Baterias, um exemplo de melhoria contínua: a química por trás delas

Foto de capa: reprodução/vipbateriasautomotivasbh.com.br

 

As baterias automobilísticas têm uma aparência bruta, até grotesca. Talvez por causa disso sejam relegadas ao plano dos componentes secundários, de baixa tecnologia. Quanta injustiça! Os carros já viveram sem elas e quem padeceu foram os motoristas. Pois dependiam das manivelas de partida, também carinhosamente chamadas de manípulas, e bastante disposição para dar a partida. Os faróis eram a carbureto, que iluminavam até bem, pois eram como aqueles lampiões que os pipoqueiros usavam 50 anos atrás, porém, com refletores. Os limpadores de para-brisas eram também à manivela, sendo dificílimo um motorista sair em dia de chuva sozinho.

Um carro poderia rodar sem bateria, mas não do jeito que estamos acostumados. Os faróis, de carbureto, pareciam aqueles usados por pipoqueiros de antigamente (Foto: reprodução/Wikipedia)

Os primeiros carros usavam “cabeça quente”, em que uma vela era aquecida por um maçarico, tornando-se incandescente. Ela iniciava a ignição por compressão. Automóveis passaram a usar magneto e velas elétricas para esse fim, ainda sem fonte externa de eletricidade. Aí, a Cadillac, em 1912 embarcou baterias chumbo-ácidas em seus carros e tudo o que se descreveu acima passou a depender dela numa revolução que nunca parou, vindo aos computadores embarcados de hoje. Assim, o carro é o que é por causa de uma peça pesada, feia, bruta e, geralmente, suja.

Para entender o funcionamento das baterias, basta imaginar um elástico que, ao ser torcido, vai ficando cada vez mais fino e tenso. Ao se soltar encurta e engrossa voltando ao estado de menor energia. As baterias fazem exatamente a mesma coisa quimicamente. Existem inúmeros tipos, mas aqui vamos no ater às chumbo-ácidas que equipam nossos carros.

As baterias, de uma forma mais próxima à que conhecemos hoje, vieram em 1912, nos Cadillac (Foto: divulgação/GM)

Foram desenvolvidas por Gaston Planté, físico francês, por volta de 1830. Ele pôs duas placas de chumbo em uma solução de ácido sulfúrico e passou uma corrente pelo conjunto. Notou que uma delas, a negativa, cobria-se de peróxido de chumbo (PbO2, também conhecido como uma das bases do zarcão). A outra, positiva, mantinha-se de chumbo puro. Na descarga, graças à diferença de potencial, o enxofre migrava para as placas gerando energia elétrica e cobrindo com sulfato de chumbo os eletrodos. Aí, a densidade do eletrólito cai, chegando a 1,05 g/ml. No processo de carga, o enxofre migra das placas para o eletrólito, aumentando-lhe a densidade, que alcança 1,28 g/ml.

A cada ciclo de carga e descarga, maior ficava a espessura das camadas e maior era a capacidade de armazenar energia. Ele chamou isso de “formar as placas”. Era um processo que podia chegar a dez meses, inviabilizando a produção industrial. Em 1880, iniciou-se a produção em série a partir de placas pré-formadas, três de PBo2 e duas de chumbo puro por vaso, numa pilha de placas ligadas em série. Essa composição deve-se a que se usam os dois lados da segunda e da quarta placas, maximizando a área, consequentemente, a corrente fornecida.

O nome bateria vem de ser um conjunto de pilhas ligadas em série por postes de chumbo.

O nome “bateria” vem do conjunto de pilhas ligadas em série por postes de chumbo (Foto: reprodução/Freepik)

Até aqui fica a impressão de que a densidade do eletrólito e a tensão são função direta: quanto maior a densidade do eletrólito, maior a tensão entre os eletrodos. Por que então, quando a bateria está totalmente descarregada, não sobra água pura? Porque existe a tensão natural, que é de 0,475V entre os eletrodos. Isso acontece porque a resistência iguala-se à energia disponível, sustando o processo de migração do enxofre.

Mantém-se a tensão, mas a corrente é muito próxima de nula, ou seja, qualquer carga imposta faz com que a tensão caia a zero e nada funciona, nem sequer a luz da bateria no painel de instrumentos do automóvel. Quando a carga é total, a tensão natural atinge 0,575V. Com carga total, cada célula vai a ~2,3V, e com descarga útil completa vai a 1,9V, o que resulta em uma variação de aproximadamente 0,4V/célula. Caso se esgote até o equilíbrio, pode chegar a 1,75V/célula. Ou a tensão de 0,475V quando totalmente descarregada.

Cada pilha varia entre 1,9 e 2,3V. Assim, uma bateria de 12V nominais tem seis vasos, pilhas ou células. Quando totalmente carregadas, elas atingem, em repouso, 13,8V e, quando totalmente descarregadas, chegam aos 11,4V. No fim da carga, mantendo-se tensão aplicada à bateria, a tensão será ainda de 14,4V. Se a tensão continuar aplicada além da capacidade de acúmulo de energia, a bateria começa dissociar a água, separando o oxigênio do hidrogênio.

Caso a tensão exceda o limite de acúmulo de carga da bateria, a água que vai em sua composição começa a se dissociar (Foto: Heliar/divulgação)

Há quem afirme que a dissociação seja contínua, mas não é verdade. Ela só ocorre com sobrecarga, daí os carros, desde os primórdios, terem o que se chamou erroneamente de “regulador de tensão”, sendo mais correto chamar de “limitador de carga”, para que não se esgotasse a água, presente e necessária à bateria.

O próximo passo na evolução foi tentar adicionar outros materiais para atribuir melhores características em usos específicos e resistência mecânica e à corrosão. Os automóveis receberam as de chumbo-antimônio para resistir aos trancos e solavancos. O passo seguinte foi aumentar a capacidade sem aumentar nem o peso, nem o tamanho. Era preciso aumentar a área de contato das placas com o ácido. A solução foi transformá-las em verdadeiras esponjas. Moem-se o peróxido e o chumbo, calandrando-se os materiais em grades de chumbo-antimônio.

Assim as baterias foram evoluindo, em especial as automotivas, mas ainda há o que caminhar (Foto: Lucca Mendonça)

O ambiente de uma fábrica de baterias precisa ser estéril para não haver contaminação. O pó é obtido pelo desgaste de bolas de chumbos nos moinhos de esferas. O cuidado é extremo, quanto menos contato manual melhor, e sempre com equipamento especial. Não se abrem janelas e o ar passa por filtros de manga para não perder um grama de chumbo, seja pelo custo, seja por questões ambientais.

Outra característica indesejável das baterias é a de se descarregarem enquanto sem uso. Foi então que se deu mais um passo: o de produzir baterias de carga seca. Ora, se já temos as placas pré-formadas, montadas em vasos vazios, basta pôr o eletrólito para que ela esteja em carga máxima. Isso permitiu a estocagem, consequentemente, mandar baterias para o outro lado do mundo porque, independentemente do prazo de entrega, elas sempre estariam prontas para uso. Ficaram outros problemas a resolver, mas isso é outra história.

Outros problemas ainda precisam ser resolvidos, mas é outra história… (Foto: reprodução/Freepik)
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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.