Na Suécia, um taxista maluco que dizia ser brasileiro

 Esse causo inusitado aconteceu comigo mesmo, Douglas Mendonça, lá pelo início dos anos 90, no interior da Suécia, em uma viagem que eu estava fazendo profissionalmente, como jornalista. Tudo começou quando o governo brasileiro liberou a importação de carros para o mercado nacional. Na época, a General Motors (GM) tinha como uma de suas associadas mundiais a empresa Sueca Saab, um poderoso grupo que, entre outras coisas, produzia carros de excelente qualidade e tecnologia, e até mesmo aviões caças de combate. Os caras eram da pá virada quando o assunto era tecnologia. Por isso, a GM do Brasil resolveu promover uma viagem à Suécia com seus diretores, interessados na revenda de importados, concessionários e jornalistas que pudessem reportar ao público brasileiro o grande poderio que a Saab representava no mundo.

O tal grupo somava cerca de 20 pessoas e tinha uma programação de cerca de 10 dias viajando pela Suécia, com a intenção de conhecer os principais pontos que a Saab dominava. Uma viagem bem interessante! Nessa ocasião, tivemos a oportunidade de conhecer unidades industriais, fazer test drive com os carros da marca e até conhecer de perto o caça de combate que estavam desenvolvendo, além de assistir a performances, que chegavam a ser assustadoras, com o tal avião de combate.

A cada uma dessas atividades, viajávamos para uma localidade diferente na Suécia, onde existia o local do evento. Conhecemos muito lugares, pudemos comer muitas comidas diferentes e nos hospedávamos em locais bem particulares, como em um hotel que também era um hospital. Quando o número de hóspedes aumentava, os quartos de pacientes diminuíam; e quando aumentava o número de pacientes, reduzia-se a oferta de quartos aos hóspedes. Bem estranho.

Nessas andanças pela Suécia, em uma das noites íamos nos hospedar em um antigo castelo medieval, que pertencia à marca Saab. Ao lado do tal Castelo, existiam alojamentos: você poderia optar em se hospedar no castelo ou, se preferisse, no alojamento. Sabendo que no castelo as instalações eram precárias como na Idade Média, optei por ficar no alojamento que, apesar de pequeno, era confortável e tinha banheiro. À noite, tínhamos um jantar formal no castelo: a caminhada do alojamento até lá era de pelo menos 500 metros. Por isso, a empresa sueca disponibilizou um Saab 9000, o carro que seria importado ao Brasil, para levar cada um nesse percurso.

Saab/Divulgação

Quando saí, o carro me esperava. Um simpático senhor idoso, de cabelos brancos, me chamou sorridente, dizendo: “táxi!” Dirigi-me ao carro e me acomodei no banco dianteiro, ao lado do simpático velhinho. Ele saiu com o poderoso Saab 9000 turbo acelerando forte, feito um louco. Pensei comigo: “de onde saiu esse velhinho doido, o que ele pretende fazer nessa velocidade?”

Nessa altura do campeonato, de cinto de segurança e segurando firme no PQP, vi os faróis do Saab iluminando uma árvore que chegava rápido. Nesse momento, pensei:” vamos bater forte na árvore e acho que vou morrer junto com esse velho maluco!” Mal acabei de pensar, o velhinho motorista, com o mesmo sorriso no rosto, puxou o freio de mão do pesado carro, que começou a fazer um cavalo de pau, girando em cima do próprio eixo. A árvore passou perto, e o velhinho, no mesmo instante, soltou o freio de mão, contra-esterçou o volante e, acelerando forte, rumou para a porta do castelo.

Nessa altura do campeonato, não sabia mais o que pensar. Quem era aquele velho louco no volante? Quem deixou aquele demente levar a gente do alojamento para o castelo? O que ele pretende com essa loucura? Matar alguém? Continuava segurando com todas as minhas forças no PQP e, certamente, minha cara devia ser a do mais pavoroso terror. Não sabia como aquilo ia acabar.

Quando chegamos na porta do tal castelo, ele puxou novamente o freio de mão e fez o carro girar todinho em cima do seu próprio eixo: em vez de manobrar, ele o fez o carro girar em um cavalo de pau. Quando o Saab parou, imediatamente larguei o PQP, soltei o cinto e abri a porta para sair de lá. Nesse momento, o velhinho sorridente me falou: “táxi do Brasil!” Quando desci do carro, vocês não imaginam todos os palavrões em português que eu dizia a esse senhor sueco, que certamente não estava entendendo nada do que eu falava para ele.

Após sair do carro, xingando, mas feliz por estar vivo, vi no alto da escadaria do tal castelo um grupo de brasileiros que já tinham sido passageiros do táxi maluco, morrendo de rir com a minha reação. Eu esbravejava e perguntava ao grupo: “quem é esse velho louco? Quem deixou esse maluco trazer gente para cá?” Nisso, o velhinho partiu para o alojamento, para dar carona a outro incauto, e percebi que tudo se tratava de uma grande brincadeira. Aquele senhor maluco, nesse ponto me contaram, tratava-se de Erik Carlsson, um dos mais consagrados pilotos de rally suecos, que tinha em seu currículo o bicampeonato do Rally de Monte Carlo de 1962 e 1963, com um Saab 96.

Erik deu mostras de suas habilidades como piloto no dia seguinte, numa pista de testes da marca Saab, quando fazia curvas inclinadas; praticamente subia num paredão, fazendo com que o Saab 9000 ficasse tão inclinado que chegava a assustar quem estivesse no carro com ele. Uma honra para mim ter andado de carro ao comando de um piloto tão experiente, que deixou essa existência em maio de 2015. Mas que o velhinho era louco, disso eu não tenho dúvidas.

Compartilhar:
Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.