Materiais bidimensionais, uma revolução avassaladora e seu futuro nos carros

O progresso humano anda aos saltos, sendo o primeiro deles o domínio do fogo e o segundo a invenção da roda. Disseram que a eletrônica suplantaria a roda por prescindir dela para uma enormidade de atividades cotidianas e isso quase aconteceu, não fossem os contratos de longo prazo que amarram a indústria às tecnologias tradicionais, cujo retorno econômico pode ainda não ter acontecido. São siderúrgicas, fundições que não podem ser abandonadas de tanto que custaram. A engenharia de materiais vem se tornando cada vez mais importante, pois conecta as descobertas mais recentes com seu uso prático, gerando tecnologia inusitada, que se costuma chamar de inovação.

Até hoje, estamos acostumados a partir de vergalhões, tarugos ou chapas para usiná-los ou recortá-los para os transformar em peças. Isso deixa resíduos e muita sucata, que, mesmo reciclada, consome muita energia para o reaproveitamento. A manufatura por adição (AM ou aditive manufacuring) põe material em vez de retirar, entregando peças mais leves, com menor consumo de material e maior resistência. Infelizmente, ela ainda não se aplica a peças de grande resistência mecânica como as forjadas.

Não para todas, pois elas podem ter conformação prévia e forjadas depois. Isso já é uma ameaça a toda cadeia de produção baseada em tornos, fresas, prensas e estampos, cuja demanda será fortemente reduzida, por mais que a tecnologia lhes confira precisão jamais sonhada.

Desde a segunda metade do século passado vem-se estudando o grafeno como único material bidimensional, assim considerado por ter somente um átomo de espessura. Ocorre que, para produzi-lo, é preciso esfoliar o grafite, o que é um processo muito caro e sem grandes chances de barateamento imediato. Houve até quem duvidasse de seu futuro na indústria, pelo menos, como material estrutural. Como aditivo, já se produzem telhas fotovoltaicas e estão-se desenvolvendo pinturas que contribuam para a carga de baterias de automóveis.

Na metade dos anos 2000, descobriu-se que o grafeno não é o único material bidimensional possível. Na verdade, há compostos como carbeto de titânio que podem ser esfolheados por ataque químico, formando uma família conhecida por MXfeno (em inglês, MXpheno).

Eles são muito mais aptos à produção industrial que o próprio grafeno, cuja esfoliação mais usual é mecânica. Eles também têm alta condutividade elétrica e resistência mecânica ímpar, podendo constituir rolos de 20 nm de diâmetro sem rachar. Na verdade, seu uso pode se expandir para filtros de membranas para dessalinização, ou mesmo para pilhas a combustível, viabilizando seu uso veicular. O mais importante, porém, é a revolução nos processos produtivos, pois se antevê a aplicação intensiva da AM, visto que a conformação de peças vai, forçosamente ser por adição a partir de almas que serão, posteriormente, descartadas para reduzir peso.

Quanto tempo vai demorar para vermos SUVs elétricos pesando 600 kg, ou um semieixo de caminhão pesando 50 gramas? Não dá para dizer, mesmo porque não se sabe se os caminhões ainda os terão, visto que podem contar com motores diretamente nos cubos das rodas.

Com o uso de materiais mais avançados, até mesmo os elétricos sairão ganhando: menos peso no conjunto. Na foto, o Audi e-tron, um dos utilitários eletrificados de maior sucesso (Foto: Lucca Mendonça)

Os MXfenos são isolantes magnéticos muito eficientes, de sorte que, além de se poder usar em enrolamento de bobinas com resistividade muito baixa, são usados como isolante magnético, reduzindo perdas.

Mas a lua continua tendo seu lado escuro. A china abraçou o carro elétrico com muito maior facilidade que o Ocidente porque seu mercado era virgem e as cadeias de suprimentos não estavam engessadas pelos contratos de longo prazo com que contam os países industrializados há mais tempo. Aliás, é lá onde as pesquisas de materiais são mais intensivas, visando uma indústria de 5ª ou 6ª geração.

Para o Brasil, considerando a desindustrialização a que fomos submetidos, levanta-se uma oportunidade de reindustrialização em bases muito mais modernas, como pode ocorrer com outros que nuca se industrializaram. Ocorre que, para aproveitar essa janela, será preciso mudar radicalmente a forma de se entender a educação e as universidades.

Ao contrário do que diz o ministro da educação, a universidade não pode ser para poucos e o investimento em ensino técnico só é efetivo para tecnologias consagradas, não exatamente para as inovadoras. Essas últimas dependem de doutores que transitem entre o ambiente acadêmico e o empresarial, exatamente como ocorre na Alemanha, contrariamente ao que o ministro citou como exemplo, onde 80% dos doutores estão nas empresas, enquanto, no Brasil, é justamente o contrário, 80% estão na academia e 20% nas empresas.

A Petrobras e a indústria farmacêutica quase monopolizam nossos técnicos capazes de inovar. Não nos iludamos: sem ciência não há indústrias. Os habitantes da Terra daqui a cem anos olharão para nós como nós vemos as fábricas da Revolução Industrial. Quem viver, verá.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.