A história do Voyage que voltou para casa depois de quase um ano roubado

Esse “causo” conta a trajetória de um Voyage LS 1985 que serviu, ou melhor, ainda serve à uma família paulistana há quase 35 anos. Tudo começou no segundo semestre de 1985, quando dona Solange, a matriarca de uma família paulistana, optou pela compra de um Voyage seminovo que havia encontrado a venda no mercado de carros usados. O carrinho atendia bem as necessidades de sua família de 3 pessoas: ela, o marido Maércio, que era um policial militar das antigas, e seu filho recém-nascido. Essa história me foi contada pelo Marcelo, o segundo filho do casal, que nasceu no início dos anos 90. Hoje ele é um homem de 30 anos que, pela sua paixão por automóveis, acabou indo trabalhar no departamento de Marketing da Ford.

O Voyage que dona Solange escolheu era bem bacana: cinza claro metálico com interior monocromático, volante especial de 4 raios e bancos diferenciados que acompanhavam o interior monocromático. Um carro bem diferente para a época. Além disso, o carro possuía também rodas especiais de liga leve da Jolly, de desenho bem charmoso naqueles tempos. O carro que dona Solange escolheu não decepcionou, atendendo muito bem inclusive ao seu Maércio quando estava de folga do seu trabalho na polícia. Os anos se passaram e o tal Voyage, com méritos, seguia sendo o meio de transporte dessa família.

No início do ano 2000, o Voyaginho começou a servir também ao filho mais velho do casal, que começava a cursar a faculdade. Vida dura! Nesse tempo, Marcelo, que ainda era um garoto partindo para a adolescência, dedicava uma parte de seu tempo a cuidar do querido VW, limpando, polindo e deixando-o sempre impecável. Conhecia o carro como a palma de sua mão. Mas, no carnaval de 2004, uma desgraça na família: o pai do seu Maércio veio a falecer repentinamente, e no corre-corre para resolver essa fatalidade, o Voyage foi furtado em uma rua do bairro de Perdizes, em São Paulo.

Seu Maércio havia estacionado o carro em uma descida íngreme perto da casa do falecido pai, e quando voltou, percebeu que o querido carro da família não estava mais lá: um amigo do alheio, o famoso ladrão, aproveitou a pirambeira e se mandou com o carro que já estava há quase 20 anos na família. Tem dia que parece noite! Quando começa errado, parece que não para mais. Mesmo depois de algumas buscas na região, concluiu-se que o Voyage havia mesmo desaparecido, como por encanto. A família se entristeceu, mas fazer o que, né? O fato é que o carro dificilmente voltaria!

Depois de tanta desgraça, aos poucos a vida da família paulistana foi voltando ao normal, mas agora sem o Voyage. Mas, como sabemos, o mundo dá voltas, e em algumas vezes essas voltas acabam fazendo justiça. Marcelo, que nessa altura do campeonato já tinha perto dos 15 anos de idade, um dia, no final daquele mesmo ano de 2004, foi acompanhar a sua mãe, dona Solange, em uma consulta médica. Na volta, estavam passando pela zona norte da cidade de São Paulo e, como esse mundo é pequeno, o garoto viu um Voyage cinza que parecia aquele da família, que havia sido roubado há quase um ano. O carro estava estacionado em uma rua do bairro do Mandaqui, então Marcelo pediu para sua mãe dar uma volta no quarteirão e parar perto do tal Voyage, para que ele fiscalizasse mais de perto.

VW/Divulgação

As placas não eram as mesmas, as charmosas rodas de liga-leve haviam sido trocadas por rodas comuns de aço, e o volante esportivo de 4 raios dava lugar a um volante comum de apenas 2 raios. Mesmo assim, Marcelo procurou alguns frisos que ele sabia que faltavam e alguns arranhões que só ele, que cuidava do carro, conhecia. O tal friso ainda faltava e todos os arranhões que ele sabia continuavam na lataria do Voyage. Bingo! Aquele era o carro roubado da família. No mesmo momento, ele telefonou para o seu pai seu Maércio, que naquele momento estava de serviço na polícia militar. Dona Solange custava a acreditar que aquele era o carro da família, mesmo com todos os argumentos de Marcelo.

Claro que imediatamente chegou uma viatura da polícia militar, e com aquele furdunço que se armou, o tal “dono do carro” também surgiu para saber o que estava acontecendo. O cara que se dizia proprietário do Voyage não tinha os documentos do carro, sob a alegação de que havia perdido, e os números do chassi estavam adulterados de maneira grosseira. Seu Maércio, o dono legítimo, chegou logo em seguida com os documentos  e as chaves do VW, que serviram perfeitamente na porta e no contato, como o garoto Marcelo havia afirmado. “O dono de araque”, além de não ter os documentos, também tinha chaves “fakes”, longe das originais do Seu Maércio. Todos foram levados para a delegacia para esclarecimentos, e o delegado de plantão foi obrigado a nomear o Seu Maércio como fiel depositário do tal veículo.

Depois de exames feitos no chassi do Voyage pela perícia técnica, ficou provado que os números haviam sido adulterados, e os originais eram os que constavam no documento original apresentado pelo Seu Maércio. Restou ao “dono falso” explicar porque é que ele trafegava com um carro sem documentos, com uma placa falsificada e com numeração de chassis adulterada. O final feliz desse episódio é o de que o competente VW Voyage está até hoje na família do Seu Maércio e da dona Solange, e atualmente passa por uma minuciosa restauração feita pelo apaixonado Marcelo, que praticamente cresceu dentro desse carro. Nesse processo, o carro teve seu velho carburador trocado por um moderno sistema de injeção eletrônica, e recebeu alguns mimos de modernidade, seguindo o gosto do Marcelo. Uma história de final feliz, na qual o bandido se deu mal e o mocinho levou a melhor.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.