Ford Escort XR3: o esportivo que era sensação para poucos
Com carroceria de duas ou quatro portas e nas versões Standart, L, GL e Ghia, o Escort, carro mundial da Ford foi lançado em agosto de 1983. Bonito, moderno e confiável, contava com três anos de garantia contra corrosão, 1 ano de garantia sem limite de quilometragem para motor e câmbio, além de ar-condicionado e teto solar opcionais para as versões mais caras, itens raríssimos para a categoria na época.
O novo Ford causou fervor no mercado, com uma apresentação que ia além das revistas automotivas, afinal, o Escort foi capa até da revista Veja, semanal, que normalmente tratava de notícias econômicas e políticas. Além de muito falado (inclusive na Veja, com direito a uma matéria de longas sete páginas), o carro era bom, e merecia destaque. Trazia motor 1.3 aliado a um câmbio de 4 marchas na versão Standart (com a 5ª opcional), ou um 1.6 sempre com transmissão de 5 marchas para a L, GL e Ghia. Como um de seus feitos, inaugurou no Brasil o motor CHT, uma evolução dos motores Cléon-Fonte dos Corcel e Del Rey, com melhor rendimento e maior torque em baixas rotações.
Além do moderno sistema de ajuste automático da folga da embreagem dos carros com esse motor, que eliminava a necessidade de constantes regulagens, o Escort tinha suspensões independentes nas quatro rodas, elogiada por sua maciez e criticada pelos apressadinhos que gostavam de contornar as curvas em alta velocidade. Ele desbancava até mesmo o Corcel no quesito manutenção, com trocas de óleo realizadas a cada 10.000 km (até então o padrão era 5.000 km), e não exigia troca de óleo do câmbio (long life). Seus pneus eram exclusivos, na medida 165SR13, que garantiam o conforto dos passageiros mesmo nos piores pisos.
A versão esportiva, e também mais aguardada, foi apresentada ao público no final do mesmo ano, e tinha nome de peso: Escort XR3. Seu motor era um 1.6 recalibrado, intitulado CHT HP (High Performance), que só movia os XR3. Com seus defletores aerodinâmicos, conjunto óptico completo (faróis, milhas e luzes de neblina), suspensões endurecidas, rodas aro 14 com pneus radiais 185/60, teto solar, bancos esportivos (semelhante aos Recaro) e um pequeno volante de melhor pega (34 cm de diâmetro), o esportivo da Ford trazia uma receita apimentada para render mais desempenho.
Além disso, contava com opcionais como ar-quente/ar-condicionado, rádio toca-fitas, aros em liga-leve (de série, ele vinha com rodas de ferro e as belíssimas e raríssimas calotas alemãs), sem contar o cobiçado teto-solar e os chamativos tons de pintura metálica. Não era barato: completo, custava Cr$8.538.457,00, equivalentes hoje a R$130.646,60 em conversão pelo INPC.
O 1.6 CHT HP presente no XR3 trazia mudanças no diâmetro das válvulas e um novo comando esportivo, além de novos coletores de admissão e escape. Exclusivamente a álcool, rendia 82,9 cv de potência a 5.600 rpm e 12,8 mkgf de torque a 4.000 rpm. Ainda que não fosse nenhum espanto em desempenho, era na época um dos nacionais mais rápidos, podendo levar 14s34 na prova de 0 a 100 km/h (ou menos) e corria até além dos 165 km/h. Para efeito de comparação, as versões L, GL e Ghia movidas pelo 1.6 a álcool em sua versão comum, tinham cerca de 10 cv e 1 mkgf de torque a menos, e não conseguiam médias muito melhores que as do XR3 no quesito consumo (o esportivo podia fazer 8,02 km/l na cidade e 11,69 km/l na estrada, nesse caso a 100 km/h).
Além de ser prazeroso no posto de condução e ostentar o título de “esportivo nacional mais confortável” pela imprensa da época, o Ford XR3 tinha câmbio de engates suaves e precisos, com as 5 marchas bem escalonadas, proporcionando respostas quase imediatas ao menor toque do acelerador. Seu diferencial era encurtado na relação, o mesmo inclusive da versão 1.3 a gasolina. Como pontos positivos, os pneus 185/60R14 ajudavam ainda mais na estabilidade do carro.
Também estavam a seu favor a visibilidade bastante elogiada, mas um problema de projeto atrapalhava em dias de sol forte: quando os raios solares atingiam o veículo por trás, em determinado ângulo, provocavam um reflexo no painel de instrumentos que acabava por impedir sua leitura. Os ponteiros laranjas ajudavam um pouco à essa camuflagem perigosa. Ademais, o carro era só elogios de seus proprietários, e fazia sucesso com os famosos: o Roger, vocalista da banda Ultraje a Rigor, teve um amarelo; Ayrton Senna usava frequentemente um prata (na época de sua parceria com a Ford); e, hoje, o jornalista e apresentador do Jornal Nacional, Willian Bonner, é dono de um vermelho.
Junto do sucesso, vieram os reconhecimentos: ainda em 1984, o Escort recebia o título de carro do ano pela revista AutoEsporte, e séries especiais vinham, a exemplo da XR3 Pace Car, limitada a 350 unidades fabricadas entre fevereiro e março em alusão ao GP Brasil de fórmula 1 de 84. A edição especial exibia faixas azuis laterais com o nome da série, para-choque traseiro da versão L, carroceria branca e rodas de liga leve na mesma tonalidade. Os XR3 Pace Car traziam a mesma mecânica dos XR3 comum, embora a unidade que realmente tenha servido de Pace Car no início do GP fosse turbo e com mais de 200 cv.
Em 1985 foi lançada outra série limitada, chamada XR3 Laser, com apenas 1000 unidades produzidas. Sempre na cor Branco Andino, trazia de série filetes coloridos nas laterais e rodas de ferro com as calotas alemãs, sem a possibilidade de opcionais. Em abril do mesmo ano, chegava nos concessionários o XR3 Conversível, fabricado em parceria com a Karmann-Ghia do Brasil, que vinha para ser um dos mais desejados do país e até então o modelo mais caro do mercado nacional.
Sua construção era um pouco trabalhosa, pois a montagem inicial se dava na fábrica da Karmann-Ghia do Brasil, seguindo depois à Ford para receber a proteção anticorrosão e pintura. O carro, em seguida, retornava à Karmann-Ghia para o acabamento e montagem de componentes finais, até finalmente ser devolvido à Ford para a comercialização. Ufa!
Com poucas alterações do projeto original, mas com importantes melhorias, tinha uma eficiente vedação contra poeira, vigia traseiro de vidro com desembaçador (não de plástico como nos fora-de-série da época) e contava com uma capota submetida a tratamento antifogo, com manta termoacústica e estabilizador térmico. Para permitir o encaixe correto da capota, o banco traseiro ficou um pouco menor, mas isso pouco importava, até porque sua proposta era a de ser um carro para lazer, geralmente levando uma ou duas pessoas. Além disso, o modelo recebia ainda um novo par de lanternas traseiras, quadradas, no lugar das retangulares do modelo original.
O Ford Conversível vinha equipado com o mesmo 1.6 CHT HP dos XR3 fechados, ainda que fosse ligeiramente mais ágil que o de carroceria convencional. A carroceria descapotável, 64 kg mais pesada e repleta de reforços estruturais, fazia a diferença no consumo: em testes da época, conseguiu 6,79 km/l no circuito urbano, mas mantinha praticamente a mesma média na estrada (11,47 km/l). Os opcionais também eram os mesmos da versão fechada, mas ele custava bem mais, por conta da produção trabalhosa e em menor escala, e pela alta procura: em abril de 1985, um XR3 conversível sem opcionais não saía por menos de Cr$72.000.000,00, que, hoje, equivalem a mais de R$265.112,15 em conversão pelo INPC. Com o preço de um conversível, em valores atuais, se compravam dois XR3 convencionais, de capota rígida!
Mesmo mais fraco que os Volkswagen Gol/Passat GTS e GM Monza S/R, o Ford Escort XR3 fez história como poucos, e era muito cobiçado por seu carisma e estilo único. Um sonho de consumo de muita gente há 40 anos…