Em 1955, esteve à frente da produção dos cavalos mecânicos para transporte de passageiros em uma primeira tentativa de lançar ônibus muito longos – décadas antes dos articulados e BRTs – adaptando caminhões para sustentar estruturas de ônibus, como uma carreta acoplada. Alguns desses chegaram a ser utilizados no Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte e eram conhecidos como Papa-fila. No entanto, a difícil locomoção desses veículos pelas cidades encerrou o projeto.

Chamados de Papa-Fila, os híbridos de ônibus e caminhão não deram certo (Foto: reprodução/Pinterest)

A nacionalização dos FNM, já chamados pelo povo de “Fenemê”, aumentou. Em 1958, foi lançado o modelo D-11000, também derivado dos Alfa italianos. Era o caminhão pesado que se tornaria lendário nas estradas, com seu estilo marcante e o som inconfundível do motor a diesel de seis cilindros, todo de alumínio. O barulho marcou gerações, seja por quem o dirigiu ou mesmo por quem o via passando pelas ruas e estradas brasileiras.

Clássico, o FNM D-11000 fez sucesso descomunal no Brasil. Na foto, uma unidade que transportava peças da fábrica (Foto: FNM/divulgação)

Existiram uma infinidade de carrocerias nesta época, e há uma explicação. A FNM vendia os chassis com a mecânica montada, e empresas como Alfa Romeo (importada), Brasinca, Caio, Carretti (idêntica a Brasinca), Cermana, Drulla, Fiedler, Futurama, Inca, Isotta Fraschini, Metro, Rasera, Santa Ifigênia, fora as de reposição como Gabardo, Irmãos Amalcabúrgo e mais algumas outras os encaroçavam, gerando assim vários modelos de caminhões. Imagine o trabalho que deve dar restaurar cada uma destas cabines, cada qual com suas particularidades.

Várias empresas eram responsáveis por fabricarem as carrocerias, ou seja, podem existir dois caminhões FNM do mesmo modelo com aparência distinta (Foto: Lucca Mendonça)

Além dos caminhões, em 1960, mais propriamente dia 21 de abril, a FNM lançou um sedã de luxo, o FNM JK. Era o automóvel mais estável e veloz fabricado no Brasil na época, mas também o mais caro, custando o equivalente a 150 salários-mínimos à época. Com o salário tabelado a Cr$ 6.000,00 em abril de 1960, ou R$ 2.168,74 convertidos pelo IGP-DI (FGV), sabemos que para comprar um FNM JK 0 km era necessário desembolsar o equivalente a R$325.317,00 atuais.

Primeiro carro da marca, o JK era o automóvel mais caro da marca no Brasil (Foto: FNM/divulgação)

Seu preço se justificava na tecnologia empregada. Tinha duplo comando de válvulas no cabeçote, pneus radiais e câmbio de 5 marchas. Com exceção do FNM e dos Alfa Romeo (que substituíram o FNM), os demais veículos nacionais passaram a adotar a transmissão com 5 velocidades à frente apenas nos anos 80. AInda nos anos 90, haviam carros brasileiros com câmbio de apenas quatro marchas.

No JK, marcava presença um painel com um velocímetro encantador para seu tempo, sem ponteiro. A indicação de velocidade era feita por uma fitinha vermelha que corria pelo mostrador, e o banco dianteiro, inteiriço, virava uma cama de casal quando totalmente reclinado.

Luxuoso e confortável, ele tinha como peculiaridade o velocímetro sem ponteiro (Foto: reprodução/revista Quatro Rodas)

Após a implantação do regime militar, o FNM JK passou a se chamar FNM 2000. Até mesmo a versão esportiva lançada em 1964, que se chamaria “Jango”, em homenagem ao então presidente da República João Goulart, chegou ao mercado rebatizada como “TIMB”, abreviação de “Turismo Internacional Modelo Brasileiro”.

Com o regime militar, a versão esportiva, que se chamaria Jango, virou TIMB (Foto: FNM/divulgação)

Bastante estável e relativamente veloz para a época, seu motor era considerado elástico. Com 1975 cc e 115cv de potência SAE (95cv ABNT) a 5400 rpm e 15,9 kgfm de torque a 3.200 rpm, era capaz de levar o pesado sedan de 1360 kg a 162,7 km/h de velocidade máxima, e corria de 0 a 100 km/h em 19 segundos cravados. Parece pouco, mas naquele tempo andava mais que o Aero Willys 2600, Simca Tufão, entre outros. A troca de óleo do motor se fazia a cada 4.000 km, mas ele já usava o então moderno lubrificante com viscosidade 20w40, que virou referência até em motores VW AP.

Em 1968, após um contrato de 36 milhões de dólares com a Alfa Romeo, o governo privatizou a FNM, que assumiu o controle da fabricante e continuou com a produção dos veículos. No ano seguinte, o FMN de passeio recebia atualizações no motor, que passava a ter 2132 cc e 125 cv SAE a 5400rpm (105 cv ABNT), além de maior taxa de compressão (8,25:1, ante 7,25:1 do 2.0). Graças ao aumento da cilindrada, seu nome agora era FNM 2150.

2150 era a evolução do 2000 (Foto: FNM/divulgação)

Além do motor mais potente, o modelo trazia o servo-freio, suavizando o acionamento dos enormes tambores ventilados presentes nas 4 rodas. Com pneus radiais exclusivos, sua estabilidade era elogiada, enquanto o estilo era inspirado no esportivo FNM 2000 TIMB. Opcionalmente, podia vir com alavanca de câmbio no assoalho, que até então era na coluna de direção. Se optada a alavanca no assoalho, o modelo trazia também bancos dianteiros individuais e console central.

Em 1972 chegava o FNM 180, novo caminhão pesado. ua mecânica era basicamente a do velho D-11000, mas a cabine era mais moderna e muito mais espaçosa. Na mesma linha, foi criado o FNM 210. A gama de automóveis também passou por uma evolução: em março de 1974 foi lançado o Alfa Romeo 2300, um modelo fabricado exclusivamente no Brasil.

Já sob domínio da Alfa Romeo italiana, o sedan 2300 chegava em 1974 (Foto: Alfa Romeo/divulgação)

Derivado da Alfetta Italiana, o 2300 fazia bonito com seu design moderno, bancos dianteiros independentes e reguláveis em qualquer posição. Seu motor, o mesmo dos FNM 2000 e 2150, trazia evoluções e um pouco mais de potência. Com maior cilindrada (2.300 cm³), tinha agora 140 cv de potência SAE a 5700 rpm (117 ABNT) e 21 kgfm de torque a 3500 rpm. Mais capaz, o Ítalo-brasileiro chegava a 165,13 km/h de velocidade máxima, e acelerava de 0 a 100 km/h em 17,75 segundos.

A tecnologia era a mesma, e ainda à frente de seus concorrentes: tinha duplo comando de válvulas no cabeçote, pneus radiais, câmbio de 5 marchas, servo-freio e freio a disco nas 4 rodas, sendo o primeiro veículo nacional a oferecer este recurso. O modelo também foi pioneiro ao oferecer saídas de ar-condicionado no banco traseiro, algo requisitado e até exclusivo até hoje. Custava em junho de 1976 exatos Cr$ 83.879,00 sem opcionais, equivalentes a R$ 228.904,98 hoje.

Moderna e a frente dos seus concorrentes, a Alfa 2300 custava caro (Foto: Alfa Romeo/divulgação)

Seus concorrentes diretos eram Opala Comodoro Sedan (Cr$89.112,00 ou R$243.185,78 hoje), Ford Galaxie 500 (Cr$116.539,29 ou R$318.034,59 hoje), Dodge Dart Gran Sedan (Cr$95.983,00 ou R$261.936,68 hoje) e Ford Maverick Sedan (Cr$62.818,67 ou R$171.431,54 hoje), todos menos tecnológicos, mas com desempenho superior. De todos, o FNM ficava atrás apenas do Galaxie no maior preço, mas despontava como a melhor opção em tecnologia.

A fábrica de Xerém, no RJ, acabou não dando sendo das mais lucrativas (Foto: FNM/divulgação)

A operação de Xerém, porém, nunca deu grande lucro. Em 1977, a Alfa Romeo foi vendida à Fiat, que continuou a fazer o Caminhão 180 por mais dois anos, até descontinuar em definitivo a linha carioca.

Já o Alfa Romeo 2300 ganhou uma plaqueta na lateral identificando sua fabricação Fiat e sobrevida até 1986, quando saiu de linha sob o nome de Alfa Romeo Ti-4. Ali encerrava-se definitivamente a história da FNM, totalmente nacional, que entrava para a história como a pioneira na fabricação dos caminhões pesados no Brasil.

Uma história que se encerrou em 1986 (Foto: FNM/divulgação)
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Leonardo França é formado em gestão de pessoas, tem pós-graduação em comunicação e MKT e vive o jornalismo desde a adolescência. Atua como BPO, e há 20 anos, ajuda pessoas a comprar carros em ótimo estado e de maneira racional. Tem por missão levar a informação de forma simples e didática. É criador do canal Autos Originais e colaborador em outras mídias de comunicação.