Acidentes, prevenções e tecnologias: assim caminha a humanidade
A implosão do submarino Titan, além de uma grande tristeza, trouxe à mente a capacidade rotineira que o ser humano tem de enfrentar os ambientes mais inóspitos que a Natureza pode oferecer. Refiro-me aos aviões que voam numa altitude em que o frio e a falta de ar nos matariam em segundos. Não foi sempre assim. Houve tempos em que andar de carro era tão temerário quanto tentar ir ver pessoalmente os destroços do Titanic numa casca de noz exposta a uma pressão estimada em 4.000 kg/cm².
Meu pai relatava que, no início dos anos 1930, assistiu um acidente em que o carro se chocou contra uma árvore em Copacabana. O motorista foi atirado por cima do para-brisas e teve o pescoço quebrado ao cair na calçada. Com o carro não aconteceu nada.
Quando eu tinha onze anos, em 1967, uma família de vizinhos adquiriu o primeiro carro. Tratava-se de uma série de acidentes anunciados. Por sorte, grave foi somente um. É que a rainha do lar, única pessoa apta a dirigir o veículo recém sorteado em um consórcio, obteve sua CNH aos cinquenta e três anos de idade. Tratava-se de um fogoso VW Sedan, posteriormente conhecido como Fusca, bege Nilo.
Vindo do clube Paulistano para o Jardim Paulista, tudo em São Paulo, ao cruzar a Rua Honduras pela Rua Canadá, abalroou um Karmann-Ghia vermelho pilotado por uma moça de vinte e poucos anos. A velocidade de ambos veículos envolvidos não passaria de 30 km/h no momento do choque. Se fosse um carro de hoje, os danos à lataria seriam até maiores, dado à deformidade programada a que os projetistas sujeitam os automóveis.
Ocorre que se tratava de um Fusca com sua barra de direção rígida a que se acoplava um volante de resina plástica reforçada por uma alma de aço. Sejamos justos, tratava-se de um volante com raios em cálice para evitar danos ao tórax do motorista. Não adiantou nada. Por não haver cinto de segurança, o corpo da motorista foi arremessado contra ele, que se quebrou, assim como suas costelas. Também a mandíbula bateu contra o topo do volante enquanto a maçã de seu rosto colidiu com o quebra-vento.
Por fim, ainda por não haver cinto de segurança, o joelho fraturou-se ao atingir o painel de aço, firmemente preso à chapa que separava o habitáculo do porta-malas. O aspecto do carro acidentado era desolador, tamanha a quantidade de sangue escorrido pelo forro da porta, pelo painel e pelo volante.
Uns vinte tantos anos depois, lá por 1993, por insistência de minha esposa, compramos um Uno Mille branco. Eu odiava aquele carro por mais inocente que pudesse ser. O pobrezinho teve uma crise de rejeição tão forte que se matou atirando-se, sem frear, na frente de um ônibus. O impacto deve ter ocorrido, considerando que o ônibus freou, aos mesmos 30 km/h.
No Uno, projeto cinquenta anos mais novo do que o do Fusca, o estrago material foi enorme. O para-brisas caiu sobre o capô, que se dobrou para o alto sem penetrar o habitáculo. Os dois para-lamas dianteiros e as portas dobraram-se para fora, assim como as longarinas, amortecendo o impacto. Resumindo, foi perda total. A diferença foi que minha esposa saiu do carro com um leve arranhão no joelho. Ele foi causado pelo painel de poliuretano que caiu, ao desprender-se do painel corta-fogo.
Infelizmente, não possuo um exemplo para comparar com os outros dois. É que acidentes assim são muito mais raros graças à educação para o trânsito. Podemos ter como certo que nem mesmo um arranhão teria advindo de acidente semelhante, embora o estrago material pudesse ser até maior. A humanidade avançou mais nos últimos cinquenta anos do que nos quinhentos anteriores, tornando-se muito mais prudente.
Só que essa prudência é social, não necessariamente individual. Ela vem da legislação que torna carros cada vez mais seguros, pesados e, principalmente caros. Não se trata da adoção de instalação de dispositivos, são projetos novos que inviabilizam a continuidade da produção de modelos, por mais bem sucedidos que sejam. A Kombi é emblemática nesse quesito. O que a tirou do mercado não foi a queda nas vendas, mas o fato de ser impossível adotar um sistema efetivo de airbag.
Ao mesmo tempo em que criam-se órgãos reguladores para preservarem-se as vidas de milhões de cidadãos, o mesmo Estado que nos deveria proteger financia a produção de armas cada vez mais sofisticadas cujo fim é somente matar. Cabe a nós e às futuras gerações entender as contradições da humanidade, a começar por impedir que se vendam passagens para a morte certa.
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