Exame toxicológico: a segurança no trânsito por um fio de cabelo

Foto de capa: José Fernando Oura/AEM

Vinte e cinco anos atrás, chegou ao Brasil a informação de que os testes toxicológicos baseados no cabelo estavam ficando economicamente viáveis para uso em massa. Na verdade, eles existem desde os anos 1950. Foi via uma mecha de cabelos, dada por Napoleão à filha de seu carcereiro, que se comprovou ter sido o imperador francês envenenado. Esses testes são tão precisos que se pôde verificar quando as doses aumentavam e diminuíam. Tenha-se em mente que esse teste especificamente se deu mais de cento e trinta anos após a morte do doador.

A causa da morte de Napoleão Bonaparte só foi descoberta através de um exame toxicológico…130 anos após sua morte (Foto: reprodução/internet)

Em relação aos testes tradicionais de sangue e de urina, cuja abrangência não passa de uma semana, ele traz inúmeras vantagens. Um fio de cabelo cresce em média 1,2 mm por semana, enquanto os de outras partes do corpo crescem mais lentamente. Quanto mais lento for o crescimento do pelo, maior o período de abrangência do teste, porém, menor o nível de detalhe acerca da frequência com que a droga foi consumida.

Realizar o exame toxicológico em pelos do corpo, de crescimento mais lento, é até mais vantajoso que com amostras de cabelo (Foto: reprodução/Freepik)

O fato é que o teste pega o consumo recreativo, já que se pode verificar o uso da substância por até mais de seis meses, o que ajuda a prevenir o uso abusivo e, consequentemente, o vício. Os pelos podem ser armazenados indefinidamente, permitindo a contraprova e o amplo direito de defesa para evitar o falso positivo. A desvantagem é que o resultado não é imediato como quando se usam os fluidos corporais, não servindo para saber se o motorista estava ou não sob efeito da substância por ocasião de um evento, como um acidente de trânsito, quando não de operação.

Os toxicológicos ajudam a indicar não só os acidentes de trânsito, como também os de operação. Esses são comuns pelos interiores do país (Foto: reprodução/comprerural.com.br)

Sim, acidentes de operação, visto que muitos veículos compartilham o status de máquina operatriz. São exemplos as máquinas de terraplenagem, os caminhões fora de estrada, até mesmo os veículos usados nos aeroportos, seja para o pushback dos aviões, seja para seu abastecimento, carga e descarga. Basta imaginar o que pode acontecer quando, em uma mina, um caminhão de 50 t de capacidade de carga é operado por um trabalhador sob efeito de uma droga. Poderá passar por cima de uma caminhonete sem perceber. Não é bom sequer imaginar estrago que pode fazer um tratorista, operando uma grade de trinta e seis discos afiadíssimos na lavoura, caso não esteja no domínio de suas faculdades.

Quanto maior for a máquina operada pelo condutor alterado, pior será o efeito. Na foto, um acidente entre um trator, guiado por um tratorista embriagado, e um Fiat Uno, no Mato Grosso (Foto: reprodução/Notícias de Mato Grosso)

O resultado preventivo do exame do cabelo é tão bom que o Contran passou a exigi-lo para evitar o consumo de drogas pelos motoristas profissionais, ou seja, de carteira classe C para cima. As empresas que exigem carteira de habilitação profissional precisam ter armazenado o resultado junto ao exame admissional. Na verdade, nem policiais civis e militares, assim como os membros das três armas, escapam. Todos têm que fazer o teste a cada trinta meses.

Existe uma crença de que os tratoristas não precisam ter carteira de habilitação porque os tratores não são emplacados, portanto, não podem circular pelas estradas fora das propriedades rurais. Por causa disso e por trabalharem nos mais longínquos rincões de um país imenso como o Brasil, a maioria dos operadores de máquinas agrícolas sequer possuem habilitação para dirigir automóveis de passeio.

Muitos pensam que nem é preciso de habilitação para dirigir um trator, mas é um engano: é obrigatória a CNH dos tipos C, D ou E (Foto: gpointstudio/Freepik)

Mesmo assim, eles descem de uma colheitadeira e sobem em um caminhão, talvez num trator atrelado a um implemento de operação extremamente complexa. Enquanto isso, acidentes, quase nunca divulgados vão-se multiplicando pelo interior a fora. Torna-se urgente conscientizar nossos fazendeiros de que só devem contratar tratoristas devidamente habilitados, mesmo porque com a contínua sofisticação e encarecimento das máquinas agrícolas, pô-las nas mãos de gente despreparada torna-se economicamente arriscado.

Pelo nível de evolução das máquinas agrícolas, ter alguem especializado ao volante é essencial (Foto: Unidas/divulgação)

Isso só se resolve com postos volantes de coleta que, por serem reguladas pela Anvisa, seu uso é, por enquanto, inviável. Assim, a consciência no meio rural deve ultrapassar os empreendedores e chegar ao Estado.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.