Banco Central e a taxa básica de juros, por que tanta discussão?

No dia 3 de março, publicou-se uma matéria sobre o efeito da taxa de juros sob o ponto de vista do consumidor. Ora, se matemática, psicologicamente, o efeito é discutível, por que tanto pânico acerca das reuniões do Copom e declarações do Banco Central? De fato, a taxa de juros afeta muito pouco o consumo, tanto que continuam-se vendendo automóveis a uma taxa de 30% ao ano. Aliás, essa taxa é para vendas com menos de 50% do valor financiado, quando não se necessita de fiador. O problema é o que acontece pelo lado da oferta.

Taxa de juros afeta a oferta, e não muito o consumo: os 30%/ano foram mantidos, bem como os 50%/ano em caso de financiamento na compra de carros (Foto: Nissan/divulgação)

Lá vem a ladainha de que o medo de perder é muito maior do que a vontade de ganhar. Um carro, a não ser que o comprador o use profissionalmente, não é investimento, é gasto. O valor de revenda é residual. Um fabricante de automóveis precisa decidir se produz internamente e exporta, ou produz fora e importa.

É sobre essa decisão que a taxa básica de juros impacta. Na medida em que a taxa de juros brasileira sobe mais que a dos demais países, mais capital vem para cá, mas não para produzir, porém, para render de forma improdutiva e, quem sabe, para seu rendimento financiar o investimento no resto do mundo.

Colocando-se no lugar do investidor: vale mais a pena trazer o dinheiro para o Brasil, pedir um empréstido na Europa e produzir por lá no mundo automotivo (Foto: reprodução/Freepik)

Se a taxa europeia nominal de juros for de 2% ao ano, para uma inflação de 6%, o Estado estará subsidiando os investimentos locais em -3,78%. Ponhamo-nos no lugar do investidor. É muito mais negócio trazer o dinheiro para cá, rendendo 8% reais ao ano, e tomar um empréstimo no mercado europeu e produzir lá. Esses 8% poderão ser usados para pagar os débitos fora do país, então além do valor subsidiado pelo mercado europeu, há ainda o dinheiro que vem do Brasil.

Não é à toa que as empresas tendem a levar suas fábricas para fora daqui, passando a importar os carros que consumimos. Isso não tem nada a ver com o custo-Brasil, como querem fazer crer os produtores externos. Isso tem a ver com o que os economistas chamam de arbitragem.

Ford é um ótimo exemplo: fechou as fábricas brasileiras e virou importadora (Foto: Ford/divulgação)

Ora, se a taxa de juros na argentina é subsidiada e a inflação é alta, se os carros produzidos lá têm mercado cativo aqui, por que produzir aqui e não lá? E que sustenta essas importações brasileiras? Afinal, o dinheiro para importar automóveis precisa vir de algum lugar.

Ele vem, basicamente, de duas fontes: o superávit comercial oriundo do agronegócio e o influxo de capital advindo da própria taxa exorbitante de juros que pagamos por conta de uma decisão do Banco Central. Em outras palavras, pagamos carros importados com dinheiro que veio passear aqui e cujo preço o país pagará mais cedo ou mais tarde.

Carros importados acabam sendo pagos com um dinheiro que está aqui de passagem, e que será cobrado do seu país de origem hora ou outra (Foto: Lucca Mendonça)

Ao mesmo tempo, enquanto houver um superávit comercial no setor do agronegócio, o país tende a privilegiar o setor em detrimento da indústria. Não há de ser por outro motivo que a indústria, que chegou a contribuir com 35% do PIB durante os anos 1980, esteja ao redor dos 11% no presente.

Só que chega um momento em que a taxa fica tão alta que começa a faltar crédito para o próprio agronegócio, cuja renda se estagna, quando não diminui, e o superávit dele advindo também cai, fazendo o país depender cada vez mais do influxo de capital para manter o consumo. É nesse ponto em que a fonte para as famílias também seca e a crise econômica se instala.

Indústria automotiva é uma das que mais sofre, tanto que nunca recuperamos os números de produção e vendas do início da década passada (Foto: Chevrolet/divulgação)

Por tratar-se da indústria com maior complexidade, o setor automobilístico será o primeiro a sofrer. Aliás, já está sofrendo, visto que nunca se recuperaram as 3,6 milhões de unidades produzidas em 2013, dez anos atrás. A bem dizer, poucas vezes no período sequer ultrapassamos os dois milhões de veículos produzidos, com sensíveis reflexos em toda a cadeia produtiva.

Falando do mercado automotivo, até os usados acabam sendo afetados (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O pior é que o exagero na dose vai provocar uma inflação incontrolável no futuro pois, faltando crédito, falta produção e, faltando produção, a quantidade ofertada cai, elevando preços. Some-se a isso a dependência crescente de importações provocada pela desindustrialização e entraremos numa bola de neve de juros, visto que precisaremos de influxo constante e crescente para manter a economia funcionando minimamente.

Em outras palavras, não poderemos diminuir os juros para não cortar o fornecimento de recursos e teremos voltado à primeira metade dos anos 1980.

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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. Dos seus 45 anos de vida profissional, dedicou 35 aos agronegócios, o que o levou a conhecer, virtualmente, todos os recantos do Brasil e suas mazelas. Em sua vida acadêmica de mais de 20 anos, lecionou as matérias de Custos, Orçamento, Operações Estruturadas, Controladoria, Metodologia Científica e Tópicos em Produção Científica. Orientou mais de 180 trabalhos de TCC e participou de, pelo menos, 250 bancas de graduação. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.