O maior barbeiro de todos os barbeiros e o pobre GM Opala

Em uma de minhas funções como jornalista especializado na área automotiva, coordenava uma pequena frota que variava de cinco a oito veículos nos testes de longa duração de uma revista especializada na qual trabalhei por mais de 10 anos.

Como coordenador dessa frota, que pertencia à própria revista, tive contato com todos os tipos de barbeiros. Esses motoristas eram assim chamados porque dirigiam cortando o trânsito de um lado para outro ou raspando alguns carros como se fosse uma navalha. Nada a ver com os respeitados e dignos profissionais que cortam o cabelo e a barba do público masculino.

Além dos testes que realizava corriqueiramente e das viagens internacionais para conhecer novos modelos por esse mundão afora, cuidar da tal frota mostrou-me um barbeiro que poderia facilmente ser classificado como o maior de todos eles: bastava emprestar um carro para esse colega no fim de semana e na segunda-feira vinham as surpresas, infelizmente sempre desagradáveis. Era uma batidinha aqui, uma raspada acolá e, algumas vezes, batidas mais sérias nos carros de terceiros que nos davam boas dores de cabeça para resolver.

O duro é que esse colega, carinhosamente batizado de Brasa, não batia apenas os carros de nossa pequena frota, mas algumas vezes também sapecava os carros de teste das fábricas que vinham até nós para avaliações. O cara batia mais do que bengala de cego!

Explicando o inexplicável

Em uma ocasião, dirigindo uma Chevrolet Marajó, a perua do Chevette, que pertencia à frota da GM, ele bateu forte na traseira de outro carro sob a alegação de que, repentinamente, o trânsito ficou louco e, ele não sabia dizer o porquê, mas surgiu um carro parado na sua frente. Foi assim que ele explicou a frente toda arrebentada da perua que ele havia pego novinha na sexta-feira para devolver apenas aos escombros na segunda-feira.

Trânsito que ficou louco…carro que parou de repente…várias explicações para tentar justificar suas barbeiragens (Foto: Chevrolet/divulgação)

Diante de explicações tão absurdas e esfarrapadas, era possível entender porque ele possuía tantas cicatrizes no rosto, decorrentes, segundo amigos mais velhos, de tantos acidentes que havia sofrido. Mas, se ele era tão ruim ao volante, porque deixavam ele dirigir?

Acontece que seu cargo era o de editor de testes e, por isso, ele precisava ter contato com os carros das matérias que editava. Quando saíamos para almoçar em um grande grupo da revista, ninguém queria ir no carro do Brasa. Todos se espremiam nos demais carros, e o Brasa ia sozinho.

De carona com o barbeiro dos barbeiros

Um dia não sobrou lugar para mim em nenhum outro carro. Fui obrigado a ir no carro que o Brasa estava dirigindo. Essa experiência macabra serviu para que eu entendesse, pelo menos em parte, porque é que o cara se envolvia em tantos acidentes. Ele sentava no banco do motorista meio de lado, olhando para quem estivesse no passageiro, e pegava no volante de direção por baixo, como quem estivesse agarrando um sujeito em uma briga. O pior é que ele conversava comigo como se estivesse na sala de visitas de sua casa.

Seu posto de condução já era bizarro, e ele ainda ia batendo papo como se estivesse na sala de casa (Foto: reprodução/Freepik)

Mas o duro é que ele estava dirigindo com vários carros ao seu redor. E, ao que tudo indicava, esse fato não o preocupava muito. Nessa carona que peguei com o barbeiro dos barbeiros, foi um dos roteiros mais tensos que já tive em minha vida. Por mais que eu o alertasse, pedindo que ele olhasse para frente para ver o trânsito, ele se mostrava mais entretido com a conversa que estava tendo e com o desenrolar do seu papo.

Chegando ao tal restaurante onde fomos almoçar, que não ficava a mais de 15 minutos do nosso ponto de partida, fui logo alertando os colegas que haviam chegado nos carros lotados: “Com ele eu não volto, se não tiver algum outro lugar ou em outro carro, retorno para a editora de táxi, ônibus ou até mesmo a pé”. Por esse meu comentário revoltado, recebi uma salva de gargalhadas e, é claro, ninguém queria trocar de lugar comigo.

Opala vira vítima de barbeiros

Em uma outra ocasião, nosso amigo Brasa estava com um Opala da própria frota da revista. Ele deu carona para um outro editor, que nos contou depois em detalhes o episódio que vou relatar a seguir.

A próxima vítima do Brasa seria um Opala da própria frota da revista, onde ele aprontou uma das boas e carregando junto um outro editor (Foto: Chevrolet/divulgação)

Estavam trafegando pela conhecida Avenida Rebouças e, no cruzamento com a Avenida Henrique Shaumann, uma outra via de grande porte da cidade de São Paulo, localizada na Zona Sul, o sinal de trânsito estava fechado para o Brasa e seu fogoso Opala.

Como se trata de um cruzamento de grande porte, presume-se que, quando o sinal de trânsito fecha, uma parte do trânsito é retida no cruzamento da primeira pista e uma outra pequena faixa de veículos fica retida no meio do cruzamento. Quando o farol de trânsito abriu para o trafego para a avenida Rebouças, o Brasa saiu acelerando o “Opalão”. Primeira marcha, segunda marcha e, quando estava prestes a engatar a terceira, já estava no meio do cruzamento.

Mas um pequeno, mas enorme detalhe, deveria ser considerado: o pessoal que estava no meio do cruzamento, estava começando a se mover lentamente, e o Opalão dirigido pelo Brasa, o barbeiro dos barbeiros, já vinha embalado. Não deu outra: como em um jogo de boliche, o sedanzão levou todo mundo no peito. Pobre do Opala, que deu uma bela batida em todos aqueles que demoraram para sair no semáforo.

“Bando de tartarugas”

Brasa não esperou os motoristas do próximo semáforo saírem do lugar, segundo ele, “um bando de tartarugas” (Foto: reprodução/autoentusiastas.com.br)

Perguntado, o Brasa afirmou que os carros simplesmente não andaram e ele se viu diante de um bando de tartarugas que se movia lentamente.

O editor, que estava de carona, contou outra versão: ele saiu acelerando e atropelou todos aqueles mais lentos, sem dar chances pra aqueles coitados, que tomaram uma batida por trás sem nem saber de onde veio. Certamente nosso amigo Brasa estava mais interessado no papo com o passageiro do que em prestar atenção no trânsito ao seu redor.

Sem dúvidas, esse dócil e gentil colega de trabalho pode ser classificado como o barbeiro dos barbeiros, pelo volume de acidentes que provocou quando trabalhamos juntos e pelas cicatrizes que a vida deixou gravadas em seu rosto, frutos de um indivíduo bom em muitas coisas, mas um péssimo motorista e um exemplo a não ser seguido por outros condutores.

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.