O carro elétrico e o apagão (parte 2/3)

(foto de abertura: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Matriz Energética

Há termos que se alastram pela conversação cotidiana, cujo significado fica para trás e até os que se acham conhecedores repetem as mesmas asneiras. Transporte intermodal é um exemplo. O termo em si está correto, pois mostra que para uma mercadoria, para ir de um lugar a outro, pode passar por vários meios, ou modos, de transporte. Assim, o transporte rodoviário jamais será um modal, porém, um modo, ou um meio.

Matriz energética é outro termo cuja definição raramente se entende, daí saírem verdadeiros disparates como “sujar a matriz de energia”, termo muito usado logo após o apagão de 2001. Foi quando se incentivou a construção de usinas termoelétricas a combustível mineral.

O total de energia do Universo, segundo Newton, é constante e nós só conseguimos transformas de um tipo em outro com eficiência muito discutível. Um alto-falante, por exemplo, transforma eletricidade em ondas mecânicas, enquanto um motor transforma calor em movimento, ao passo que o freio de um automóvel transforma movimento em calor. Isso se chama transdutância. Ela ocorre naturalmente como numa cachoeira, quando a energia térmica, que mantém o ciclo da água, transforma-se em mecânica por conta da gravidade. Tirar proveito econômico disso é lá com o ser humano.

Um alto-falante, que transforma eletricidade em ondas mecânicas, pratica a transdutância (Foto: Lucca Mendonça)

A matriz energética é a transcrição, em forma de matriz origem-destino, das interações entre os grupos de fontes energéticas que podem ser eletricidade, mecânica, térmica, química, entre outras, todas dependendo do sol, direta ou indiretamente. Usam-se grupos porque há interpretações diferentes para o mesmo efeito. A ficção nuclear, por exemplo, pode se transformar em calor, portanto, há quem a coloque no grupo das fontes térmicas. As hidrelétricas, rodas d’água gigantescas, estão no grupo das fontes mecânicas.

É uma questão de a que nível de detalhe se pretende ir. Interessa saber que o combustível vira calor, que o calor vira movimento e que o movimento vira eletricidade e que tudo isso pode acontecer num lugar só: a usina termoelétrica. Portanto, num transdutor composto. A matriz apresenta a transdutância em potência, geralmente, em mWh ao ano.

Absolutamente nenhuma fonte de energia é limpa. Sempre há algum efeito diverso porque se dá destino diferente do natural à energia produzida. O que varia é como esses efeitos afetam a humanidade, no humano-centrismo que caracteriza nossas ações políticas. Uma hidrelétrica pode incomodar os peixes, mas, não incomodando diretamente o ser humano, é tida como energia limpa. A partir do momento em que uma represa inunda uma área agricultável e um fazendeiro é incomodado, a energia terá deixado de ser limpa. Assim, a matriz energética sempre será suja, cabendo ao homem decidir qual tipo de sujeira será preponderante.

Importante é maximizar a eficiência do uso da energia e isso pode ser medido pela própria matriz, pois a soma das colunas corresponderá ao montante consumido, e a soma das linhas corresponde ao total produzido. A soma da linha dos totais tem que bater com a soma da coluna de totais e, quanto menor esse valor em relação ao PIB, mais eficiente será a economia como um todo. A medida é $/mWh, ou seja, qual é o valor obtido por cada unidade de energia consumida. É aí que entra o carro elétrico. Não resta dúvida de que alterará matriz, pois o consumo de eletricidade tende a subir, criando caminhos energéticos inéditos. Isso não implica em que a eficiência energética aumente.

Com o aumento da frota de carros elétricos, o consumo de energia elétrica tende a subir exponencialmente (Foto: Divulgação/BMW)

A produção de eletricidade a partir do vento, por exemplo, trará um ganho na célula mecânica-elétrica, só que a produção dos geradores e turbinas elevarão o valor das células elétrica-mecânica e elétrica-térmica, visto que eles também precisam de energia para serem fabricados. Aí entra mais um complicador, que é o fato de que todo o transdutor é finito, e a necessidade de consumo não. Uma célula fotovoltaica, por exemplo, funciona enquanto os grãos de silício estiverem desorientados, só que a luz tende a orientá-los novamente, obrigando sua reposição periódica.

A redução do silício requer enorme quantidade de energia, assim, o saldo energético de uma célula fotovoltaica não supera os 30%, ou seja, dos 100% produzidos, gastam-se 70% na formação da própria célula. Isso acontece com absolutamente todos os transdutores. Alguém já imaginou quanto de energia é consumido para produzir um motor a combustão? Se contarmos desde a mineração do ferro e do alumínio, passando pelo processo de redução do metal, até chegar ao produto, ficaremos estarrecidos com a pegada energética da cadeia de produção.

A quantidade de energia utilizada para produzir um motor a combustão, indo desde a mineração de suas matérias-primas até a montagem em um carro, é imensa (foto: divulgação/Fiat)

Isso é tão complexo que qualquer exercício de futurologia é temerário. Ponhamos as barbas de molho.

Compartilhar:
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.