Aquisições na indústria de automóveis, como será? (1/3)

Um pouco de teoria aplicada.

Em 2007, a Petrobrás adquiriu uma refinaria em Pasadena, na Califórnia (EUA). Isso deu o maior auê durante a operação Lava-Jato, como se o diretor financeiro da adquirente tivesse aberto o cofre, pego US$1 bilhão e dado aos proprietários da empresa vendida. Em 2016, anunciou-se que a Embraer, no ramo comercial, seria vendida à Boeing por US$4 bilhões. Será que a Boeing tem, no banco, tamanha quantia disponível para fechar o negócio? Na indústria de automóveis, as fusões, aquisições, e também os divórcios, sucedem-se tão rapidamente que os envolvidos sequer se prestam a divulgar valores.

A PSA adquiriu a Vauxhall e a Opel. Pouco tempo depois, uniu-se à FCA e transformaram-se na Stellantis. Ocorre que a PSA é a junção da Citroën com a Peugeot, enquanto a FCA é a fusão da Fiat com a Chrysler, que, aliás, já passou por muitas mãos antes. Algumas marcas desaparecem e outras são criadas a partir doutras já existentes, ou até mesmo de uma linha dentro de uma empresa, como foi o caso da DS, que virou marca oriunda da Citroën. Se fizermos uma árvore genealógica das empresas de automóveis, ficaremos pasmos com o emaranhado. Como se dão essas transações?

Nas fusões e aquisições, o que passa de uma mão para outra não é dinheiro vivo, mas sim o patrimônio. Este se divide em tangível e intangível. O tangível é aquele formado por itens expressos por contas no balanço: disponibilidade, que é o conjunto formado por dinheiro em caixa, saldo bancário e títulos públicos; o realizável, que é composto pelas contas a receber, o almoxarifado, o produto em elaboração e os estoques de itens à venda; e o imobilizado, que são imóveis, veículos, máquinas e equipamentos. O intangível é composto pelo valor da marca, pelas patentes, rede de distribuição e tudo o que faz as ações valerem mais no mercado de capitais e não consta do balanço patrimonial, pelo menos não no valor de troca.

Logo da Stellantis, resultado da união entre os grupos PSA e FCA (foto: divulgação)

Numa transação de compra ou venda de empresas entra ainda o seu risco e este pode ser dividido, resumidamente, em quatro grupos: risco soberano, também conhecido como risco-país, que corresponde às incertezas políticas, legais e econômicas do país ou países em que a empresa opera; de negócio, que corresponde ao ciclo do produto e às atitudes administrativas; de crédito, que é o risco de não se receber porque o cliente não tem como pagar; e moral, que é o risco de não se receber porque o cliente não quer pagar e usa todos os subterfúgios para evitá-lo.

Cada ramo de negócio está sujeito aos quatro grupos de risco, porém, em proporções diferentes. A indústria de automóveis tem um comportamento muito particular devido à sua abrangência. O risco-país tem peso muito elevado porque os investimentos são muito vultosos, mesmo que se trate de mera importação, haja vista que, por tratar-se de bem durável de grande valor intrínseco, sempre haverá estoques de peças de reposição e gastos com treinamento da assistência técnica. O risco-país ainda incorpora as alterações da legislação, que se tem tornado crescentemente restritiva, seja em emissões, seja em segurança de ocupantes e transeuntes.

O risco de negócio é crescente devido à adoção de tecnologia embarcada, que requer registro ou aluguel de patentes cujo valor pode ou não incorporar o patrimônio intangível da empresa. Há ainda a ameaça promovida pela antevisão da troca de veículos à combustão por elétricos. Este não foi, no entanto, o primeiro nem o maior salto nesse quesito. Antes, as concessionárias estavam sujeitas a quotas de aquisição, o que transferia para elas o risco de mercado. Na crise do petróleo, nos anos 1970, as concessionárias passaram a trabalhar com estoque negativo, ou seja, só adquirindo a mercadoria depois de ela ter sido vendida, obrigando a indústria a correr também esse risco.

Existe uma área cinzenta entre o risco-país e o de negócio, haja vista que boa parte do dispêndio em pesquisa e desenvolvimento advém da legislação, inclusive, a de proteção ao consumidor (como aconteceu com o recall da Toyota), e a ambiental (que configurou o “Dieselgate” envolvendo a VW). O risco de crédito praticamente não existe pois, por tratar-se de bem durável, as negociações a prazo são repassadas aos bancos que, por sua vez, assumem o risco, cobrando um prêmio equivalente à taxa de juros. As à vista são, na imensa maioria, destinadas às pessoas jurídicas, mormente locadoras e governo. O risco moral está mais ligado às compras por encomenda de produtos especiais, o que acaba por configurar-se como mais uma área cinzenta com o risco-país. Esse é o caso dos carros de combate ou outros destinados à polícia, por exemplo.

A técnica para determinar os valores da empresa adquirente e da adquirida chama-se valuation, mas isso é uma outra história.

 

Compartilhar:
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.