Pobre Fusca: depois daquela noitada, só vendendo
Foto de capa: reprodução Facebook/VW S2
Há casos que requerem que nomes sejam omitidos, quando não alterados. É que não sabemos se os atores ainda estão vivos e, se estiverem, poderão ficar, no mínimo, muito envergonhados. No máximo, muito zangados. Ao mesmo tempo, esses casos precisam ficar registrados antes de que nossa memória seja arrastada pela esteira rolante com que a vida se assemelha. É que, na extremidade, quando a esteira se flexiona para voltar, nada se sustenta e tudo cai no vácuo do tempo.
O caso que dá nome a esta matéria deu-se exatamente em 1972 nos bairros nobres de São Paulo. Aliás, ele foi motivado pelo ambiente de época descrito na matéria de duas semanas atrás. Era um sábado de primavera de um tempo em que ainda se faziam festas de quinze anos para apresentar as meninas à sociedade. A aniversariante era uma estudante de um colégio de freiras situado para lá da Marginal Pinheiros. Como meninos e meninas estudavam em colégios diferentes, os rapazes convidados estudavam, na sua maioria, num colégio de padres na região da Av. Paulista. Bebeu-se muito na tal festa, alguns demais e um deles exorbitantemente.
Era o Justo. Depois de doze doses de whisky e três copos de Cuba Libre, estatelou-se em um sofá e ali ficou com uma expressão contemplativa que somente um bêbado inexperiente consegue cravar no próprio rosto. Foi quando uma convidada, munida das melhores intenções, foi perguntar a ele se estava bem. A resposta foi uma “gorfada” de vômito no interior de uma bomboniere que se encontrava decorativamente numa mesa de canto. Era o objeto mais próximo de um vaso sanitário que o bêbado encontrou ao seu redor.
Como Justo manifestava vontade de ir ao banheiro, dois companheiros o sustentaram pelo caminho, deixando-o lá dentro e fechando a porta, que Justo, num infeliz laivo de consciência, trancou. Depois de mais de meia hora, já se tinha formado fila em frente ao lavatório, e Justo continuava lá trancado. Foi quando Manolo, amigo, usando a chave do Fusca 66 azul de sua mãe, abriu a porta. O bêbado descrevia um arco na direção do vaso. Todo o vômito que o cercava era prova de que Justo não tinha atingido seu alvo. Manolo, do alto de seu altruísmo, passou a lavar o cabelo e o rosto do rapaz.
Omitindo os detalhes mais sórdidos, ficou claro que não havia mais ambiente para manter Justo na festa. Era hora de ir embora. Manolo decidiu levar a namorada para casa e vir buscar Justo que, nessa altura do campeonato, encontrava-se como morto em sela de cavalo no muro da casa. Ficaram vigiando os irmãos João e Álvaro. Depois de uma hora, o Fusca azul estava de volta. Como se os possíveis, quando não fatais, novos acessos de vômito impregnassem o estofamento de tecido e plástico, característicos daquele ano de fabricação, a solução foi baixar o encosto do banco traseiro e jogar Justo no chiqueirinho ampliado do Volkswagen.
Só que havia um problema: eram três pessoas para os dois assentos dianteiros do Fusca. No par ou ímpar, João foi sorteado para ir empoleirado no espaço restante do encosto do banco traseiro, junto do Justo. Acomodados o fardo humano e demais passageiros, o fogoso motor de 1.200 cc e 32 cv passou a funcionar e começou-se uma nova saga até a casa de Justo. Em dado momento, para se equilibrar, João apoiou-se com a mão esquerda esmagando alguns feijões recém expelidos pelo bêbado. Não conseguindo segurar o nojo, João vomitou no ombro do irmão que estava sentado no banco do carona. Eu, apertado naquela muvuca do espaço traseiro, não via a hora de chegar em casa.
Depois de entregues o fardo e os dois irmãos, Manolo dirigiu para casa já com o dia amanhecendo. O carro? Tinha vômito suficiente para encher um balde em seu interior. Na segunda pela manhã, na escola, os dois irmãos perguntaram a Manolo:
– E como ficou o Fusca de sua mãe?
– Agora, só vendendo…