Motor 2000 e 2150 do FNM JK: muito audacioso para a década de 60

Foto de capa: Christian Castanho/Quatro Rodas

A Alfa Romeo sempre se destacou no mundo automotivo pela audácia e arrojo de seus projetos. Fundada em 1910, a Alfa (Anonima Lombarda Fabbrica Automobili) quase faliu ainda em seu início, sendo salva pelo engenheiro Nicola Romeo, que passou a ser sócio majoritário da marca, renomeada para Alfa Romeo. O espírito dela sempre foi esportivo, com motores, claro, sempre com potências acima da média, e por isso, suas tecnologias construtivas estavam sempre a frente dos rivais de mercado.

A Alfa era comumente vista como vanguardista, característica que lhe garantiu o sucesso nas primeiras edições da F-1 com o 158 Alfetta (Foto: reprodução/Stefano d’Amico)

Sem contar que, nas competições internacionais, a marca italiana sempre deu trabalho aos alemães, franceses e, como não poderia deixar de ser, tinha como um de seus pilotos de destaque ninguém menos que Enzo Ferrari, que depois fundaria sua própria marca, que todos conhecemos até hoje. Nos primórdios da F1, a Alfa foi campeã em 1950 e 1951 graças aos seus potentes motores de quatro cilindros, 1.5 litro, com superalimentador, ou, no caso, um compressor mecânico.

Quando a Alfa Romeo ofereceu à nossa estatal Fábrica Nacional de Motores (FNM) o projeto de seu 2000 Berlina, já sabíamos que viria para o mercado nacional um carro com altíssima tecnologia construtiva, reunindo velocidade a um baixo consumo de combustível. Em abril de 1960, exatamente no dia 21, quando inaugurou a capital Brasília, a FNM lançava o modelo JK (leia mais sobre ele na minha última coluna, clicando aqui), um legítimo Alfa produzido em terras brasileiras.

O 2000 sedã italiano, quando feito pela FNM, se tornava o FNM 2000 JK (Foto: FNM/divulgação)

Um dos seus grandes destaques, em tempos de simplórios VW 1200, Aero-Willys, Romi-Isetta, Renault Dauphine e afins, estava no motor 2000, com uma configuração pouco conhecida por nós naquela época: cabeçote fundido em alumínio, com duplo comando de válvulas acionado por corrente com esticador, sendo um eixo comandando as de admissão e outro para as de escape, câmaras de combustão com desenho hemisférico, com as velas posicionadas exatamente no centro da “meia-lua”, válvulas inclinadas para melhorar e acelerar o fluxo de gases, coletor de escape fundido em ferro, mas com saídas individuais para cada cilindro, sem contar o coletor de admissão com um carburador de 34 mm de corpo duplo.

Seu motor, um 1.975-cm³, tinha construção bem à la Alfa Romeo, com características tipicamente europeias (Foto: Claudio Larangeira)

O bloco daquele motor (1.975 cm³), fundido em ferro, era bem robusto, com pistões em alumínio com 88 mm de curso por 84,5 mm de diâmetro, potência máxima a 5.400 rpm (122 hp SAE, algo ao redor dos 90 cv ABNT atuais), com torque máximo de cerca de 16 mkgf a 3.200 rpm. Números que destacavam seu desempenho, assim como a solução inteligente nas suas válvulas de escape: por dentro de suas hastes havia sódio cristalizado, que, quando atingia maiores temperaturas, se liquefazia, tirando o calor da cabeça da válvula, o levando até sua parte inferior (ali, dissipava-se no cabeçote e no sistema de arrefecimento). Certamente uma solução oriunda da Fórmula 1, desenvolvida pela Alfa Romeo.

Propagandas e prospectos da época ressaltavam sua competência nas pistas, além da quantidade de componentes feitos aqui no Brasil, apesar do projeto inteiramente italiano (Foto: reprodução/internet)

Outra curiosidade ficava por conta da taxa de compressão desse motor 2.0 do JK: na Itália, em seu projeto original, ele trabalhava com 8,2:1, adequada a qualidade do combustível europeu, mas, aqui, com a gasolina péssima da época (octanagem muito aquém do desejado), baixou-se para 7,2:1 de taxa, em uma adaptação conjunta entre a engenharia da Alfa italiana e da FNM brasileira. Era uma forma desse motor trabalhar razoavelmente bem com nossa pobre gasolina. Depois de mexerem bastante numa curva de avanço do distribuidor e a menor taxa de compressão, o 2000 estava mais redondo, firmando-se definitivamente.

Interior do FNM 2000 esbanjava luxo, espaço e requinte, isso em tempos de nacionais apenas populares (Foto: FNM/divulgação)

Graças ainda ao câmbio sincronizado de cinco marchas, com a 5ª funcional, ou seja, sem ser sobremarcha para economia (tanto que sua máxima era obtida na última velocidade), o FNM JK, com seus cerca 1.350 kg, conseguia acelerar de 0 a 100 km/h na casa dos 18 segundos, correndo até os 160 km/h. Só para que se tenha uma ideia, os carros pequenos da época não conseguiam acelerações muito melhores que 25 segundos, raramente alcançando os 120 km/h, respectivamente. O JK, portanto, era um verdadeiro espanto para os idos de 1960, 1961 e afins.

O FNM 2150 seguia a evolução do motor 2000, mas seu projeto só existia no Brasil (Foto: FNM/divulgação)

Mas o tempo passou e o mercado se enriqueceu, com veículos novos, mais potentes, com bons desempenhos, e a Alfa Romeo não dormiu no ponto. Depois da segunda metade da década de 60, mais para o final, assumiu o controle acionário da FNM, e passou, ela mesma, a comandar sua linha de produtos. A primeira providência foi apresentar no Salão de 1968 o novo 2150, uma evolução bem-vinda do JK (que já se chamava 2000), com importantes melhorias tecnológicas, como servo-freio, a opção de discos de freio nas rodas dianteiras, pneus radiais ligeiramente mais largos e uma nova versão para o motor 2.0, que passava agora a exatos 2.132 cm³.

Novo motor 2150, melhorado especialmente no torque, seguia acompanhado das cinco marchas da caixa manual e do sofisticado sistema de suspensões dianteiras do Alfa italiano (Foto: FNM/divulgação)

O que mudava era basicamente o virabrequim, que permitia o aumento do curso dos pistões de 88 para 95 mm, trazendo pouco acréscimo a potência máxima, subindo de 122 para 125 hp (números SAE), embora com um vistoso aumento do torque máximo, de quase 2,5 mkgf (agora eram 18,3). Assim, melhorado, o 2150 ganhou muito em agilidade, ficou mais divertido e seguro de guiar, tanto que o desempenho oficial passava a significativos 16 segundos no 0 a 100 km/h, chegando a notáveis 165 km/h de máxima. Tudo isso sem que o consumo tenha sido tão alterado: na época, andando moderadamente, o carro chegava a fazer 10 km/l de gasolina na estrada, não gastando muito mais do que 7 km/l na cidade.

Últimos 2150 saíram das instalações da Fábrica Nacional de Motores entre 1972 e 1973, já com detalhes renovados, como a grade dianteira (Foto: FNM/divulgação)

O que também ajudou no ganho de força máxima foi o aumento significativo da taxa de compressão do novo motor 2.1, que se igualava ao do modelo Alfa italiano: 8,2:1. Apesar do avanço, como sua produção seguiu até 1973, quando foi substituído pelo 2300 (esse fica para um outro texto), os técnicos da FNM mudaram a taxa do 2150 para 7,3:1 anos mais tarde. O motivo era que, depois de longas viagens, o motor não desligava mesmo após retirada a chave de ignição: devido a pontos quentes nas câmaras de combustão, ele seguia funcionando como se estivesse em marcha lenta, o que causava muitas reclamações por parte dos proprietários. Ainda assim, um projeto e tanto!

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Jornalista na área automobilística há 48 anos, trabalhou na revista Quatro Rodas por 10 anos e na Revista Motor Show por 24 anos, de onde foi diretor de redação de 2007 até 2016. Formado em comunicação na Faculdade Cásper Líbero, estudou três anos de engenharia mecânica na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e no Instituto de Ensino de Engenharia Paulista (IEEP). Como piloto, venceu a Mil Milhas Brasileiras em 1983 e os Mil Quilômetros de Brasília em 2004, além de ter participado em competições de várias categorias do automobilismo brasileiro. Tem 67 anos, é casado e tem três filhos homens, de 20, 31 e 34 anos.